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segunda-feira, 15 de abril de 2024

“O mundo ervateiro sul-mato-grossense: algumas notas”

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20/12/2017 06h34 – Por: Paulo Roberto Cimó Queiroz*

O extremo sul do atual Mato Grosso do Sul, incluindo Dourados, fazia parte da região onde era nativa a árvore da erva-mate (Ilexparaguayensis). Hoje em dia poucos se lembram disso, mas em épocas passadas a economia do mate foi muito importante, não só para esta nossa região (cujo polo era Ponta Porã, a Princesinha dos Ervais) mas para todo o antigo estado de Mato Grosso.

O hábito de usar as folhas de mate em uma bebida passou dos antigos habitantes, sobretudo os Guarani, para os conquistadores europeus e seus descendentes. Nossos ervais espalhavam-se, de forma esparsa, por mais de 5 milhões de hectares, que correspondiam a terras devolutas. A erva passava apenas por um primeiro beneficiamento (o “cancheamento”) e era exportada quase que exclusivamente para a Argentina.

Quando se fala em mundo ervateiro sul-mato-grossense, normalmente nos vem à memória a célebre Companhia Mate Laranjeira, cujas origens remontam ao empreendimento fundado no início da década de 1880 por Tomás Laranjeira.

Graças a suas relações com os dirigentes de Mato Grosso, Laranjeira foi ampliando a área de suas concessões até que se tornou, em 1890, praticamente o único autorizado a explorar os milhões de hectares onde se situavam os ervais.

A Companhia Mate Laranjeira (CML) foi fundada em 1891, e com ela ingressou na exploração ervateira sul-mato-grossense a família Murtinho (Joaquim e seus irmãos). Essa empresa passou depois por muitas transformações, das quais talvez a mais importante tenha sido a entrada, em 1903, da família Mendes Gonçalves.

A CML realizou grandes investimentos em portos fluviais, estradas carreteiras, veículos de transporte (terrestres e fluviais), centros operacionais (Porto Murtinho e Campanário, no atual MS, e Guaíra, no Paraná) e até mesmo duas pequenas ferrovias.Para fazer funcionar todo esse aparato, chegou a mobilizar milhares de trabalhadores.

A maioria era constituída pelos mineros, encarregados da coleta da erva, no interior das matas – contingente esse formado por indígenas e principalmente por paraguaios. Segundo os relatos disponíveis, o trabalho dos mineros era extremamente penoso e desenvolvido em condições análogas à escravidão.

Entretanto, a despeito da enorme relevância alcançada pela CML, o universo ervateiro sul-mato-grossense não se reduziu a ela.

Desde a primeira metade do século XIX, o então Sul de Mato Grosso, já habitado por numerosos povos indígenas, vinha recebendo também outrospovoadores, vindos das regiões vizinhas (MG, SP, região de Cuiabá e, já no final do século, o RS). Surgiram então conflitos entre a empresa, que não queria “intrusos” na área de sua concessão, e os novos povoadores, que lutavam pelo direito de se estabelecerem nas terras que, afinal, eram consideradas públicas.

Parte da elite dirigente mato-grossense apoiou os migrantes, de modo que já em 1915 o monopólio da empresa foi quebrado. É certo que os deputados evitaram “bater de frente” com o poder da empresa, cuja concessão foi mantida (ainda que em uma área bastante reduzida); mas o fato é que a lei garantiu, aos milhares de posseiros estabelecidos na região dos ervais, a “preferência para aquisição” dos respectivos terrenos.

A CML continuou a ser pressionada durante a Era Vargas, que desejava favorecer o assentamento de colonos brasileiros nesta problemática região fronteiriça. Tais pressões, e mais a desfavorável conjuntura do mercado externo (a Argentina estava tornando-se autossuficiente na produção ervateira), levaram a empresa a uma progressiva retirada desse ramo.

Entretanto, enquanto declinava a presença da CML, crescia a importância dos outros produtores, surgidos após a lei de 1915. Eles se organizaram, formando uma Federação que congregava 4 cooperativas (Ponta Porã, Dourados, Amambai e Iguatemi), criaram rotas alternativas de exportação e dominaram o mercado ervateiro da região até 1965, quando a Argentina suspendeu definitivamente suas importações.

Enfim, também esses produtores deixaram suas marcas, embora menos conhecidas. Em Dourados existe ainda o armazém da antiga cooperativa, na esquina das ruas Presidente Vargas e Major Capilé (atualmente ocupado por um restaurante), e em Ponta Porã subsiste o imponente prédio da Matex, a grande indústria de mate solúvel implantada pela Federação no início da década de 1960. Como se vê, a história do nosso mundo ervateiro é mais complexa do que pode parecer.

*Professor doutor, titular de História – UFGD

Professor doutor Paulo Cimó

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