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terça-feira, 16 de abril de 2024

Nanotecnologia verde provoca revolução sustentável na agricultura

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27/08/2014 13h44

Nem sempre a solução para grandes desafios está associada a tecnologias grandes. Ou, pelo menos, não literalmente.

Num mundo invisível a olho nu, no qual partes de seres vivos, como células e fibras, entre outras, são analisadas com detalhes em uma escala de um bilionésimo de metro, ou seja, 50 mil vezes menor do que a espessura de um fio de cabelo, estão infinitas soluções para uma série de problemas que afligem a humanidade, como doenças, fome e degradação ambiental.

De forma inversamente proporcional à escala nanométrica em que atua – na qual um nanômetro é a medida padrão – a nanotecnologia é uma ciência gigantesca no que se refere à possibilidade de oferecer soluções e resultados.

Para se ter uma noção exata do universo da nanociência, um ser humano de 1,72 metros de altura possui um bilhão e 720 milhões nanômetros.

Universo nanométrico, soluções gigantescas

Fascinados pelas enormes possibilidades oferecidas por essa ciência de proporções pra lá de diminutas, um grupo de cientistas da Embrapa, universidades e instituições públicas e privadas de pesquisa decidiu se dedicar ao estudo de nanossistemas para buscar rotas e caminhos sustentáveis em prol da agricultura brasileira.

Para isso, o grupo, capitaneado pelo pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília, DF, Luciano Paulino, usa como objeto de estudo os subprodutos da agricultura, ou seja, resíduos e rejeitos da produção considerados muitas vezes sem utilidade para o setor produtivo.

Os cientistas têm encontrado nesses resíduos − cascas, pelos de animais e partes dos alimentos que não são comercializadas − caminhos e rotas sustentáveis capazes de reduzir o uso de solventes tóxicos, materiais sintéticos e outros produtos nocivos ao meio ambiente e à saúde humana e de animais.

O grupo utiliza a nanotecnologia em prol da agricultura sustentável e atua nas seguintes linhas de pesquisa:

Investigação de fibras, células, partículas e moléculas (proteínas, lipídeos, polissacarídeos, etc.) em alta resolução utilizando a microscopia de força atômica (MFA) como ferramenta de estudo;

Desenvolvimento de sensores para detecção de contaminantes e patógenos;

Desenvolvimento de sistemas de transferência de genes baseados em nanopartículas, nanocápsulas e nanotubos;

Desenvolvimento de superfícies funcionais, revestimentos comestíveis e embalagens ativas;

Desenvolvimento de sistemas nanoparticulados e lipossomais para a liberação sustentada de insumos agrícolas (fertilizantes, herbicidas, inseticidas, fungicidas) e veterinários (vacinas e fármacos);

Controle de qualidade de alimentos, bebidas, solo e água.

Para isso, conseguiram adquirir, com recursos da Capes e do CNPq, diversos equipamentos indispensáveis ao desenvolvimento das pesquisas. Entre eles, destacam-se: um microscópio de força atômica de alto desempenho e um microscópio confocal Raman.

O primeiro é o único no Distrito Federal e o terceiro em funcionamento no Brasil. Segundo Luciano, ele permite mesclar rapidez e alta resolução, gerando imagens até 100 vezes mais rapidamente do que um microscópio de força atômica comum.

Já o microscópio confocal Raman possibilita a análise da composição química do material analisado, ou seja, “os dois se complementam”, afirma o pesquisador.

“Algumas abordagens em nanotecnologia nada mais fazem do que a imitação de eventos que ocorrem na natureza em laboratório”, simplifica o pesquisador.

“Reduzimos as estruturas que queremos estudar a escalas nanométricas e, assim, podemos conhecê-las realmente”, explica Luciano.

Pela definição da National Science Foundation (NSF), a nanotecnologia “relaciona-se ao entendimento, ao controle e à exploração de materiais e sistemas cujas estruturas e componentes apresentam propriedades e fenômenos físicos, químicos e biológicos que são significativamente novos e/ou modificados devido à sua escala nanométrica (1-100 nm)”.

Mas é importante não confundir nanociência com nanotecnologia, alerta Luciano. Na nanociência, são obtidos os conhecimentos necessários acerca das nanoestruturas.

Já na nanotecnologia, são desenvolvidos produtos e processos com base nesse conhecimento adquirido e em prol de um objetivo previamente definido.

