26.2 C
Dourados
quarta-feira, 24 de abril de 2024

Ler /Dort, doença silenciosa que precisa ser levada a sério

- Publicidade -

12/11/2015 17h39 – Atualizado em 12/11/2015 17h39

Flávio Verão

Silenciosas, as lesões causadas no ambiente de trabalho e provocadas por atividades repetitivas, as Ler/Dort – Lesões por Esforços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho – precisam ser levadas a sério, tanto pelos empregadores quanto pelos empregados. Considerada pelo INSS (Instituto Nacional de Segurança Social) como o segundo maior afastamento de trabalhadores no país, segundo pesquisa, a doença está presente nos diferentes ambientes de trabalho, das pequenas lojas e escritórios a grandes indústrias. Mas, combater a doença ainda está longe da realidade. O problema é amplo e vai desde a falta de políticas públicas para a efetivação de normas trabalhistas dentro de empresas, à falta de fiscais do trabalho, de um diagnóstico e acompanhamento da saúde do trabalhador da entrada à saída da empresa e a falta de informação de patrões e empregados sobre a conscientização da saúde no ambiente de trabalho.

As estatísticas mostram um número de casos pequenos de Ler/Dort em Mato Grosso do Sul. Desde 2006, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) faz levantamento de doenças ocupacionais nos municípios. De lá para cá, até outubro deste ano, foram contabilizados 393 casos de Ler/Dort, a maioria, 173 registros, em Campo Grande, seguido de Dourados, com 105 ocorrências. O que chama a atenção nas estatísticas são os números. Na segunda maior cidade do estado, os maiores casos foram registrados entre 2009 a 2012, com 20 a 30 ocorrências por ano. Em 2013 não há registro; em 2014, foram 2 e neste ano nenhum caso de Ler/Dort.

Evelyn Melo é coordenadora do Cerest (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador), órgão responsável por coletar estatísticas em Dourados e mais 32 municípios da região e promover a qualidade de vida do trabalhador, com ações de promoção de saúde. Ela diz que nem sempre as empresas e instituições preenchem o CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), documento obrigatório que informa o INSS se o trabalhador sofreu algum tipo de acidente na empresa, independentemente se ele chegou ou não a ser afastado pela previdência. O documento também pode ser feito pelo médico que atendeu o trabalhador, pelo sindicato, mas nesse processo também ocorrem falhas de registro e o empregado deixa de ser diagnosticado como vítima de doença ocupacional adquirida no ambiente de trabalho. Com isso, não entram nas estatísticas.

Atuando há um ano e meio na GVM, empresa de prestação de serviços na área de medicina e segurança do trabalho, a médica Carla Cristiane Urnau explica que associar a Ler/Dort do trabalhador ao ambiente de trabalho não é simples. “Quando é um acidente não tem o que se discutir, mas em se tratando de Ler/Dort é bem mais complexo”, afirma. O acompanhamento da saúde do trabalhador começa quando ele faz o exame admissional, avaliação importante para a empresa conhecer a saúde do funcionário.

Mas o exame admissional tem que ser feito com cuidado, pois é ele quem vai orientar o empregador quanto à adequação ao cargo que o funcionário irá exercer, segundo suas características, limitações e potencialidades. O acompanhamento da saúde do trabalhador também é importante. “As empresas devem entender que os exames clínicos são fundamentais para uma avaliação periódica dos trabalhadores. Esses exames são investimentos e quando realizados e acompanhados de forma eficiente, oferecem segurança às empresas para atuarem conforme critérios estabelecidos e exigidos pelas normas trabalhistas”, explica a médica Carla Cristiane Urnau.

São várias as dificuldades de relacionar a Ler/Dort com as funções do trabalhador na empresa, segundo a médica. Uma destas é que, acontece muito do trabalhador realizar o exame admissional numa prestadora de segurança do trabalho, fazer exames cotidianos em outra e o demissional em uma terceira. “Muitos trabalhadores quando chegam ao consultório não conseguem, inclusive, explicar quanto tempo sentem uma determinada dor, dificultando identificar a cronologia dos sintomas”, diz a médica. Para cada tipo de Ler/Dort há exames capazes de diagnosticar a doença, porém alguns deles, como ultrassonografia e ressonância, dependem de profissionais altamente capacitados para aferir se realmente o trabalhador tem a doença, não sendo simples o diagnóstico.

A Ler/Dort é silenciosa e na medida que o trabalhador começa a sentir dor deve procurar um médico. “Pode ser num posto de saúde. Dependendo do caso, esse paciente é encaminhado a um especialista”, orienta a doutora. O problema é que muitos trabalhadores não dão importância, se automedicam com analgésicos para aliviar a dor e com o tempo o problema tende a se agravar.

