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sexta-feira, 29 de março de 2024

Princípios da não-surpresa e do contraditório substancial no novo CPC

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13/10/2015 14h28

Em continuidade aos breves comentários sobre os princípios[1] que sedimentam a nova legislação processual civil[2], iniciados em artigo anterior, neste sintético apanhado de ideias será tratada a proibição da surpresa mencionado em seus artigos 9º[3] e 10[4].

Destarte, a regra do novo sistema adjetivo será a oportunização – salvo nos casos mencionados nos incisos do parágrafo único do art. 9º – do corolário do contraditório, mormente, no seu parâmetro substancial em qualquer grau de jurisdição com respaldo nos incisos LIV e LV do art. 5º[5] da Constituição Federal.

Calcado, do mesmo modo, no princípio ou garantia de influência sobre as decisões do magistrado ou de sua possibilidade de participação preventiva sobre o diálogo processual surgiu na Alemanha (Einwirkungs-möglichkeit) em 1976 no inciso III do art. 278 do ZPO.

Posteriormente, na Itália em seu art. 183 do Código de Processo Civil, conferia-se ao juiz o poder-dever de indicar às partes as questões examináveis de ofício das quais entende oportuno tratar[6].

Os mesmos parâmetros foram sedimentados nas legislações do Velho Continente, como França[7], Portugal[8] e Áustria[9].

De início, sublinha-se, portanto, que o contraditório possui estreita relação com a garantia da não surpresa, impondo ao juiz o dever de provocação do debate acerca das questões postas em juízo, inclusive nos novos parâmetros, àquelas cognoscíveis de ofício[10].

Como consequência, passa-se, deste modo, à análise de outras vertentes de aplicação da mencionada garantia no novel Código de Processo Civil.

Com efeito, exemplificando, situação que remete ao princípio em voga é aquela que atribui ao autor o dever de trazer com a petição inicial todos os documentos indispensáveis à propositura da ação nos termos do art. 320[11].

Ao contrário, sedimentando situações sem a incidência da preclusão, estar-se-ia desprestigiando o devido processo legal e a segurança das relações jurídicas, bem como a possibilidade indevida de inovação processual.

Nos termos mencionados por Nelson Nery Júnior[12], a proibição de haver a decisão surpresa no processo, decorrência da garantia instituída pelo princípio constitucional do contraditório, enseja ao juiz o poder-dever de ouvir as partes sobre todos os pontos do processo, incluídos os que possivelmente poderão ser decididos por ele seja a requerimento da parte ou do interessado ex officio.

Não diferente, a sentença como fruto do processo interpretativo/aplicação do direito deve ser dimensionada a partir das manifestações das partes e fundamentada dentro da moldura delineada no debate processual deste modo, salvo as exceções externadas anteriormente, sem a incidência de surpresas[13]. Trata-se da proibição da sentença de terceira via.

A título de ilustração, colaciona-se, recente, julgado do STJ português analisando os princípios em voga ao interpretá-los sob o prisma do Novo Código de Processo Civil Português (2013), a saber:

Os princípios do contraditório e da igualdade de armas são reflexos do princípio geral da igualdade das partes, através dos quais o legislador procurou garantir às partes idênticos meios e oportunidades, na defesa dos seus interesses, facultando a sua audição no processo antes de proferida qualquer decisão –salvo em caso de manifesta desnecessidade, quer para contraditarem qualquer alegação da parte contrária, quer para obstar a decisões-surpresa. II – Está vedado ao STJ pronunciar-se sobre o juízo fáctico do Tribunal da Relação, salvo em caso de ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. III – O legislador ampliou o âmbito de aplicação da renovação dos meios de prova e transformou o que constituía uma faculdade, conferida aos juízes da Relação, num dever, impondo a obrigatoriedade de renovação dos meios de prova sempre que se verifiquem dois pressupostos: (i) existência de dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente; (ii) existência de dúvidas sérias sobre o sentido do seu depoimento. IV -Do acórdão recorrido não transparece que, na apreciação da impugnação da decisão fáctica, se tivesse suscitado qualquer dúvida acerca da credibilidade ou sentido do depoimento da testemunha N, razão pela qual não se verificam os pressupostos necessários à renovação de prova, constantes do art. 662.º, n.º 2, al. a), do NCPC (2013).V -Mesmo que nem sempre as provas permitam alcançar a verdade material, não pode, porém, o tribunal abster-se de julgar com fundamento na dúvida insanável, pelo que – em situação de dúvida insuperável – é necessário fazer intervir as regras da repartição do ónus da prova. 08.01.2015. Revista n.º 780/11.8TVLSB.L1.S1 7.ª Secção Fernanda Isabel Pereira (Relatora) Pires da Rosa Maria dos Prazeres Beleza. Grifo nosso.

