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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Demanda jurídica e por segurança são as que mais afligem a mulher

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19/09/2014 06h00

Demanda jurídica e por segurança são as que mais afligem a mulher que busca romper o ciclo de violência

Em entrevista exclusiva ao Portal Compromisso e Atitude, a coordenadora do Núcleo Especializado na Defesa da Mulher da Defensoria Pública da Bahia (Nudem), Firmiane Venâncio, avalia que a demanda pelos serviços da instituição no enfrentamento à violência doméstica é crescente, conforme apontam os dados dos atendimentos realizados pela Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 na primeira metade de 2014.

firmiane venancio nudem BAA coordenadora ressalta também a importância da atuação da Defensoria na garantia dos direitos das vítimas de violência, de forma integral e gratuita.

Destaca ainda que a esfera jurídica não pode ser reprodutora dos preconceitos e estereótipos sociais que, ao invés de apoiar, prejudicam o fortalecimento da mulher no momento em que decide romper o ciclo de violência.

“É importante que o profissional do Direito, em primeiro lugar, não questione por que uma mulher resolveu denunciar naquele momento, depois de anos sofrendo a violência, porque são muitas as questões envolvidas e isso pouco importa em termos de resolução para esse conflito”, recomenda a defensora.

Confira a entrevista:

Nos dados dos atendimentos do Ligue 180 (veja aqui) no primeiro semestre de 2014, a Defensoria Pública apareceu como o serviço mais procurado dentre as informações buscadas sobre a Rede de Serviços e Atendimento à Mulher. Na sua atuação no Nudem também detecta essa demanda por defesa de direitos? Isso sinaliza uma busca maior por acesso à Justiça?

Temos verificado essa mesma demanda na prática da atuação da Defensoria na defesa da vítima; o número de atendimentos nos núcleos de defesa da mulher tem realmente aumentado consideravelmente.

Na Bahia, por exemplo, há duas delegacias especializadas em Salvador e a Defensoria Pública ajuíza mais pedidos de medidas protetivas que uma das delegacias – ou seja, somos a segunda maior porta de entrada das mulheres em situação de violência nos sistemas de Justiça e Segurança Pública. Então, esses dados estão de fato refletindo a realidade.

Avalio que a Defensoria Pública tem sido mais procurada porque hoje as informações chegam mais às mulheres, facilitando o acesso a esses serviços de orientação jurídica.

E também porque a demanda jurídica, muitas vezes, ao lado da questão da sua segurança, é a que mais aflige a mulher no momento de romper o ciclo da violência.

E, nessa perspectiva de que a Defensoria proporciona atenção jurídica integral e gratuita, é natural que surja essa demanda, porque ela é justamente a instituição que presta esse atendimento integral e gratuito em todos os graus de jurisdição.

Aqui no Nudem, por exemplo, trabalhamos com um grande número de mulheres na condição de empobrecimento ou de não disponibilidade de seus bens ou dos recursos necessários para manejar um processo de medida protetiva ou da área de família, para a partilha dos bens ou para os alimentos para os filhos.

Há tantas demandas criminais quanto de família por parte das mulheres?
A busca na área de família é muito grande.

Na verdade, as mulheres pouco têm interesse em relação ao desfecho criminal da situação de violência, elas querem mais, em um primeiro momento, é a a proteção, é afastar aquele risco de lesão a sua integridade física e psicológica. Esse costuma ser o primeiro pedido que as mulheres fazem quando chegam à Defensoria Pública.

E o segundo maior pedido é para resolver as demais questões práticas envolvidas naquele conflito, como pedir o divórcio, garantir a pensão para os filhos.

Tanto é que, na Bahia, para cada medida protetiva temos cerca de dois ou três processos tramitando na Vara de Família para essa mulher, relativos à questão da pensão alimentícia, da guarda dos filhos, do divórcio, de busca e apreensão de menores ou de bens.

Esse quadro reforça a necessidade de integração das demandas da área criminal e de família nos Juizados Especializados, que, segundo a Lei Maria da Penha, deveriam ser híbridos?

A Lei Maria da Penha determina que o atendimento seja integral, gratuito e híbrido. Então nós, da Defensoria, não podemos aconselhar essa mulher apenas sobre o processo criminal que ela vai ajuizar contra o agressor e a solicitação da medida protetiva. Ela precisa saber de tudo, conhecer todos os seus direitos.

Se o Juizado ou as Varas não estão atuando de forma híbrida, o que a Defensoria precisa fazer é dar todas as informações de que a mulher precisa, buscado concentrar todo o atendimento e propor todas as ações que digam respeito ao conflito de violência para essa mulher.

É o que podemos fazer para que ela não tenha que se deslocar do Nudem para outra central de atendimento, para tratar dos alimentos, do divórcio etc.

Esse não é o espírito da Lei Maria da Penha, como também não é factível, porque essa mulher não vai conseguir rodar, contando muitas vezes a mesma história e sendo vítima dessa violência secundária que é ter que contar para vários serviços o mesmo problema e buscar soluções em diversas áreas.