“Quando o trabalhador vai para a casa e aquela dor persiste, com fadiga e adormecimento na área onde sente a dor, é sinal que algo está errado e precisa ser checado por um médico, para evitar o aparecimento de uma Ler/Dort”, explica a médica. Mas é comum pacientes chegarem ao consultório somente após a dor ficar insuportável ou quando o paciente encontra dificuldade para realizar as atividades de trabalho. “A gente percebe que eles [trabalhadores] temem pedir licença para ir ao médico, até por medo de retaliação. Mas isso traz consequências não só para a saúde do trabalhador como também para a empresa. Ao diminuir o rendimento de trabalho de um funcionário há perda na capacidade de produção”, alerta a médica do trabalho.

O que diz a lei

Atualmente, há 36 NRs (Normas Regulamentadoras) vigentes para orientar empresas e instituições sobre os procedimentos obrigatórios de segurança e de saúde dos trabalhadores, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No entanto, essas normas não são de conhecimento do empresariado em geral, tampouco dos funcionários. Tanto que trabalhos efetivos voltados à saúde do trabalhador são mais presentes em indústrias e empresas de grande porte, com grande número de funcionários.

As Normas Regulamentadoras são exigências obrigatórias e devem ser cumpridas pelos setores privados e públicos, independe do tamanho da empresa e quantidade de funcionários. Segundo a técnica em segurança do trabalho, Rosana Carvalho, da GVM, empresa de prestação de serviços na área de medicina e segurança do trabalho, dentre as NRs de suma importância estão o PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), responsável em estabelecer o controle físico e mental do trabalhador, e o (PPRA) Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, ao estabelecer aos empregados e instituições a obrigação de promover ações de preservação à saúde e a integridade dos trabalhadores. “São programas criados por empresas de medicina e segurança do trabalho de acordo com as características de cada empresa e todas as corporações devem ter”, afirma a técnica em segurança do trabalho.

Sem esse investimento, a empresa fica mais suscetível a acidentes, multas e complicações como no cálculo do Fator Acidentário Previdenciário (FAP). Rosana Carvalho diz que as pequenas e médias empresas costumam não seguir as NRs, muitas vezes por desconhecimento das normatizações. Por lidar com grandes equipamentos e expor funcionários a ruídos, produtos químicos, biólogicos, as indústrias são as que mais seguem as regulamentações, pois também são as que mais recebem fiscalização do Ministério do Trabalho.

Embora profissionais da indústria são considerados os que apresentam em curto período sintomas de Ler/Dort, trabalhadores do comércio, do telemarkiting, secretárias, bancários e outros que trabalham constantemente em pé ou sentados em frente ao computador também são bastante acometidos pela doença.

Para o juiz Marco Antônio Miranda Mendes, gestor do Programa Trabalho Seguro, há uma grande deficiência em várias áreas quando o assunto é a saúde do trabalhador. Entre estas, a ausência de políticas públicas de prevenção, e a falta de fiscais do trabalho e de um olhar mais humano dos empregadores com seus funcionários. Empresas com documentações em dia de NRs não significam, segundo ele, que cumprem as normatizações. Há casos em que empresas estão regulares no papel, com laudo de análise elaborada por empresas de segurança do trabalho, mas na prática a realidade é diferente.

Dentre os tipos de Ler/Dort que mais acometem os trabalhadores e que aparecem na Justiça do Trabalho em Dourados, segundo o juiz, são de lesões na região do ombro. A maioria desses trabalhadores são oriundos das gigantes BRF e JBS.

A falha de comunicação nas empresas é um grande entrave. Para o gestor do Programa Trabalho Seguro, é preciso investir em vigilância ativa na saúde do trabalhador, com trabalhos voltados à prevenção. Outro grande problema, conforme constatou, ocorre por parte dos próprios funcionários que só procuram auxílio médico quando a Ler/Dort está agravada. Quanto aos pequenos e médios empresários, de acordo com o juiz, faltam informações sobre as normas regulamentadoras da CLT. “Esses empresários dependem muito dos contadores que, também por falta de conhecimento, não apresentam aos seus clientes a importância das NRs e as consequências, caso não as cumpram”, conclui Marco Antônio Miranda Mendes.

Prevenção é o melhor remédio

Uma prática que tem se destacado cada vez mais nas empresas, principalmente de médio a grande porte, é a ginástica laboral, atividade física voluntária realizada de forma coletiva com os trabalhadores, no próprio ambiente de trabalho. A proposta é melhorar a condição física do trabalhador e consequentemente ter ganhos na produtividade.

As pausas ergonômicas, como são chamadas pelos profissionais da fisioterapia e da educação física, responsáveis por aplicar a ginástica laboral, podem ocorrer no início, durante ou ao final da jornada de trabalho. A fisioterapeuta Janaína Menezes Silva Rodrigues, também professora na Unigran (Centro Universitário da Grande Dourados), explica que esse tipo de ginástica traz uma série de ganhos para a empresa.

