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terça-feira, 16 de abril de 2024

Mato Grosso do Sul não tem arquivos da Ditadura Militar, diz pesquisadora

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31/03/2014 07h40 – Atualizado em 31/03/2014 07h40

Historiadora douradense “garimpa” história do Estado na época do Golpe Militar e faz revelações importantes sobre prisões e equívocos. Câmara de Dourados anula cassações de vereadores baseados em recente pesquisa da autora

Valéria Araújo

Mato Grosso do Sul não tem arquivos sobre como foi o período de Ditadura Militar no Estado. A informação é da historiadora douradense Suzana Arakaki. A doutoranda em história está praticamente “garimpando” a história do estado neste período e através de suas pesquisas uma nova realidade começa a ser retratada. Em Dourados, por exemplo, a cassação de dois vereadores em 1964 acusados de comunismo foi anulada.

Segundo Arakaki, as dificuldades são muitas para se contar a história do estado nesta época. Apenas dois trabalhos de pesquisa foram realizados. O primeiro trata da repressão em Aquidauana, do professor Eudes Fernando Leite (UFGD) em 1994 e que resultou no livro Aquidauana: a baioneta, a toga e a utopia nos entremeios de uma pretensa revolução. A outra pesquisa é sobre Dourados, realizada por Susana e que resultou na publicação do livro “Dourados memórias e representações de 1964”.

A historiadora conta que para resgatar este período do Estado vem buscando registros nos poderes públicos e Exército, que segundo ela, vem recebendo todas as informações solicitadas. “Encontrar essas fontes tem sido um grande problema, que se agravou com a divisão do estado em 1977. Para se ter uma ideia, em 2005 foi formada uma comissão em Cuiabá, Mato Grosso, com pessoas de vários segmentos, para localizar e identificar arquivos da Delegacia de Ordem Política e Social, (DOPS) ou qualquer outro arquivo do período da ditadura militar em Mato Grosso e nada foi localizado. A comissão se desfez”, destaca. Suzana também conta que na Assembleia Legislativa em Cuiabá, que hoje possui um bem organizado e instalado arquivo, a caixa de 1964 está vazia. Segundo ela, as atas das sessões se perderam por várias razões, mas também por mudanças constantes de local ou enchentes. “Isso ocorre também na Câmara de Vereadores de Campo Grande, nossa capital, onde as atas de 1964 também estão desaparecidas. Não houve o devido cuidado com os documentos oficiais. Na realidade, essa é uma preocupação atual, antes eram considerados papéis velhos, sem utilização, um problema para as instituições, entre outros”, lamenta.

Por outro lado, segundo Arakaki, nas cidades do interior, os documentos foram preservados, com exceção de Porto Murtinho, cujo prédio da Câmara de Vereadores foi atingido por duas grandes enchentes do Rio Paraguai. Ainda assim, segundo a historiadora, alguns documentos relativos ao período foram preservados. Dentre eles, a ata de cassação do prefeito José Abrão em 1965. Até então atribuía-se a cassação à perseguições políticas pelo fato de o mesmo pertencer ao PTB. “Na realidade, o prefeito foi cassado em decorrência de irregularidades administrativas e apenas no ano seguinte. Todos os passos do processo estão registrados nas atas”, destaca.

Ditadura

Segundo Arakaki, para se entender um pouco da Ditadura é preciso ter um olhar voltado para aquela época. “As pessoas acreditavam que estavam protegendo o Brasil do comunismo, que era abominado naquela época. Conhecer o ponto de vista das Forças Armadas é um exercício necessário já que, segundo o historiador Carlos Fico (UFRJ), um dos mais renomados estudiosos do tema no Brasil, o 31 de março não pode ser interpretado como um grupo desarvorado de militares sedentos pelo poder. Incorre-se em vários equívocos quando não se faz uma análise de conjuntura sobre o período. Não só a Guerra Fria deve ser considerada, mas também as especificidades da política brasileira, em que autoritarismo é elemento sempre recorrente”, relata.

Segundo Arakaki, a fronteira oeste sempre foi muito visada. Pela vulnerabilidade, amplas áreas de fronteira com outros países, desde o governo de Getúlio Vargas cuidar da fronteira era vital. E no período da ditadura, essa mesma fronteira foi muito usada no contrabando de armas até mesmo pelos militares. “O brigadeiro João Paulo Burnier, em entrevista ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, afirmou que a fazenda do rei do café, Jeremias Lunardelli era usada pelos militares para o contrabando de armas, que eram usadas na repressão aos subversivos e comunistas. Esta e outras várias entrevistas de militares estão à disposição para consultas no CPDOC. É uma fonte riquíssima para pesquisadores da ditadura militar”, conta.

Segundo a pesquisadora, foi no Rio de Janeiro o achado mais importante da sua pesquisa. “Documentos antes secretos agora podem ser pesquisados. O dossiê Ricardo Brandão, encontrado no arquivo do DOPS aponta para uma intensa troca de informações entre o DOPS e as unidades do Exército de Mato Grosso e Guanabara”, revela.

Ricardo Brandão foi um estudante pontaporanense que cursava Direito na Guanabara. Segundo a pesquisadora, era do Partido Comunista e atuava na União Nacional dos Estudantes, a (UNE). Perseguido, retornou ao Mato Grosso mas foi preso logo depois e recambiado para a Guanabara. Informes do Exército confirmam a prisão e o envio para a Guanabara. Foi ouvido no Serviço de Informação do Exército e da Marinha. Segundo dona Olga Brandão, viúva de Ricardo Brandão, ele foi torturado na prisão.