Os dados do Ligue 180 mostraram que 77% das mulheres em situação de violência sofrem agressões semanal ou diariamente; revelaram também que em 94% dos casos, o autor da agressão foi o parceiro, ex ou um familiar da vítima.

Diante desse cenário, quais são os dilemas que estão colocados para a mulher denunciar e romper o ciclo de violência? E como o operador do Direito pode agir para ajudá-la nesse processo e não revitimizar a mulher?

O primeiro passo é demonstrar que existe um sistema de proteção à disposição dela, que envolve não só o serviço de atenção jurídica, mas outros serviços que podem contribuir para sustentá-la nessa decisão de não mais viver a violência, porque são muitas as questões envolvidas.

Nesse sentido, a rede de assistência social tem que estar muito fortalecida, porque pode haver necessidade de abrigamento ou de inclusão em algum programa de moradia digna, ou disponibilidade de espaço para que ela possa ficar com os filhos, por exemplo.

As próprias redes primárias também são muito importantes. A mulher geralmente vem até nós porque, de alguma maneira, um familiar ou amigo lhe deu apoio nesse primeiro momento e ela foi buscar a orientação jurídica.

E aí é importante que o profissional do Direito, em primeiro lugar, não questione porque ela resolveu denunciar naquele momento depois de anos sofrendo violência. Isso pouco importa em termos da resolução para esse conflito. Pode importar em termos de pesquisa, de análise do que faz com que a mulher sofra violência por anos.

Isso deve ser objeto de pesquisa por instituições que precisam desses dados para avaliar o conflito como um fenômeno social, mas para a orientação jurídica isso não importa, o que importa é que ela vive uma situação de violência e que é preciso intervir e dizer a ela quais são os instrumentos de intervenção que se pode utilizar.

E, principalmente, é importante explicar as consequências de cada um desses instrumentos, não para dificultar a decisão dela de denunciar ou não denunciar, mas para dizer a ela que nesse momento toda a legislação, toda a estrutura do sistema de proteção está pronta para acolher aquela demanda, sem fazer qualquer crítica e sem estabelecer também decisões definitivas na vida dela.

É preciso que a mulher saiba que algumas decisões podem ser revistas e que ela não vai ser discriminada pelos serviços se resolver refletir sobre aquilo, que ela não vai ter que ouvir – embora infelizmente a gente saiba que acontece muito –: “olha a senhora aqui mais uma vez; a senhora já registrou ocorrência e voltou com ele e agora está aqui de novo?!”, e outras coisas desse tipo.

Se ela decidiu vir até nós, tenho que dar toda atenção e se ela tiver dúvidas preciso saber quais são os motivos e acompanhar como está esse conflito, para eu poder orientá-la que, se a violência está em uma constância ou crescente, não faz sentido dar outra chance para o agressor, porque a tendência é a agressividade ser potencializada, podendo levar até ao óbito.

Ainda é um desafio ter as Defensorias atuando na defesa dos direitos da vítima no Brasil?

Sim. E isso é algo para se refletir, tanto em termos numéricos, em relação à quantidade de defensores públicos no Brasil, que infelizmente ainda é irrisória perto das necessidades que temos, como também internamente, nas Defensorias Públicas brasileiras, que precisam avaliar se estão colocando a violência contra as mulheres como prioridade na sua gestão interna, na gestão dos seus poucos recursos.

Tenho convicção de que um dos maiores problemas que enfrentamos no Brasil, e certamente aqui na Bahia, é a violência e o homicídio de mulheres. Então, é preciso reforçar essa área da defesa da mulher para sermos coerentes com a realidade.

As Defensorias precisam entender essa questão como prioritária e não podem tratá-la com o mesmo olhar discriminatório que é tão comum no cotidiano, que considera, por exemplo, que a mulher sofre a violência porque quer, ou que diz que a violência contra as mulheres se resolve com mediação, que não se precisa do sistema de Justiça na área criminal, por exemplo.

Precisamos, sim, do sistema como um todo à disposição dessa mulher e atuando na defesa dela, e não só nas capitais, mas também no interior do País.

Claro que precisamos de mais recursos e de mais defensores para implementar essa política, mas é preciso também fazer a crítica interna, porque não adianta uma Defensoria cobrar mais Delegacias da Mulher, mais Varas Especializadas, se, internamente, a questão não é posta como prioritária, se há dificuldade de instalação dos Nudems, se há precarização dos serviços prestados pelos Nudems, se não há equipe multidisciplinar à disposição dos núcleos.

Houve avanços nesse sentido?

Tivemos um avanço muito importante na uniformização dos procedimentos. Finalmente, conseguimos aprovar um protocolo mínimo de atuação que confere uma identidade aos Nudems em todo o Brasil, para que a mulher atendida na Bahia saiba que no Rio de Janeiro o procedimento será o mesmo, as competências serão as mesmas.

O Condege [Colégio Nacional dos Defensores Públicos-Gerais] aprovou esse protocolo, que vai ser publicado em breve, e agora precisamos colocar em prática essas recomendações, que determinam uma estrutura adequada e uma maior especialização dos serviços via Nudem.
(Portal Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha)

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