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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Guaicurus duplicada: a luta como movimento, por Franz Mendes e Jones Dari

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12/12/2014 08h14 – Atualizado em 12/12/2014 08h14

Franz Mendes e Jones Dari Goettert

Indignação, mobilização e reivindicação: três etapas de um movimento que teve origem em inúmeras tragédias na estrada entre a cidade de Dourados e os campus universitários da UFGD e da UEMS. Corpos no chão e veículos destroçados apontavam a necessária mobilização para fazer parar a morte e fazer movimentar a vida. Das inúmeras mobilizações de paralisação do tráfego a este momento, de inauguração da duplicação, o movimento foi e é a constituição política, social, econômica e cultural pelo direito à mobilidade, mas, fundamentalmente, pela luta de evitar mais luto, pelo direito à re-existência digna, de qualidade e segura.

Como movimento político, a indignação redundou na organização das comunidades universitárias e das proximidades da estrada. Associações, sindicatos e outras entidades representativas fizeram a luta pela melhoria da mobilidade como projeto de existência nos últimos anos. Demonstrou-se, a cada novo passo, que a política transcende a dimensão partidária e habita a vida em sua inteireza; mais que a “arte da negociação”, a política foi se fazendo como a “arte popular na luta por direitos”. O poder só “emana do povo” quando este povo se dispõe a fazer da política elemento de sua constituição, pois, sem ela, o Estado permanece refém de seus próprios atos. Política e luta: o duo necessário para fazer avançar as conquistas populares.

Socialmente, o movimento de luta da duplicação da Avenida Guaicurus aproximou sujeitos que, a princípio, apenas se cruzavam esporadicamente: gentes de universidades com gentes de comunidades, sitiocas e espaços do interstício entre o urbano e o rural. Todas elas, no entanto, eram vítimas – diretas ou indiretas – de uma estrada que, na sua estreiteza, também estreitava vidas e possibilidades melhores de mobilidade. Por exemplo, foram inúmeros os “encontros” trágicos entre não-indígenas e indígenas: estes, historicamente em condições de existência mais precárias e trágicas, também eram vitimadas com mais frequência em suas bicicletas e carroças. Sobretudo, o movimento foi demonstrando que as inadequações de um caminho atingiam a todas e todos, mas fundamentalmente acabava por vitimar sujeitos e grupos mais frágeis social e economicamente.

A dimensão econômica também era e será sempre impactada a depender das condições de mobilidade, seja para pessoas, seja para produtos ou mercadorias. Custos, prejuízos e despesas, em sociedades com economias altamente interdependentes, são sempre “socializados” coletivamente. Ou seja, no “fim das contas”, todos pagam! Neste processo, recursos privados e públicos, em condições de mobilidade precárias, são dispendidos não para a produção, distribuição e consumo, mas no “meio do caminho” porque forças privadas e públicas descuidam de condições de qualidade de ruas, caminhos, estradas e infraestrutura correspondente. Com a duplicação, espera-se que a manutenção seja contínua, contribuindo para o aprofundamento do bem-estar dos que passam e dos que vivem em suas proximidades, alavancando, igualmente, processos de desenvolvimento econômico.

Culturalmente, a duplicação da Guaicurus reafirma a necessidade de “inversão” contínua em nossas práticas cotidianas e no imaginário: não há governo e nem Estado que “dá”, ao contrário, é preciso compreender que os direitos são conquistas que se dão pelo movimento incessante e contínuo de sujeitos, entidades e comunidades. O Estado apenas se move na direção dos direitos quando os sujeitos da falta de direitos se organizam em processos de mobilização. A imagem de Estado como “aquele que faz porque pode” foi suplantada, na luta pela duplicação da Guaicurus, pela imagem – e ação – dos cidadãos como “aqueles que fazem porque precisam fazer”, como condição para a re-existência enquanto sujeitos de direitos. Foi o movimento de organização e de reivindicação que duplicou a Guaicurus. Constitui uma vitória da cidadania a não vontade espontânea de governos, mas o sentir-se mobilizado a agir a partir dos movimentos.

Sobretudo, junto às dimensões política, social, econômica e cultural, a luta pela duplicação da Guaicurus apresenta uma dimensão que podemos definir como “transescalar”. A região da Grande Dourados se localiza no centro da América do Sul; sua posição locacional coloca o município com grande potencial de desenvolvimento amplo, econômico, tecnológico e de segurança (a concentração de universidades e a implantação do sistema de vigilância da fronteira são fundamentos dessa potência). No entanto, o desenvolvimento econômico e tecnológico deve estar associado à inclusão radical de toda população. A inclusão – como à possibilitada pela melhoria das condições de mobilidade –, entretanto, deve ser buscada pela própria população, em ações e movimentos de indignação, mobilização e reivindicação, como demonstrou a luta coletiva pela duplicação da Guaicurus.

Que as indignações, mobilizações e reivindicações persistem, como persistirá a nossa existência.

Franz Mendes
Presidente da ASSUFGD – Associação dos Servidores da UFGD

Jones Dari Goettert
Presidente da AdufDourados – Sindicato dos Professores da UFGD

Avenida Guaicurus duplicadaFoto: Franz Mendes

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