18.5 C
Dourados
quinta-feira, 28 de março de 2024

História pessoal e ECA geram conflito em conselheiro tutelar

- Publicidade -

08/04/2014 06h00

A ausência de formação técnica dos conselheiros tutelares pode gerar contradições no dia a dia profissional.

Isso porque a falta de capacitação desses agentes induz na utilização da experiência pessoal para desenvolver o trabalho de defesa e proteção à criança e ao adolescente.

E, quando essa história de vida vem ancorada em preceitos como, a criança deve trabalhar desde cedo, o “tapa” pode ajudar educar, entra em conflito com o principal instrumento profissional dos conselheiros tutelares: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Essa é uma das principais conclusões da pesquisa realizada pelo psicólogo Alexandre da Silva de Paula, que estudou como o Conselho Tutelar coloca em prática as estratégias de defesa e proteção a crianças e adolescentes na tese de doutorado Redes de proteção e garantia de direitos: representações sociais por conselheiros tutelares, desenvolvida na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.

No estudo, o pesquisador acompanhou as atividades do Conselho Tutelar de Votuporanga, interior do estado de São Paulo, formado por cinco pessoas.

Foram realizadas reuniões para discutir temas como: o início do trabalho no Conselho Tutelar, a história da infância e da família dos conselheiros, como eles avaliam suas ações na instituição e a relação com outras entidades da rede de proteção à criança e ao adolescente. Também houve acompanhamento da prática profissional.

De acordo com o psicólogo, o fato de a maioria dos conselheiros tutelares não ter histórico de trabalhos com crianças e adolescentes chamou atenção.

“Imaginávamos que os profissionais haviam se interessado por atuar no Conselho Tutelar, justamente, por outras ações na área. Mas dos cinco conselheiros, apenas um tinha alguma experiência anterior”.

Contradições

Entretanto, foram nas conversas sobre o ECA e a história de vida dos conselheiros que se percebeu as contradições vividas por esses profissionais.

“Eles afirmaram não concordar com o estatuto em alguns pontos e reproduziram alguns discursos comumente atribuído ao ECA: ‘tirou poder dos pais, produziu jovens que não gostam de trabalhar’, entre outros.

Isso pode estar relacionado ao saudosismo que apresentaram da infância e a demostração da educação rígida que tiveram, com castigos físicos caso não respeitassem as regras paternas e escolares, além da experiência do trabalho desde criança”, conta Alexandre.

O psicólogo explica que essa experiência pessoal acaba interferindo no trabalho dos conselheiros tutelares, pois eles empregam o próprio modelo de infância e adolescência no conselho tutelar.

“Há uma interferência da esfera privada na esfera pública porque são esses modelos que eles levam para os atendimentos, além disso existe uma dificuldade em identificar a violência e isso pode chegar a situações de negligência”.

O pesquisador destaca ainda que o conselheiro lida com questões extremamente delicadas, como o uso de drogas, prostituição, abandono, violência doméstica relacionadas aos jovens e, muitas vezes, sentem-se impotentes e sem saber o que fazer.

“Por isso reproduzem o olhar moralista, paternalista, o discurso da culpabilidade da família da criança e do adolescente por aquela situação, eles têm dificuldade de entender os determinantes sociais”.

O estudo também identificou que os profissionais se sentem “perseguidos” por outras instituições, como a escola, promotoria pública, polícia, ligadas à rede de proteção da criança e do adolescente.

“Os conselheiros relataram que, muitas vezes, o relacionamento com essas entidades é complicado e eles não são bem recebidos quando vão em busca de informações”, afirma o psicólogo.

Em outros países, como Inglaterra, Suíça, Estados Unidos e França, não existe a figura do conselheiro tutelar, segundo Alexandre.

“Todos os profissionais envolvidos na rede de proteção à criança e ao adolescente, médico, professor etc, são preparados para identificar situações de violência, abuso e fazer o correto encaminhamento.

Essa estruturação começou na década de 1980 e, hoje, eles passam por uma reformulação de abordagem menos técnica e mais humana”.
(Universidade de São Paulo)

Veja também

- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade -
- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade-