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terça-feira, 23 de abril de 2024

Cientista aposta em insetos como alimentos do futuro: ricas fontes de proteínas

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Na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), pesquisadoras já desenvolvem barrinhas alimentícias feitas com insetos e garantem: é muito bom!

06/10/2017 07h22 – Por: Maria Lucia Tolouei

A população da Terra deve dobrar até o ano de 2050 e a pergunta é “haverá alimento para mais de 9 bilhões de pessoas?”. Pesquisa desenvolvida pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) aponta que a superpopulação acarretará menor disponibilidade de alimentos e maior demanda de proteína animal.

Na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), pesquisadoras já desenvolvem barrinhas alimentícias feitas com insetos e garantem: é muito bom! “Alimento do futuro!”.

A cultura de levar insetos para a mesa não é nova. Eles fazem parte do cardápio de quase dois bilhões de pessoas ao redor do mundo e, para certos países, têm preponderante papel na alimentação

A entomofagia – consumo de insetos por seres humanos – hoje é a “menina dos olhos” dos chefs de cozinha e da indústria de alimentos, que já investe pesado neste nicho de mercado. A pesquisa de doutorado da bióloga Ariana Vieira Alves inclui larvas de tenébrios que possuem 50% de proteína e do bicho da bocaiuva, com 33%. A carne bovina tem em média 30%, diz.

Segundo a doutoranda, estudos provam que a qualidade proteica dos insetos são muito semelhantes a do boi. Mas a aversão dos consumidores continua sendo uma das maiores barreiras para a adoção dos insetos como fonte viável de proteína em muitos países ocidentais.

Ariana Vieira Alves é bióloga e doutoranda em Ciência e Tecnologia Ambiental na UFGD. Em 2016. publicou dois artigos em periódico internacional da Qualis. Os artigos são resultado da dissertação de mestrado defendida pela estudante em 2015, sob orientação da professora doutora Eliana Janet Sanjinez Argandoña, docente no curso de Engenharia de Alimento e líder do Grupo de Estudos em Produtos e Processos Agroindustrias do Cerrado (GEPPAC). Confira a entrevista.

Mas, afinal, por que insetos?

A ideia de trabalhar com esse tema ganhou força em 2013 com a publicação de um relatório pela FAO incentivando a produção e o consumo de insetos como alimento. Espera-se um aumento populacional para nove bilhões de pessoas até o ano de 2050, isso equivale a duas vezes a população atual da Terra. Isso acarretará menor disponibilidade de alimentos e maior demanda de proteína animal. “Uma das maneiras existentes para se resolver o problema de segurança alimentar é a criação de insetos”, afirma a ONU. Segundo a organização, além de deliciosos os insetos – lagartas, borboletas, formigas, gafanhotos, vespas e mariposas – são abundantes, nutritivos e a produção deles é de baixo custo.

Qual é a população estimada de adeptor da entomofagia?

Os insetos fazem parte do cardápio de aproximadamente dois bilhões de pessoas em muitos países ao redor do mundo. Eles têm desempenhado um importante papel na alimentação humana ao longo da história, principalmente na África, Ásia e América Latina. Contudo, apenas recentemente a entomofagia tem atraído a atenção da mídia, pesquisadores, chefes de cozinha e outros membros da indústria de alimentos.

Quais são as espécies de insetos comestíveis e sua função nutricional?

Atualmente, são catalogadas mais de 2000 espécies de insetos comestíveis ao redor do mundo. Contudo, esse número continua a crescer à medida que aparecem novos resultados de pesquisas sobre o assunto. Estudos indicam que os grupos de insetos mais consumidos são os besouros (coleópteros) (31%), as lagartas de mariposas ou borboletas (lepidópteros) (18%) e abelhas, vespas e formigas (himenópteros) (14%). Estes, seguidos de gafanhotos, esperanças e grilos (ortóptera) (13%), cigarras, cigarrinhas, cochonilhas e percevejos (hemípteros) (10%).
A pesquisa da doutorado envolve larvas de besouros, tenébrio e bicho da bocaiuva. As larvas de tenébrios possuem 50% de proteína e as do bicho da bocaiuva, 33%, enquanto a carne bovina apresenta em média 30%. E ainda, estudos provam que a qualidade protéica dos insetos são muito semelhantes a do boi. Muitas pessoas já comeram sem ao menos saber que estava lá. No México é muito comum o consumo de chapulines, também besouros.

Já existe investimento industrial neste setor?