Caracterização de teias de aranhas da biodiversidade brasileira

Um exemplo concreto de aplicação da nanociência é a caracterização de fibras de teias de aranhas da biodiversidade brasileira. Há mais de 10 anos, a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UnB) e o Instituto Butantã, começou a estudar aranhas de três biomas: Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia, com o objetivo de conhecer melhor os mecanismos moleculares que conferem às teias das aranhas rigidez, força e flexibilidade.

O objetivo? Utilizar esse conhecimento em benefício de vários setores da indústria no Brasil, como têxtil, área biomédica (fios de sutura) e até mesmo o setor aeroespacial e as forças armadas, com a possibilidade de fabricação de aeronaves, paraquedas e coletes à prova de balas com materiais mais leves, resistentes e baratos.

A primeira parte da pesquisa envolveu a produção das teias nos laboratórios da Embrapa em Brasília. Na segunda, os fios obtidos foram caracterizados em escala nanométrica.

Segundo Luciano, esses estudos possibilitam oferecer novos materiais ao setor produtivo com as características desejadas por cada segmento de mercado, com base nas propriedades dos fios produzidos por aranhas, ou seja, fios com mais resistência, rigidez ou flexibilidade.

Com relação ao estudo dos fios de aranhas naturais, trata-se de nanociência e não nanotecnologia, pois não houve qualquer alteração nas fibras das teias, apenas caracterização.

“A nanotecnologia nos permite até mesmo mover átomos, que constituem a unidade fundamental da matéria encontrada nos organismos, com bem menos de um nanômetro de diâmetro”, explica Luciano.

“Podemos, por exemplo, produzir nanofertilizantes, nanossensores, ou mesmo, introduzir nas plantas nanopartículas capazes de torná-las resistentes a pragas e doenças agrícolas”, complementa.

O pesquisador aponta outra diferença importante entre conceitos: Bionanotecnologia  Nanobiotecnologia.

A primeira é baseada no estudo de materiais nanoestruturados encontrados da natureza e a segunda em objetos nanométricos produzidos pelo homem.

Como já foi dito, o grupo trabalha em prol da nanobiotecnologia para a agricultura sustentável, buscando nos subprodutos agrícolas, pecuários e aquícolas soluções sustentáveis para problemas da agricultura brasileira.

Esses subprodutos incluem: pelos, penas, carapaças, chifres e escamas, no caso de cadeias produtivas que envolvem animais, e fibras, cascas, palhas e bagaços, no caso de cadeias produtivas vegetais, entre outros.

Além da Embrapa, representada por várias Unidades – Recursos Genéticos e Biotecnologia, Pecuária Sudeste (São Carlos, SP) e Uva e Vinho (Bento Gonçalves, RS), compõem o grupo a Universidade de São Paulo (USP); Universidade Federal de Goiás (UFG); Universidade do Vale do Itajaí (Univali); Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ) e Universidade de Brasília (UnB), além de empresas públicas e privadas de pesquisa.

Por que utilizar subprodutos agropecuários? Do ponto de vista econômico, representa agregação de valor; pelo lado social, permite diversificar atividades; ambientalmente, diminui o impacto com resíduos; além de resultar em benefícios científicos e tecnológicos, com a geração de conhecimentos inovadores e desenvolvimento de produtos e processos.

Para Luciano, esses benefícios vão ao encontro de atender os preceitos da agricultura sustentável, que são: suprir as necessidades de alimentos e fibras com qualidade ambiental e utilização eficiente de recursos em prol da conservação da biodiversidade e do bem-estar animal sempre atuando de forma justa e economicamente viável.

O grupo busca, nos subprodutos, componentes que podem ser úteis ao desenvolvimento de processos sustentáveis, como por exemplo, proteínas (queratina, colágeno, fibroínas e hemoglobina); polissacarídeos (quitosana e celulose); compostos polifenólicos (flavonoides); compostos orgânicos (lignina); toxinas (melitina); e, até mesmo, compostos inorgânicos (carbonato de cálcio).

O objetivo é investigar esses materiais em escala nanométrica em busca de novas propriedades; melhoria de desempenho e ganhos econômicos.

O grupo atua em três linhas principais: avaliação das características de estruturas biológicas em nanoescala visando ao desenvolvimento de micro e nanossistemas; síntese verde de nanossistemas visando à entrega e liberação sustentada de ativos e imobilização de moléculas; e produção de superfícies funcionais visando ao desenvolvimento de embalagens ativas, nanobiorremediação, nanobiossensores; nanocatalisadores e nanofiltros.

