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Literatura no MS para quê?, por Kleber Ferreira da Silva

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25/05/2017 14h58 – Por: Kleber Ferreira da Silva*

O currículo do Ensino Médio na rede estadual de ensino de Mato Grosso do Sul (MS) não mais apresenta a disciplina Literatura com ementa própria. Essa disciplina, doravante, cedendo espaço de duas horas-aulas semanais para outras disciplinas, deixou de ter autonomia e integrará a ementa da disciplina Língua Portuguesa. O fenômeno pode parecer pouco significativo, mas, nem o fato e nem a forma como isso aconteceu podem ser negligenciados pela sociedade civil organizada que preza por uma educação plena eemancipadora.

Aparentemente, integrar conhecimentos e saberes da Língua Portuguesa com a Literatura, tal como proposto pelo parágrafo único, art. 35 da Resolução SED nº 3.196, de 30 de janeiro de 2017,não representa prejuízo curricular para os alunos da rede pública estadual. Contudo, ao deslindarmos o que subjaz a essa proposta, é possível vislumbrarmos o alcance dessa empreitada que, num simples ato formal, a priori inquestionável, tem afetado qualitativamente a jornada de milhares de alunos e professores. Estes, possivelmente deslocados de seus locais e disciplina de ofício; aqueles, por perderem parte significativa de sua formação humanizadora.

Segundo a matéria publicada no “Dourados Agora” em 09/02/2017, o assunto sequer passou pelo crivo do Conselho Estadual de Educação. Por outro lado, ao ser convocada para “esclarecimentos”, a titular da Secretaria Estadual de Educação, em matéria publicada pelo “Campo Grande News” no dia 09/02/2017, defende que integrar Literatura à Língua Portuguesa é um procedimento utilizado em vários estados, sendo uma tendência nacional, amplamente discutida no setor (sic). Ora, a questão é complexa e exige, de fato, ampla discussão por parte daqueles que se preocupam com uma educação pública, gratuita e de qualidade. Mas, a quem interessa essa mudança?quem está disposto a discutir essa alteração curricular?

Engajados nesse debate, podemos ampliar nosso campo de visada, ou seja, exercitar a tão temida visão holística promovida pela leitura literária, inferindo que a Base Curricular Nacional Comum (a propósito, segunda versão preliminar “revista”não homologada definitivamente na época da publicação do ato em MS) tenha inspirado o governo do Mato Grosso do Sul. A iniciativa poderia ter um fluxo louvável, se amplamente discutida com as comunidades educacionais e acadêmicas, garantindo-se a participação cidadã de professores, alunos e entidades envolvidas com a educação na unidade federativa. Todavia, apressou-se por acatar uma “tendência” não definida ainda, por isso, imatura, e negligenciou-se a voz do sujeito, em tese, cerne de todo o processo educacional: o aluno.

Na verdade, sob a égide de”tendência”, no Mato Grosso do Sul, esconde-se uma política educacional voltada para as “reformas econômicas” ditadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento(BIRD) ou “Banco Mundial”. Uma vez que reduzir uma disciplina implica reduzir carga horária e, por sua vez, reduzir o quadro de servidores “excedentes” a médio e longo prazo. Será?

Por um viés mais agressivo (paradoxalmente, já nas “falas” do senso comum!) estaria o Estado intentando formar uma massa populacional ainda mais indiferente à leitura, menos crítica e inativa politicamente? Não sabemos, ainda. O que sabemos, com fundamentação histórica, é que por intermédio do uso de seus aparelhos ideológicos e repressivos muitos “gestores” podem obstruir os caminhos da democracia e do conhecimento e, numa alvorada, institucionalizar o massacre ao bem comum.

Embora, necessitados de boa qualidade no ensino, fator em que há muito a ser construído dialogicamente, torcemos para que a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), âncora dos gestores em MS, não seja um dedo das políticas neoliberais revigoradas, para conter a incipiente e modesta acessibilidade educacional nacional que os últimos anos nos proporcionaram. Essa diretriz, prometendo “favorecer a formação literária de modo a garantir a continuidade do letramento literário, iniciado na Educação Infantil”, curiosamente, suprime a disciplina fulcral para o fomento das práticas desse letramento.

Se esse feito não é arbitrário, no mínimo, ratifica a constatação empírica da renomada linguista Walkyria Monte Mór (2010, p. 221) que ao evidenciar a temática da política e planejamento linguístico no país,verifica que “professores se veem como implementadores de políticas ou aplicadores de políticas de planejamentosque não foram decididas por eles”. Esse fenômeno precisa ser questionado. Afinal, a quem interessa formar cidadãos hábeis para uma experiência estética, como diria Cândido, “humanizadora”? Para que humanizar, se a tendência é proletarizar, não é mesmo?

É preciso rever os (des)caminhos nos quais a política linguística contemporânea tem se desenvolvido. Para isso, conclamamos alunos, educadores, agentes literários, linguistas, escritores, leitores, toda a comunidade acadêmico-escolar que lida com a arte da palavra a se engajarem no debate público com vistas a garantir a participação efetiva nas decisões governamentais que implicam mudanças de tamanha envergadura. Atuando nos espaços e agências de letramento que nos legitimam, cooperando formal e intelectualmente com as instâncias de representação política,estaremos construindo uma formação de sujeitos letrados, aptos a dialogar de maneira incisiva com autonomia e poder de ação desveladoresdas intenções, dos propósitos de forças impositivas que extrapolam, desvirtuam, suprimem, enfim, relegam os interesses e demandas locais.

  • Mestre em Linguística e Transculturalidade. Doutorandoem Estudos da Linguagem. Artigo escrito para a Disciplina Políticas Educacionais, Ensino e Educação (Inicial e Continuada) de Professores de Línguas no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem//Universidade Estadual de Londrina.

Literatura no MS para quê?, por Kleber Ferreira da Silva

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