Já temos no Brasil algumas empresas registradas especializadas na produção e comércio de insetos comestíveis, como a Nutrinsecta em Betim/MG, a Repteis Brasil em Valinhos/SP e a VidaProteina em Neropolis/GO. Na França, existe a Ynsect; nos Estados Unidos, a Enviroflight; na Holanda, a Protix. Na África do Sul, um empresário está criando uma grande “fazenda de moscas”, que pretende produzir sete toneladas de “MagMeals” – refeições a base de “maggots” (larvas de mosca).

Em muitos países da Ásia e Oriente, insetos na nutrição é usual. No Brasil, tem consumidor?

No Brasil, há registro de mais de 130 tipos de insetos comestíveis, o mais comum – e ainda bastante raro – é o consumo de formigas. A maioria é coletada diretamente da natureza, como é o caso das formigas maniuaras que são capturadas direto dos formigueiros. Aqui no Brasil, as pesquisas relacionadas a Entomofagia Humana vêm evoluindo de forma significativa, com estudos como os do professor doutor Eraldo Medeiros Costa-Neto da UEFS sobre a importância dessa riquíssima biodiversidade na alimentação e na cultura de populações ao redor do mundo. Destaca-se também o consultor em Insetos Comestíveis, Gilberto Schickler, é responsável técnico pela Vida Proteina e dá aulas na internet sobre criação de grilos. Em nosso estado também tem pesquisadores do IFMS/Coxim trabalhando com entomofagia. No entanto, o uso de insetos na alimentação humana ainda não é regulamentado pelo Ministério da Agricultura brasileiro. Por isso, não há produção comercial.

Como sua pesquisa de doutorado contribui para a entomofagia?

“Nós desenvolvemos estudos sobre entomofagia desde 2013. Os resultados científicos mostraram que os insetos apresentam alto teor de proteínas com presença de aminoácidos essenciais, melhores ou maiores que alimentos como carne bovina e soja. Além disso o conteúdo de gorduras apresenta ácidos graxos da família ômega 3 e 6, benéficos para a saúde humana. De início, realizamos pesquisas sobre a composição nutricional de larvas de besouros e também aplicamos questionários. Atualmente, trabalhamos visando estabelecer bases científicas e tecnológicas para elaboração e viabilização de barras alimentícias e outros produtos alimentícios de alto valor protéico com adição de larvas de tenébrio. .Estamos também aplicando questionários para avaliar a percepção do consumidor frente à possibilidade de consumir insetos. A professora doutora Eliana Argandoña reforça que o desenvolvimento desse projeto abriu uma área muito interessante para o grupo de pesquisa GEPPAC, do ponto de vista nutricional e nutracêutico, relacionada à entomofagia.

Quais resultados elenca como mais importantes?

Nós publicamos dois estudos, um sobre a composição nutricional de larvas de tenébrio alimentadas com frutos de bocaiuva e outro sobre larvas encontradas no cocoquinho da bocaiuva. Os resultados mostram que essas larvas são ótimas fontes de proteínas e de lipídios em comparação com as carnes convencionais. As larvas de tenébrios, por exemplo, possuem 50% de proteína, enquanto a carne bovina apresenta em média apenas 30%. Ou seja, é um nicho em potencial para a obtenção de produtos destinados a esportistas ou a pessoas que necessitem de suplementação proteica. E ainda, estudos provam que a qualidade protéica de ambos são muito semelhantes. A outra vantagem encontrada é que os insetos foram capazes de agregar características nutritivas dos frutos. As larvas agregaram a riqueza de gorduras saudáveis que os frutos de bocaiuva possuem. Sendo assim, nosso trabalho é pioneiro em unir a entomofagia com estudos sobre frutos do Cerrado sul-matogrossense. Além de propor o uso desses frutos como dietas alternativas para a criação de insetos, valorizando assim nossa região e contribuindo para a preservação da bocaiuva, que é uma palmeira nativa.

Há risco no consumo de insetos? Por quê?

Sim, existem alguns aspectos que devem ser alertados. Pessoas alérgicas a crustáceos (camarão) devem evitar o consumo insetos, pois possivelmente serão alérgicas a eles também. Não existem casos conhecidos de transmissão de doenças para humanos ocasionados pela ingestão de insetos (desde que sejam criados e manipulados sob as mesmas condições sanitárias de qualquer outro alimento). Comparados com mamíferos e aves, os insetos oferecem menos risco na transmissão de infecções zoonóticas a humanos, no entanto mais pesquisas são requeridas neste tópico. Os estudos realizados durante meu doutorado envolveram análises de toxicidade das larvas em ratos. Ambas as espécies estudadas não apresentaram toxicidade.