Uma das aplicações realizadas pelo grupo é a prospecção de moléculas bioativas de organismos da biodiversidade brasileira e da Antártica.

Em 2007, Luciano esteve na Antártica, onde coletou recursos biológicos de peixes nototenioides. Esses peixes são capazes de resistir às temperaturas baixíssimas da Antártica.

O pesquisador busca conhecer os mecanismos moleculares desenvolvidos pelos peixes para resistir às temperaturas baixas com o objetivo de utilizar esse conhecimento em prol da agropecuária brasileira.

“Essas moléculas podem ser úteis, por exemplo, para auxiliar a conservação de sêmen e embriões congelados, entre outras aplicações”, explica. A pesquisa com aranhas, citada nessa matéria, também é um exemplo de prospecção de novas moléculas.

Uma das principais abordagens dentro do contexto da nanotecnologia verde, envolvendo conceitos de química verde e sustentabilidade, é a síntese de nanopartículas metálicas a partir de extratos vegetais.

Os pesquisadores fazem tratamentos para extrair as biomoléculas vegetais (proteínas, metabólitos secundários, lipídeos, compostos fenólicos, entre outros) às quais são adicionadas soluções contendo íons metálicos.

Esse contato resulta na formação de partículas nanoestruturadas que podem ter aplicações em vários setores da bioeconomia, principalmente a agricultura, onde podem atuar como fungicidas, bactericidas, entre outras aplicações.

“Com isso, agregamos valor econômico a partes de plantas, animais e microrganismos que não seriam aceitas pelo mercado”, constata o pesquisador.

Agregação de valor a recursos biológicos

Muitas das pesquisas desenvolvidas pelo grupo de nanotecnologia verde têm como base os recursos biológicos de plantas, animais e microrganismos que fazem parte dos bancos de conservação da Embrapa.

“O objetivo é agregar valor a esses recursos biológicos e estimular a sua utilização sustentável em prol da agropecuária”, enfatiza Luciano.

Um dos exemplos que vale a pena destacar é a pesquisa com aplicação de nanotecnologia à cultura do amendoim.

A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia possui o maior banco silvestre de amendoim do mundo, com mais de 1.500 acessos representando as 81 espécies de Arachis.

O objetivo do grupo nesse caso é produzir e caracterizar películas comestíveis para variedades comerciais de amendoim com múltiplas funcionalidades, principalmente, para tentar protegê-las do fungo produtor de metabólitos tóxicos, como a aflatoxina, nociva ao ser humano, e também aumentar o tempo de prateleira, entre outras aplicações.

“A investigação das características mecanoestruturais qualitativas e quantitativas em nanoescala pode resultar na seleção de compostos importantes para a formação de películas em variedades comerciais de amendoim e outras culturas no Brasil”, explica o pesquisador, lembrando que no País já foram desenvolvidas películas comestíveis de base nanotecnológica capazes de aumentar a vida de prateleira da maçã e de outros alimentos.

Outra pesquisa que reúne os modernos conceitos da nanotecnologia à conservação de recursos genéticos é a utilização de micélios de cogumelos como biorreatores para produção de nanopartículas de interesses diversos.

A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia mantém hoje um banco com mais de 300 espécies de cogumelos coletadas no Brasil e em outros países.

“Os cogumelos, assim como outros recursos biológicos, estão entre os objetos de estudo das pesquisas nanotecnológicas desenvolvidas pelo nosso grupo”, explica Luciano.

Na área animal, há uma pesquisa em parceria com a equipe de biotecnologia da reprodução animal, coordenada pela pesquisadora Margot Dode, que também vale a pena ser citada.

A pesquisa estuda os espermatozoides presentes nos sêmens de bovinos obtendo detalhes em escalas nanométricas com o objetivo de investigar e aprimorar o processo de sexagem.

Essa tecnologia permite aos pecuaristas definirem o sexo dos animais antes do nascimento. Dessa forma, podem ter um rebanho só de fêmeas, no caso de gado leiteiro, por exemplo.

Existem inúmeras outras pesquisas sendo desenvolvidas pelo grupo de nanobiotecnologia em prol da agricultura sustentável, o que torna impossível esgotar o assunto em apenas uma matéria. Mas o que é importante ressaltar é o papel de destaque da nanotecnologia verde como aliada da conservação de recursos genéticos e da biotecnologia – seja com plantas, animais e microrganismos – em benefício de uma agricultura mais produtiva e sustentável. “O nosso objetivo é inovar reciclando”, finaliza o pesquisador Luciano Paulino.
(Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia)

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