Na Guanabara, em longo depoimento, Ricardo Brandão teve de justificar todas as suas atividades. Uma carta sua endereçada a um tal Vasco fora interceptada. Tratava-se, segundo Brandão, de José Roberto de Vasconcelos, redator do jornal O Democrata. Na carta, Brandão posicionava-se contra a criação do Instituto Brasileiro de Ação Democrática – IBAD, no estado de Mato Grosso. Segundo ele, a intenção do IBAD era criar um clima de intranquilidade no estado e a luta para impedir a atuação do Instituto, iria continuar. Ele e vários outros nomes foram considerados comunistas.

O jornal O Democrata, também de Mato Grosso, cujo redator era Antonio Roberto Vasconcelos, já havia sofrido duas invasões, foi destruído logo após o golpe. “Seus arquivos e máquinas foram completamente destruídos e jogados num córrego da rua Maracaju , segundo noticiou um jornal de Campo Grande no dia 3 de abril de 1964”, conta.

Cassações

De acordo com a historiadora Suzana Arakaki, logo após o golpe, vários deputados e senadores foram cassados. Por Mato Grosso foram cassados os deputados federais Wilson Barbosa Martins e Wilson Fadul. Este último, além de deputado, era o ministro da saúde do governo deposto. “Foi preso várias vezes e um fato que marcou a vida da família Fadul foi que ele, que era militar, foi dado como morto. Sua mulher recebeu por vários anos a pensão de viúva. Fadul recuperou sua condição de vivo após a Lei de Anistia, em1979”, revela.

Conforme Suzana, em quase todas as cidades ocorreu perseguições e prisões. “Houve vários casos de demissões, principalmente nas Universidades. Em Dourados tivemos a demissão dos professores Antonio Lach, Kioshi Rachi e Wilson Biasotto. Em Campo Grande o professor Fausto Mato Grosso também foi demitido. Todos eram da UFMS. O patrulhamento ideológico era intenso não só em Universidades, mas escolas de primeiro e segundos graus”, lembra.
“Logo após o golpe, foi noticiado que os prefeitos pertencentes ao PTB foram cassados e os registros das atas indicaram que não foi bem isso que aconteceu. É o caso de Bela Vista e Porto Murtinho cujos prefeitos se mantiveram no cargo. Este último foi cassado, mas em 1965 e por problemas administrativos”, conta.

Suzana lembra ainda que em Dourados, é conhecida a história do ex-prefeito Napoleão que, segundo ela, desafiou udenistas e pessedistas ao permanecer no cargo com apoio do Exército. “Vereadores do PTB foram cassados sumariamente. Também várias pessoas foram presas sob acusação de subversão. Havia um temor muito grande de comunistas e subversivos. Por longo tempo, antes do golpe, o IBAD difundiu temor na população, patrocinando artigos em jornais e rádios. Foi criado aqui no estado a Ação democrática de Mato Grosso, -ADEMAT, extensão do IBAD. Na grande maioria, foram pessoas ligadas a essa entidade, que defendiam os valores democráticos e contra o comunismo, que saíram prendendo pessoas logo após o golpe. Nos jornais da época, é possível verificar a influência e atuação da ADEMAT”, destaca.

Suzana constatou ainda que algumas entrevistas ou notícias da imprensa confirmam a existência de atividades subversivas, principalmente de Grupos dos Onze, ligados a Leonel Brizola, que reivindicava a implantação das Reformas de Base, ainda que pela força. Esses grupos existiram na CAND, em Dourados.

Região

Susana também já identificou que em Três Lagoas, o prefeito João Dantas Filgueiras foi cassado em sessão secreta no final de abril de 1964, mas retornou ao cargo após impetrar um habeas corpus. Segundo registrado em ata, a cassação foi precedida de uma investigação do Exército, que apontava envolvimento do prefeito com atividades subversivas. O prefeito foi reconduzido ao cargo e ainda foi eleito novamente para o mandato 1970-1972.
Conforme a pesquisa, em Ponta Porã o prefeito José Issa foi preso e logo após teve seu mandato cassado, também em sessão secreta e baseado em relatório do Exército que apontava atividades subversivas. Vereadores do PTB renunciaram ao cargo, alguns foram presos como o vereador Jonas Capilé. Tanto prefeito quanto vereadores ficaram cerca de 30 dias presos.

Depoimentos indicam que muitas pessoas foram presas em Ponta Porã, ficando nas dependências do Exército ou da delegacia local. Mas logo após eram liberadas, as acusações eram inconsistentes, afirmam pessoas que viviam e ainda vivem em Ponta Porã, como o médico Astúrio Marques. À época o médico era capitão do Exército e seu próprio auxiliar foi preso, acusado de subversão.

Corumbá também foi palco do navio-prisão, segundo Arakaki. Vereadores do PTB foram cassados e suplentes impedidos de assumir. O ex-vereador Waldomiro Dias de Rosa contou que ficou 36 dias preso no navio prisão logo após o golpe. Pertencia ao PTB e lembra que várias pessoas foram presas, tanto no navio quanto na pequena delegacia da cidade. “Apesar disso ele afirmou que não foi maltratado”, destaca.

Suzana é a única pesquisadora do tema em Mato Grosso do Sul, com projeto cadastrado no CNPQ. Ela também colabora com a Comissão Nacional da Verdade, juntamente com o professor Matheus Hernandez (UFGD). Também auxilia o Ministério Público Federal em Campo Grande que determinou abertura de um procedimento Administrativo destinado a reunir informações sobre vítimas de repressão no período da ditadura militar brasileira, no estado de Mato Grosso do Sul.

Arakaki diz que sua pesquisa está na reta final, mas que ainda tem uma vasta documentação para ser analisada e escrita. Ela acredita que a previsão é de que termine a pesquisa em um ano de trabalho.

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