Quais são as sugestões de receitas com insetos? São agradáveis ao paladar?

As possibilidades de uso dos insetos são ilimitadas. Podem ser elaboradas paçocas, bolos, biscoitos, barras alimentícias, snacks, patês, etc. Uma receita que faz muito sucesso em nosso laboratório é a de larvas de tenébrios fritas em azeite e temperadas com sal. O resultado é um petisco crocante e saboroso, lembra muito o gosto de amendoim salgado. É ótimo para acompanhar um happy hour, fica a dica!

Há vantagens para a saúde e a economia?

Segundo a ONU os insetos são fontes de nutrientes e proteínas de alta qualidade se comparado à carne bovina e ao pescado. Insetos são particularmente importantes como suplemento alimentar para crianças que sofrem de má nutrição, pois a maioria das espécies tem alto teor de ácidos graxos insaturados (comparáveis ao pescado) benéficos à saúde humana. Também são ricos em fibras e micronutrientes como cobre, ferro, magnésio, manganês, fósforo, selênio e zinco. Os insetos também são considerados animais de baixíssimo risco em relação a zoonoses (doenças transmitidas de animais para humanos) como o vírus H1N1 (gripe aviária) e o mal da vaca louca.
Falando de independência e soberania alimentar, ou seja, “o direito de cada nação a manter e desenvolver os seus alimentos, tendo em conta a diversidade cultural e produtiva”, assim como as plantas alimentícias não convencionais (PANC), os insetos comestíveis também são uma alternativa de alimento e renda para muitas comunidades. Pesquisas sugerem que os insetos podem oferecer uma alternativa sustentável e de baixo custo quando levado em conta os custos de coleta, produção e transporte, além de gastos e uso de água potável, emissão de gases de efeito estufa e consumo de combustíveis fósseis se comparados aos custos da produção convencional de alimentos.

Como lidar com possível rejeição a esta proposta?

Apesar de desafiador, a introdução de novos itens alimentares na dieta humana não é novidade. Ou seja, impressões negativas sobre certos alimentos podem ser reconsideradas. Por exemplo, há alguns anos atrás o sashimi (carne crua de peixe) era visto com maus olhos por grande parte da população brasileira, e hoje encontramos restaurantes orientais por toda parte. Se paramos para pensar, parece bastante ilógico que a ingestão de camarão (que se alimentam de material em decomposição) seja considerada normal, enquanto o consumo de insetos (também invertebrados e artrópodes, em sua maioria exclusivamente herbívoros) seja visto com preconceito. Sendo assim, a versão que temos por coisas novas é puramente cultural. Uma alternativa para a popularização do consumo de insetos seria utilizar farinha de inseto, de forma que sua presença passasse desapercebida – e não o animal “in natura”.

Há muita resistência?

A aversão dos consumidores continua sendo uma das maiores barreiras para a adoção dos insetos como fonte viável de proteína em muitos países ocidentais. Mesmo assim, a história tem mostrado que os padrões alimentares podem mudar rapidamente, particularmente num mundo globalizado. A rápida aceitação de peixe cru na forma de sushi é um bom exemplo disso. A cultura da entomofagia pode ser criada onde não existe. A indústria de alimentos tem um grande papel no que se refere a elevar os insetos à categoria de alimento, seja com a criação de novas receitas e menus em restaurantes até a idealização de novos produtos alimentícios. Profissionais da indústria de alimentos, incluindo cozinheiros, estão experimentando o sabor dos insetos. Os insetos podem ser encontrados em menus de restaurantes ocidentais, porém, estes são direcionados majoritariamente aos aventureiros da culinária ao invés de consumidores em geral. A maior barreira da indústria de logística alimentar é o suprimento constante de insetos na quantidade e qualidade requerida.

Perspectivas futuras.

O desenvolvimento da barra alimentícia com adição de larvas de tenébrios já está em fase final. No entanto, o tema entomofagia tem ganhado um espaço cada vez maior em nosso grupo de pesquisa (GEPPAC). Atualmente, a professora doutora Eliana Argandoña orienta três projetos de iniciação científica, dois contemplados com bolsa CNPq, que abordam a caracterização nutricional de outras espécies de insetos comestíveis, a avaliação da aceitabilidade desses seres como alimento e o desenvolvimento de novos produtos. Enfim, é uma área muito promissora.

Ariana Vieira Alves é bióloga e doutoranda em Ciência e Tecnologia Ambiental na UFGD

Insetos comestíveis integra pesquisa da doutoranda Ariana Vieira Alves

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