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quinta-feira, 18 de abril de 2024

“É preciso transversalizar a perspectiva de gênero em todos os ODMs”

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26/11/2014 07h24

“É preciso transversalizar a perspectiva de gênero em todos os ODMs”, afirma representante da ONU Mulheres no Brasil

O Portal da Campanha Compromisso e Atitude entrevistou a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman, sobre o custo da violência contra a mulher para o desenvolvimento sustentável e a importância do estabelecimento de mecanismos que instituam formalmente a perspectiva de gênero na investigação e punição a tais crimes, especialmente o feminicídio.

Médica e ex-diretora da Campanha do secretário-geral das Nações Unidas UNA-SE pelo Fim da Violência Contra as Mulheres para a América Latine e o Caribe, Nadine Gasman relata a centralidade do protocolo para investigação dos assassinatos violentos de mulheres motivados por questões de gênero na campanha e para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs).

E fala da importância da condução da perícia na investigação desses crimes para assegurar a determinação da motivação discriminatória contra a mulher.

Primeiramente, gostaríamos que a senhora falasse sobre as principais preocupações e medidas propostas pela ONU diante do problema da violência doméstica.

O secretário-geral Ban-Ki Moon frisou durante o lançamento da Campanha UNA-SE, em 2008, que a violência contra as mulheres é uma das violações dos direitos humanos mais sistematicamente praticada no mundo.

Diante disso, é muito evidente o custo que se tem, para a vida das mulheres em primeiro lugar, mas também para o desenvolvimento, se pensarmos que 3 em cada 10 mulheres sofrem ou vão sofrer algum tipo de violência; trata-se de um terço da população feminina! E temos diversos estudos comprovando que isso tem um impacto muito grande em sua saúde, na produtividade e também sobre as crianças.

A Organização Mundial da Saúde tem alertado que crianças que testemunham a violência têm maiores probabilidades de no futuro serem vítimas, no caso das meninas, ou agressores, no caso dos meninos, o que evidencia também um custo intergeracional.

A violência tem impactos muito grandes nas famílias e na dinâmica familiar, nas comunidades – porque você tem impactos no trabalho, na capacidade de as mulheres participarem de processos comunitários e na sociedade em geral.

Temos vários estudos no mundo que mostram que o custo direto ou indireto da violência contra a mulher é muito alto e tem um impacto importante na economia.

Então, para nós, a violência contra as mulheres é um dos fatores a serem destacados se queremos falar em desenvolvimento sustentável, porque estão sendo perdidas as capacidades de muitas mulheres – e de seus parentes diretos – de serem totalmente produtivas e contribuírem para o desenvolvimento.

Além disso, essa grave violação de direitos humanos tem também um impacto muito grande nos serviços sociais, de saúde e justiça.

Os Estados têm que desenvolver toda uma estrutura para o atendimento a mulheres vítimas e sobreviventes da violência.

E esse é um custo que ainda não é cobrado aos agressores na maioria dos países. Aqui no Brasil, por exemplo, a Advocacia Geral da União começou a cobrar dos agressores o ressarcimento aos cofres públicos das despesas geradas com o atendimento das mulheres vítimas de violência doméstica, por meio das chamadas ações regressivas. Mas essa ainda é uma ação tímida dos Estados, não é?

O tema das reparações, inclusive as voltadas às próprias vítimas e não aos Estados, ainda é muito incipiente.

Ainda que seja parte da garantia dos direitos humanos e das questões que queremos atingir com as legislações e com as abordagens integrais à questão da violência contra as mulheres.

Mas na maioria dos países da região latino-americana e caribenha essa ainda é uma questão muito pouco amadurecida.

A partir da análise a ser apresentada em Pequim+20 sobre os avanços e obstáculos das últimas duas décadas, quais seriam as metas mais urgentes no campo do enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil?

O Brasil já realizou iniciativas muito importantes, como a Lei Maria da Penha e os pactos interestaduais e nacional, e iniciou um movimento em direção a uma rede de atendimento que de fato proporcione atenção integral e prevenção à violência contra as mulheres.

