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quinta-feira, 18 de abril de 2024

“É possível morrer feliz”, garante monge budista

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“É possível morrer feliz”, garante monge budista

24/11/2017 17h07 – Ana Paula Amaral

O monge budista Gen Kelsang Togden da tradição Kadampa – que nasceu em Dourados e hoje atua como professor residente em um centro de meditação na Inglaterra – fala sobre o aspecto espiritual da morte e sobre como enfrentar com leveza a própria morte ou superar a perda de um ente querido. “Temos medo do desconhecido, pois não entendemos o que virá após a morte. Temos pouca fé nos ensinamentos espirituais que explicam o que acontece após a morte, inclusive porque não nos parecem muito lógicos e claros. Com isso, temos muitas dúvidas importantes que ficam sem solução”, diz Gen Kelsang Togden.

Segundo o monge, o budismo vê a morte como parte de um ciclo, desde tempos sem princípio, de morte e renascimento sem controle. “É uma visão muito abrangente e profunda que requer estudo e contemplação por muitos anos”, diz. Ele acrescenta ainda que “para morrer em paz precisamos viver cada dia como um aprendizado, praticar o bem, procurar ter uma consciência limpa, e crescer espiritualmente”.

Togden tornou-se monge budista em 1995 e desde então já residiu em oito países e deu cursos e palestras sobre meditação e Dharma, os ensinamentos de Buda, em inúmeras cidades do mundo. Atualmente reside no norte da Inglaterra, próximo a York, onde é professor residente do Centro de Meditação Kadampa.
Nesta entrevista, o monge budista Gen Kelsang Togden responde à uma pergunta muito frequente: “É possível morrer feliz?”. Confira a seguir:

Por que a morte é um assunto delicado?

Principalmente porque vivemos em negação da morte. Como não queremos morrer e não queremos perder nossos entes queridos, evitamos falar sobre isso. É um assunto tabu – fazemos de conta que poderemos evitar a morte se não falarmos sobre ela. Como somos inteligentes, podemos reconhecer que essa seja uma postura absurda. Mas assim somos os seres humanos, muito incoerentes.

Quais são as principais dúvidas e angústias das pessoas em relação à morte?

Temos medo do desconhecido, pois não entendemos o que virá após a morte. Temos pouca fé nos ensinamentos espirituais que explicam o que acontece após a morte, inclusive porque não nos parecem muito lógicos e claros. Com isso, temos muitas dúvidas importantes que ficam sem solução. Além disso, temos muito apego por esta vida, pelo nosso corpo, nossa família, nossa casa, e principalmente nossa identidade. A morte destrói tudo isso num instante. Claro que isso gera enorme angústia e medo muito justificados.

Como o budismo vê a morte?

O budismo vê a morte como parte de um ciclo, desde tempos sem princípio, de morte e renascimento sem controle. É uma visão muito abrangente e profunda que requer estudo e contemplação por muitos anos. Não podemos esperar resolver as questões mais profundas da humanidade com teorias mal fundadas e crenças superficiais. Buda comparou a morte, estado intermediário e renascimento, com o dormir, sonhar e despertar. A diferença principal é que no momento da morte nossa mente mais sutil separa-se deste corpo de forma permanente. E seguimos para nossa próxima vida como um pássaro que deixou um ninho e vai para o próximo.

De que forma alguém pode se preparar para a própria morte?

É muito importante começar a refletir sobre a própria morte como sendo passagem crítica no nosso desenvolvimento espiritual e parte íntegra da vida. Como diz Gilberto Gil, “Se a morte faz parte da vida / e se vale a pena viver / então morrer vale a pena.” Para que consigamos ter paz na hora da morte, precisamos viver bem. O apego a esta vida e às pessoas e coisas deste mundo são o maior empecilho para morrer bem.

Para morrer em paz precisamos viver cada dia como um aprendizado, praticar o bem, procurar ter uma consciência limpa, e crescer espiritualmente. Assim nos sentiremos preparados para o que vier após a morte. Se deixarmos para lidar com isso no momento da morte, será tarde demais e morreremos com medo, angústia ou até mesmo raiva, pensando que não é justo. Podemos evitar isso e mudar nossa própria história. Mas precisamos começar agora, pois a morte pode chegar a qualquer instante.

Como ajudar alguém a morrer bem?

Não podemos ser egoístas neste momento, caindo na dor e desespero causados pela perda dessa pessoa, pois ela precisa de nosso apoio nesse momento difícil. O mais importante é ajudá-la a relaxar e sentir-se em paz. É importante dizer o que a pessoa gostaria de ouvir para poder relaxar, como alguém que ajuda um bebê a adormecer. Esse não é o momento para converter alguém para uma fé que nunca teve, pois isso poderia perturbá-lo ainda mais.

Se estiver num hospital, precisamos tomar cuidados especiais. Ninguém gosta de estar num hospital e os médicos e enfermeiros sabem que a maioria dos parentes do paciente não estão preparados para lidar com a morte. Devemos ajudar nosso ente querido a se desprender desta vida, inclusive de nós mesmos, para que não se preocupe com nada do que deixa para trás. Se tivermos algum tipo de fé, devemos rezar pela pessoa, para que consiga morrer bem e seguir seu caminho em paz.

Como lidar melhor com a morte de alguém querido?

Normalmente nosso processo de luto é muito focado na dor que sentimos pela perda da pessoa amada. Devemos tomar cuidado para não nos isolar na nossa dor e na amargura, pois estaríamos desperdiçando uma oportunidade importante de crescer espiritualmente. Todos sofrem a perda de alguém e não estamos sós no nosso sofrimento. Como tudo é impermanente neste mundo, precisamos focar na benção que foi para nós ter tido essa pessoa na nossa vida.

Cada vez que ficarmos tristes, devemos estender a mão e ajudar alguém que precisa de nós. Assim estaremos transformando nossa própria dor em algo positivo. Se a pessoa que morreu nos pudesse ver, sem dúvida gostaria de nos ver bem. Também podemos integrar em nós mesmos as boas qualidades que ela possuía, pois dessa forma ela continuará a viver através de nós. Precisamos nos dar conta de que tudo depende da nossa atitude e não dos fatos em si.

É possível morrer feliz?

Claro que sim, mas precisamos nos preparar todos os dias para isso! Precisamos aceitar nossa própria morte e ter menos apego a este mundo. Afinal de contas, este corpo não nos pertence e quando mais precisarmos dele, nos abandonará definitivamente. Não somos o nosso corpo! Ele é como um veículo emprestado por tempo indeterminado. Talvez tenhamos que deixá-lo para trás hoje, amanhã ou na semana que vem. Estamos aqui apenas de passagem!

A única coisa que verdadeiramente dá sentido à nossa vida é o aperfeiçoamento da nossa consciência, o que chamamos no budismo de “iluminação”, pois todo o resto ficará para trás e perderá o sentido. O caminho à iluminação é simples: precisamos aprender a apreciar os outros mais que a nós mesmos. Quem faz isso conscientemente na vida diária está se preparando para morrer bem. Se tivermos convicção do caminho que seguimos e integridade nas nossas ações, não há dúvida que morreremos com a mente tranquila e feliz! Este será o nosso último ato de bondade desta vida para com a nossa família e amigos. Imaginem todos dizendo: “Ele morreu feliz!”.

SERVIÇO
Madhyamaka(www.madhyamaka.org). Email: [email protected]

Monge budista Gen Kelsang Togden Foto: Marcos Ribeiro

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