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sábado, 20 de abril de 2024

Com ausência dos homens, mulheres se sobrecarregam nas dinâmicas familiares

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29/08/2015 08h29

Como técnico do serviço de medidas socioeducativas em meio aberto na região do Campo Limpo, distrito pobre da Zona Sul de São Paulo, o psicólogo João Victor de Souza Reis observou de perto as novas configurações da família brasileira.

Sua experiência resultou em dissertação pelo Instituto de Psicologia da USP, analisando a dinâmica das famílias ‘matrifocais’ pobres e o lugar em que os homens, principalmente os pais, se inserem nessas relações.

No serviço, ele acompanhava adolescentes em situação de conflito com a lei, além de suas respectivas famílias.

Notava a forte presença das mulheres em atividades que englobam o cotidiano dos filhos e da família, enquanto as figuras masculinas pareciam estar encobertas por uma grande nuvem.

Essa realidade é demonstrada pelo último censo do IBGE, em que 50,1% das famílias não são constituídas de casais com filhos; 30,6% dos domicílios são chefiados por mulheres; a monoparentalidade feminina corresponde a 17,3%, enquanto a masculina é de 2%.

A atual formação familiar brasileira vai de encontro ao ideário tradicional de família, fixado na heteronormatividade e na presença de uma família nuclear.

Ela tem a mulher, normalmente a mãe, como figura central e detentora das tomadas de decisão, além de grande responsável pelo sustento econômico.

Os homens deixam de ocupar sua posição clássica de líder e provedor, apagando seu lugar, e ausentando-se também de outras atribuições da dinâmica familiar.

Os lugares de homens e mulheres dentro do grupo familiar mostravam-se diferentes do que era geralmente concebido no discurso dos adolescentes.

As mulheres trabalhavam dentro e fora de casa, centralizavam as funções familiares e lidavam com os programas de transferência de renda.

Durante as entrevistas, as famílias aparentavam haver pouco conhecimento sobre a trajetória e o histórico familiar da figura parental, ausente das entrevistas.

Nos atendimentos, esta aparecia como marginal, com pouca ou nenhuma importância. Em visitas domiciliares, após o complicado processo para conseguir horário que não conflituasse com o trabalho dos familiares, o psicólogo notou que as famílias eram hegemonicamente compostas por mulheres. Eram elas que recebiam o técnico, guiavam a visita e os apresentavam ao restante da família.

As configurações familiares eram diversas, variando de famílias extensas às monoparentais compostas apenas de mãe e filho, cada qual contando com suas peculiaridades.

Essas estruturas eram verificadas não apenas nas famílias envolvidas com o serviço, mas em toda a comunidade.

No entanto, os modelos de família nuclear tradicional, muito presentes no discurso dos adolescentes atendidos, impactavam as dinâmicas familiares, influenciavam atitudes e afetavam o cotidiano dos adolescentes.

Excetuando os casos minoritários em que os pais, mesmo distantes do grupo familiar, demonstravam interesse pelos adolescentes, o pesquisador percebeu que, com certa frequência, a figura paterna é (aparentemente) pouco conhecida, em seu histórico de vida ou em características pessoais; enfraquecida, possuindo pouca influência familiar; e, muitas vezes, fisicamente ausente.

Era comum haver um padrão de comportamento no qual o lugar feminino estava claro, enquanto o masculino era nebuloso, permanecendo às margens das principais decisões e afastado de muitas ações cotidianas familiares.

As mulheres, por desempenharem múltiplas funções e centralizarem as decisões, se encontravam constantemente muito cansadas e desgastadas física e emocionalmente.

“Em muitas ações os homens se desresponsabilizam ou são desresponsabilizados, o que acaba transferindo para a mulher o peso das urgências familiares.

E elas são colocadas em uma posição na qual não há grandes alternativas se não tentar sanar tais urgências”, afirma o pesquisador.

Dessa forma, muitas carregam a insígnia de ‘mulher forte’, sendo vistas e se denominando como tal, apresentando, assim, uma relevante característica, como também, uma forma de trazer norteamento e segurança diante das dificuldades diárias.

Nas famílias monoparentais de chefia feminina, é comum que o filho, ao se responsabilizar pelas despesas da casa, ocupe o lugar de provedor, de uma forma que a dinâmica da família nuclear é reatualizada, agora com o filho no lugar da figura tradicional do pai.

O adolescente ocupa o lugar de provimento, sendo o “homenzinho da casa”, mas não lhe é delegada autoridade do grupo.

A mãe continua sendo a figura central, tomando decisões que dizem respeito à educação do adolescente e às finanças.

Segundo o psicólogo, o trabalho geralmente é usado como legitimador da transição do adolescente para a vida adulta. No imaginário desses jovens, ainda há a concepção de que o homem deve ‘prover’, enquanto a mulher deve ‘cuidar’.

De acordo com o pesquisador, a presença desses ideários rígidos do que vem a ser homem ou mulher, adolescente ou adulto, pai ou filho, presentes no modelo tradicional de família, traz sofrimento, pois dificilmente são atingidos.

E ao tentar atingí-los, seguindo tais padrões, são apresentadas aos jovens possibilidades de ações empobrecidas, que acabam por definir comportamentos misógenos e opressores dos quais, muitas vezes, eles próprios são vítimas.

Embora a pesquisa tenha sido realizada com jovens que cumpriam medidas socioeducativas, Souza Reis descarta a hipótese de que seus atos infracionais tenham sido impulsionados pela ausência da figura paterna, considerando os contextos históricos e social em que esses adolescentes estão inseridos. Eles convivem com a pobreza e o crime na porta de suas casas, e detêm relações familiares complexas.

O psicólogo defende que não existe a necessidade de haver, obrigatoriamente, um pai na vida da criança ou do adolescente, mas alguma figura que lhe dê atenção e acompanhe seu desenvolvimento. “Se os homens não estão lá, alguém há de estar”.(Agência USP de Notícias)

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