E isso tem um impacto na consciência. Pesquisas apontam que 98% da população brasileira conhece a Lei Maria da Penha e sabe que a violência contra a mulher é um crime.

Isso, no imaginário coletivo, é muito importante, e não é assim em toda parte. Mas isso tem que se traduzir em ações para prevenir e punir a violência, como a Convenção de Belém do Pará estabelece.

Levando em conta o processo de revisão e avaliação de Pequim e da formulação de uma agenda de desenvolvimento pós-2015, por que a igualdade de gênero e os direitos das mulheres a uma vida sem violência devem estar no centro da agenda global?

É extremamente importante garantir que os Estados-membros concordem que a igualdade de gênero é central para o desenvolvimento sustentável.

E por isso temos discutido muito a questão e levantado evidências para mostrar que os temas da igualdade de gênero, dos direitos humanos das mulheres e do empoderamento das mulheres e meninas têm que ser um dos objetivos centrais da agenda pós-2015, um dos objetivos de desenvolvimento sustentável.

Ao mesmo tempo estamos articulando com os Estados-membros para garantir que todos os outros objetivos de desenvolvimento sustentável tenham em seus indicadores e metas uma perspectiva de gênero.

Porque não é suficiente estar lá como um objetivo geral, é preciso transversalizar em todos os ODMs a perspectiva de gênero e do empoderamento das mulheres.

Em relação ao protocolo de investigação para os casos de feminicídio que está sendo adaptado ao caso brasileiro por uma iniciativa da ONU Mulheres e do Escritório do Alto Comissariado de Direitos Humanos, por que é importante garantir a incorporação da perspectiva de gênero na investigação dos crimes de violência contra as mulheres? Como as discriminações estão relacionadas aos crimes que vitimam mulheres?

Esse modelo foi desenvolvido em nível regional para a América Latina no marco da campanha geral UNA-se contra a violência às mulheres.

O protocolo é considerado uma ferramenta didática para responder às necessidades e realidades dos países da região e para apoiar as instituições que atuam no enfrentamento com um instrumento prático para abordar e investigar as mortes violentas das mulheres por motivações de gênero.

O protocolo tem um enfoque multidisciplinar e é uma ferramenta que faz questão de integrar nas investigações e nos processos penais os fatores individuais, institucionais e estruturais como elementos para entender os crimes e responder de maneira adequada às mortes violentas das mulheres pelo fato de serem mulheres.

Esta ferramenta nasceu da observação de que as polícias e ministérios públicos não fazem as investigações de maneira que os judiciários tenham as provas necessárias para determinar que uma morte foi motivada pelo fato de a vítima ser mulher.

O protocolo tem grande importância dadas as limitações que nossos sistemas de Justiça têm em entender as diferenças dos crimes cometidos contra homens e daqueles cometidos contra mulheres, de entender que quando os investigadores encontram uma mulher morta é necessário realizar a perícia sobre violência sexual – e isso não acontece em muitas partes do mundo.

Não são feitas as perícias para entender o contexto em que essa mulher vivia e que pode explicar os elementos que levaram ao seu assassinato.

Então, o protocolo, de uma maneira sistemática, tomando em conta experiências do mundo todo, estabelece um modelo geral [de investigação] que agora vai ser adaptado para o Brasil.

E um dos nossos grandes parceiros nessa tarefa é a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, que está trabalhando junto com as Secretarias de Segurança, o Ministério Público, Judiciário etc., para termos uma proposta que responda ao marco legal do Brasil e à forma como as investigações são conduzidas no País.

Acreditamos que essa vai ser uma ferramenta muito importante. E temos também o plano de atuar junto a deputados e senadores para que seja tipificado o crime de feminicídio, pois consideramos que, se tivermos essas duas ferramentas e um sistema melhor de informação sobre o tema do feminicídio, poderemos ter ações para prevenir e diminuir esses crimes e também para combater a impunidade. Pois embora não existam dados quantitativos no mundo, sabe-se que a impunidade é muito alta.

E também sabemos que o combate à impunidade é importante não só para a reparação às vítimas e seus familiares, mas para deixar à sociedade a mensagem inequívoca de que matar mulheres não será tolerado.
(Compromisso e Atitude)

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