Não obstante, e como já mencionado nas linhas supra, tal regra comporta exceções postergando o contraditório como se observa na concessão de tutela provisória de urgência; tutela de evidência concedida porque, além da evidência, as alegações de fato feitas pelo autor possam ser demostradas apenas por documentos e haja tese firmada nos julgamentos de recursos repetitivos; em súmula vinculante; ou mesmo tratar-se de pedido reipersecutório fundado em prova documental[14].

Do mesmo modo, a doutrina[15], igualmente calcada no posicionamento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça[16], aponta para as exceções lastreadas no princípio do iura novit curia (o juiz conhece o direito) no que tange às questões de direito, nunca nos fatos cuja prova deve ser realizada atendendo o ônus de cada parte.

Se o contraditório significa direito de influir (arts. 7º, 9º e 10 todos do novo CPC), é pouco mais que evidente ter como contrapartida o dever de debate, consulta, de diálogo, de consideração[17].

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça entrelaçou o princípio em análise à boa fé objetiva, mesmo, no atual sistema processual civil, confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. TEMPESTIVIDADE DA APELAÇÃO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. HOMOLOGAÇÃO ANTES DE SER PUBLICADA A DECISÃO RECORRIDA.IMPOSSIBILIDADE DA PRÁTICA DE ATO ENQUANTO PARALISADA A MARCHA PROCESSUAL.

HIPÓTESE QUE NÃO SE CONFUNDE COM A ALEGADA MODIFICAÇÃO DE PRAZO PEREMPTÓRIO. BOA-FÉ DO JURISDICIONADO. SEGURANÇA JURÍDICA E DEVIDO PROCESSO LEGAL.

NEMO POTEST VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM.1. O objeto do presente recurso é o juízo negativo de admissibilidade da Apelação proferido pelo Tribunal de Justiça, que admitiu o início da contagem de prazo recursal de decisão publicada enquanto o processo se encontra suspenso, por expressa homologação do juízo de 1° grau.2.

Cuida-se, na origem, de Ação Declaratória ajuizada pela recorrente contra o Município de Porto Alegre, tendo como objetivo a declaração de nulidade de processo administrativo que culminou na aplicação de penalidades pela instalação irregular de duas Estações Rádio Base (ERBs) naquela municipalidade.3.

O Tribunal a quo não conheceu da Apelação da ora recorrente, porquanto concluiu que se trata de recurso intempestivo, sob o fundamento de que a suspensão do processo teria provocado indevida modificação de prazo recursal peremptório.4.

Com base nos fatos delineados no acórdão recorrido, tem-se que: a) após a interposição dos Embargos de Declaração contra a sentença de mérito, as partes convencionaram a suspensão do processo pelo prazo de 90 (noventa) dias; b) o juízo de 1° grau homologou a convenção em 12.9.2007 (fl. 343, e-STJ); c) posteriormente, em 2.10.2007, foi publicada a sentença dos aclaratórios; d) a Apelação foi interposta em 7.1.2008.5.

Antes mesmo de publicada a sentença contra a qual foi interposta a Apelação, o juízo de 1° grau já havia homologado requerimento de suspensão do processo pelo prazo de 90 (noventa) dias, situação em que se encontrava o feito naquele momento, conforme autorizado pelo art. 265, II, § 3°, do CPC.6. Não se trata, portanto, de indevida alteração de prazo peremptório (art. 182 do CPC).

A convenção não teve como objeto o prazo para a interposição da Apelação, tampouco este já se encontrava em curso quando requerida e homologada a suspensão do processo.7.

Nessa situação, o art. 266 do CPC veda a prática de qualquer ato processual, com a ressalva dos urgentes a fim de evitar dano irreparável.

A lei processual não permite, desse modo, que seja publicada decisão durante a suspensão do feito, não se podendo cogitar, por conseguinte, do início da contagem do prazo recursal enquanto paralisada a marca do processo.8.

É imperiosa a proteção da boa-fé objetiva das partes da relação jurídico-processual, em atenção aos princípios da segurança jurídica, do devido processo legal e seus corolários – princípios da confiança e da não surpresa – valores muito caros ao nosso ordenamento jurídico.9.

Ao homologar a convenção pela suspensão do processo, o Poder Judiciário criou nos jurisdicionados a legítima expectativa de que o processo só voltaria a tramitar após o termo final do prazo convencionado.