“São exercícios que trabalham toda a reeducação postural, seja para a coluna, pernas, braços, com alongamentos para que os colaboradores possam conhecer seus limites, as tensões acumuladas no dia a dia do trabalho, com exercícios para os ombros, de respiração e de relaxamento. Além disso a ginástica laboral ajuda a aliviar o estresse e contribui para a educação do trabalhador, de forma a tirá-lo do sedentarismo, sobretudo ajuda a prevenir lesões relacionados ao Ler/Dort”, diz a fisioterapeuta.

Na companhia de alunos, do curso de fisioterapia, ela desenvolve o projeto “pausa ergonômica” em diferentes setores da Unigran. A adesão é grande, por parte dos funcionários, a maioria de setor administrativo. Sônia Regina atua no departamento de diplomas da instituição. Ela levava uma vida sedentária e, de tanto escrever, atividade essencial durante a carga horária de trabalho, começou a apresentar sintomas da Ler/Dort. As dores, no punho e no ombro, tornaram-se frequentes. “Depois que comecei a participar da ginástica laboral com os demais funcionários a minha vida mudou. Iniciei, também, a caminhada, hidroginástica e perdi 23 quilos”, comemora a funcionária da Unigran, hoje recuperada das dores.

Além de promover a qualidade de vida, a ginástica laboral na empresa, segundo a fisioterapeuta Janaína Menezes, estimula a convivência social entre os funcionários de diferentes setores. “Aqui na Unigran também desenvolvemos palestras e orientações com os funcionários sobre ergonomia e esse trabalho tem sido muito positivo e trazido muito retorno para a produtividade na instituição. Isso também ocorre em qualquer empresa que investe em prevenção, na saúde do trabalhador”, esclarece.

Algumas empresas têm política de readaptação de funcionários, como o jornal O Progresso. O diagramador Gleison Rodrigues Costa desempenhou esta função, em frente ao computador, por 17 anos. Após quase duas décadas as dores começaram a aparecer nos punhos, de forma constante. “Fui ao médico e ele deu a mim duas opções, dar uma pausa na digitação em frente ao computador ou fazer uma cirurgia. Optei pela primeira e para isso contei com a política da empresa que me realocou em outro setor onde, desde o início deste ano, não desempenho função em frente ao computador”, disse ele. As dores desapareceram.

A Douramix, indústria de rações, também tem projeto de ginástica laboral com os funcionários. Há quase quatro anos, profissionais do Sesi (Serviço Social da Indústria de Dourados) vão até a empresa aplicar exercícios para os funcionários e ainda desenvolvem a quick massagem – realizada em diferentes partes do corpo. Por ser uma indústria com equipamentos de última geração, o ritmo de produção foi reduzido, sem diminuir a quantidade de ração fabricada, e a empresa passou a operar em único turno, horário comercial, de 44 horas semanais. Afastada do perímetro urbano da cidade, a empresa oferece alimentação aos seus funcionários e o cardápio é todo balanceado, com orientação de nutricionista para atender às necessidades dos colaboradores.

A técnica em segurança do trabalho da Douramix, Katiuscia Moreira, diz que a indústria também incentiva os funcionários a praticarem atividades físicas fora do expediente do trabalho, uma forma de manter a saúde em dia. Os homens, segundo ela, chegaram a criar um time de futebol. “Fora isso realizamos confraternizações que envolvem as famílias em datas comemorativas, promovemos ação social com arrecadação de alimentos para doar às entidades filantrópicas”, diz Katiuscia, referindo-se à promoção de socialização. Para atender à ergonomia, setores administrativos e da indústria ganharam móveis, cadeiras e demais acessórios que garantam mais conforto e inibem riscos de doenças de Ler/Dort durante as atividades de trabalho.

Ginástica laboral é uma das formas de prevenir Ler/Dort nas empresas;  atividades podem ser feitas no local de trabalhoFoto: Flávio Verão

Empresas têm investido na ginástica laboral com seus colaboradores, uma delas é a indústria DouramixFoto: Flávio Verão

Técnica do Trabalho Rosana Carvalho esclarece que as Normas Regulamentadoras são exigências obrigatórias e devem ser cumpridas pelos setores privados e públicosFoto: Flávio Verão

Faltam informações sobre as normas regulamentadoras para empregadores e empregados, diz juiz Marco Antônio Miranda MendesFoto: Flávio Verão

Ginástica laboral, método preventivo, tem trazido uma série de benefícios para a qualidade de vida dos funcionários da Unigran; Foto: Flávio Verão

Estudantes de fisioterapia da Unigran desenvolvem projeto

Com incentivo de programa laboral na Unigran, Sônia Regina se livrou da Lerd/Dort e passou a adotar estilo de vida saudávelFoto: Flávio Verão

Equipe do Sesi desenvolve ginástica laboral e quick massage há quase quatro anos na DouramixFoto: Flávio Verão

Veja também

- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade -
- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade-
Verified by MonsterInsights