15 C
Dourados
sábado, 20 de abril de 2024

Minha viola e palmas no céu – por Rozembergue Marques

- Publicidade -

20/12/2014 07h52

Minha viola e palmas no céu

Rozembergue Marques*

Neste ano em que nossa cidade completa 79 anos vou falar um pouco sobre Izidro Assunção, um dos músicos mais completos que conheci. Tio Izidro era casado com a professora Edelmira, irmã da minha mãe, Nair. Talvez por conta do parentesco, foi dele que recebi o maior incentivo para me tornar violeiro. Incentivo prático. Quase todas as tardes, ainda que tivesse vários compromissos com o jornalismo (outra paixão que surgiu quase que simultaneamente com a paixão por esse instrumento primitivo que é a viola de 10 cordas) eu arranjava um tempinho para passar na barbearia que ele mantinha na Vila Matos.

Quando eu chegava, se não houvesse nenhum cliente, lá estava meu tio, sentado em uma cadeira de fio e sempre tocando. Às vezes solitário. Quase sempre rodeado por músicos de todas as idades, tanto os que o acompanhavam nos bailes nas fazendas da região como os “curiosos” como eu, que ficavam fascinados com a desenvoltura com que ele tocava sanfona, violão, contrabaixo, bandolim…tocava tudo, enquanto rodava o tereré. Após me dar a benção (que fazia questão de fazer da forma certa, apertando as duas mãos juntas, mesmo quando estava com uma tesoura ou uma navalha no desempenho do ofício) tio Izidro abria a porta de uma das peças do pequeno salão de madeira onde guardava seus instrumentos e praticamente me “intimava”: “pega a viola aí”.

Tenho muito claro o dia em que tive o “start” para o tipo de instrumento e para o estilo musical que iria me acompanhar pela vida inteira. Foi em 1981, quando ouvi a música “Doma”, que dá título ao primeiro LP (o “bolachão”.) lançado pelo nosso Almir Sater. Tinha 17 anos. Eu já havia ouvido muita viola junto com meu pai: Tião Carreiro, Tonico e Tinoco e tantos outros da “música de raiz”.

Mas foi ao ouvir “Doma”, uma música instrumental incidental só com a viola do Almir e o violino do Zé Gomes (já falecido) que, como já disse, optei pela música instrumental. Juntei as influências das musicas ouvidas com meu pai à influência de mestres da viola instrumental como Renato Andrade e, claro, do Almir e ouvi muito, mas muito mesmo, o som desse pessoal. Não aquele tocado nas rádios (as chamadas “músicas de trabalho”), mas o que não faz parte do cardápio da indústria fonográfica, que tomou um duro e belo golpe com o advento da internet. Em sites como o Palco MP3 hoje se ouve música independente de qualidade, sem depender do gosto às vezes duvidoso dos DJs das emissoras, que são forçados, em busca de audiência, a teclar o play para a linguagem musical do momento.

De posse de todas essas influências e com um sonho na cabeça, precisava partir para a prática. Sem saber bulhufas a diferença entre Lá e Sol, comprei minha primeira viola, em 1987. A primeira afinada no instrumento foi quase surreal: encontrei na rua um grande amigo músico e com muita calma, os dois em pé, entre o barulho dos carros, ele me explicou: aperta as cordas de cima e afina as de baixo, em sequencia. Desde então, sempre tive uma viola por perto. No período em que morei em São Paulo cheguei a entrar para a universidade de música, mas assim como fui radical ao optar pela música instrumental radicalizei também neste ponto. Decidi “decifrar” a viola e tocar com a alma, sem cartilhas.

Como alma cada um tem uma, o jeito foi escrever nas cordas, compondo minhas músicas, que fundem o acústico com o eletrônico, o urbano com o rural. Algumas músicas vem “prontas”, como um presente divino. Outras, também presentes divinos, demoro dias, meses e até anos para “chegar” à concretização dos sentimentos e intenções que as inspiraram. O Tião Carreiro tinha uma boa definição para música:

“Existem dois tipos de música: a boa e a ruim”. Tento fazer a música boa e fico muito feliz quando consigo passar ao público o sentimento embutido nas minhas canções. Não coloco guizo de cascavel na minha viola nem fiz pacto com o capeta, lendas que circulam sobre os bons violeiros. Minha única “superstição” é ouvir a minha mãe antes de comprar minhas violas. Escolhemos juntos. As vezes, mesmo com a grana na mão, faço questão que ela compre. Dona Nair me dá sorte.

Aproveitei o espaço cedido nesta edição especial de O Progresso em homenagem aos 79 anos da cidade frondosa em que vivemos para homenagear o meu tio, que sem dúvidas faz parte da história de Dourados. Falei também sobre minha carreira e sobre a minha música. Tio Izidro, lá do céu, deve estar batendo palmas e feliz com o resultado daquelas tardes de viola e tereré.

*Músico e jornalista

Minha viola e palmas no céu - por Rozembergue Marques

Veja também

- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade -
- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade-
Verified by MonsterInsights