Por óbvio, não se pode admitir que, logo em seguida, seja praticado ato processual de ofício – publicação de decisão – e, ademais, considerá-lo como termo inicial do prazo recursal.10.

Está caracterizada a prática de atos contraditórios justamente pelo sujeito da relação processual responsável por conduzir o procedimento com vistas à concretização do princípio do devido processo legal.

Assim agindo, o Poder Judiciário feriu a máxima nemo potest venire contra factum proprium, reconhecidamente aplicável no âmbito processual. Precedentes do STJ.11.

Recurso Especial provido.(REsp 1306463/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe 11/09/2012) – grifo nosso.

Em suma, atrelados aos princípios da confiança, contraditório substancial e segurança jurídica tão caros ao sistema de garantias do direito processual/constitucional pátrio, salvo nas hipóteses, dentre outras, mencionadas no presente texto, é vedado ao magistrado prolatar decisões surpresa (leia-se em seu sentido lato sensu) tudo como corolário a colaboração e diálogo processual vetores estes do neoprocessualismo, como já mencionados no artigo anterior.

(1) Nos contornos estabelecidos por ROBERTO ALEXY (in Constitucionalismo Discursivo. Livraria do Advogado. p. 123) os Princípios são, segundo isso, mandamentos de otimização, assim caracterizados pelo fato de a medida ordenada de seu cumprimento depender não só das possibilidades fáticas, mas também das jurídicas.

A propósito, foram nominadas pelo legislador como normas fundamentais aquelas presentes no capítulo I do Livro I do novo Código de Processo Civil.

(2) O primeiro artigo versou acerca do novo código de processo civil – NEOPROCESSUALISMO E princípios correlatos. Resultado útil e processo jurídico justo.

(3) Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I – à tutela provisória de urgência; II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;III – à decisão prevista no art. 701.

(4) Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

(5) Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

(6) NERY JR. Nelson Nery. Código de Processo Civil Comentado. Ed. RT. 2015. Pag. 213.

(7) Art. 16 do Código de Processo Civil Frances que traduzido sua ideia a hipótese de que o juiz deve , em todas as circunstancias, fazer observar e observar ele mesmo o princípio do contraditório.

(8) Tais preceitos foram, igualmente, preconizados no novo Código de Processo Civil Português em seu Artigo 3.º Intervenção oficiosa do juiz No decurso do primeiro ano subsequente à entrada em vigor da presente lei: a) O juiz corrige ou convida a parte a corrigir o erro sobre o regime legal aplicável por força da aplicação das normas transitórias previstas na presente lei; b) Quando da leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais resulte que a parte age em erro sobre o conteúdo do regime processual aplicável, podendo vir a praticar ato não admissível ou omitir ato que seja devido, deve o juiz, quando aquela prática ou omissão ainda sejam evitáveis, promover a superação do equívoco.

(9) Colacionado na reforma de 2002 no § 182 a.

(10) Nestes termos festeja a doutrina de Humberto Theodoro Júnior e outros in Fundamentos e Sistematização do novo CPC. Ed. Forense. 2015

(11) Art. 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.

(12) Op. Cit. Pag. 215.

(13) Nos termos preconizados por Luiz Guilherme Marinoni in Curso de Processo Civil. Vol. 1. 2015. Editora RT. Pag. 444.

(14) ALVIM WAMBIER. Tereza Arruda. Primeiros Comentários ao novo Código de Processo Civil artigo por artigo. Editora RT. 2015. Pag. 66-67

(15) Nelson Nery Júnior Op cit. pag. 216-217.

(16) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO COMPLEMENTAR. REVISÃO DE RENDA MENSAL INICIAL. PRESCRIÇÃO. RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. 1.

Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.2.

Não há falar em julgamento extra petita quando o órgão julgador não afronta os limites objetivos da pretensão inicial, tampouco concede providência jurisdicional diversa da requerida, respeitando o princípio da congruência.

Ademais, os pedidos formulados devem ser examinados a partir de uma interpretação lógico-sistemática, não podendo o magistrado se esquivar da análise ampla e detida da relação jurídica posta, mesmo porque a obrigatória adstrição do julgador ao pedido expressamente formulado pelo autor pode ser mitigada em observância aos brocardos da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito).

(AgRg no REsp 1385134/RN, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/03/2015, DJe 31/03/2015)

(17) MARINONI. Luiz Guilherme. Op. Cit. Pag. 445.

(Fernando Augusto Chacha de Rezende) é juiz de Direito em Goiás. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) e em Direito Público e das Relações Sociais pela Escola da Magistratura – MS/UCDB.

(Revista Consultor Jurídico)

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