32.6 C
Dourados
terça-feira, 23 de abril de 2024

Dourados: trânsito em transe, por Mário Cezar Tompes da Silva

- Publicidade -

27/11/2014 08h54 – Atualizado em 27/11/2014 08h54

Dourados: trânsito em transe

Mário Cezar Tompes da Silva*

O trânsito de Dourados vem funcionando nos últimos tempos como uma eficiente máquina de arruinar vidas. Esse processo ocorre em dois planos distintos. No primeiro há a subtração da vida, no segundo a mutilação das vítimas. Em ambos, verificam-se prejuízos emocionais e financeiros que ultrapassam os envolvidos e penalizam o conjunto da sociedade.

Penso que não estaria incorrendo em alarmismo ao julgar a atual situação de nosso trânsito como trágica. No entanto, prefiro que o leitor avalie por si próprio. O exame de estatísticas disponibilizadas pelo DETRAN nos apresenta um quadro desconcertante. O dado de maior impacto diz respeito à evolução do número de vítimas fatais.

As estatísticas dos últimos três anos nos revela uma escalada preocupante: Em 2011 a máquina de ceifar vidas do trânsito douradense produziu 43 mortes, em 2012 foram 38 as vidas subtraídas e finalmente em 2013 essa máquina condenou 48 cidadãos à pena capital. Essa situação que já é trágica promete ficar pior em 2014. Comparando-se os resultados correspondentes aos primeiros oito meses do ano (jan. a ago.), temos o seguinte quadro: 30 mortes em 2013, enquanto nesse mesmo período em 2014 já ocorreram 40 mortes. Como é possível constatar a tendência é de deterioração de uma situação que já é desalentadora.

Portanto, no período entre 2011 ao primeiro semestre de 2014, o trânsito em nossa cidade ceifou a vida de um total de 169 cidadãos. Por outro lado, somente em 2013, além dos óbitos, tivemos outras 1.326 vítimas não fatais, pessoas que foram lesionadas, algumas com danos permanentes. Como afirmamos anteriormente, esse flagelo provoca prejuízos emocionais e financeiros que ultrapassam o âmbito restrito dos diretamente atingidos (vítimas e parentes) e penalizam o conjunto da sociedade.Embora indisponível seria extremamente didático para nossa comunidade calcular os custos dessa tragédia para o sistema de saúde do Município. E as perdas para o sistema produtivo?

Como chegamos a esse ponto? Em boa medida o quadro que expusemos acima é o desdobramento natural de decisões equivocadas da administração municipal sobre como gerir o trânsito em nossa cidade. Quando examinamos as atuais tendências de planejamentoda mobilidade urbana (opções de deslocamento nas cidades) ao redor do mundo, percebemos a existência de um certo consenso sobre a necessidade de inverter prioridades. Até o século passado, planejava-se o trânsito priorizando o transporte individual (o automóvel). Com o passar do tempo, o resultado disso foi o estrangulamento da circulação dado o crescimento ininterrupto da frota de carros, além de mazelas como o aumento dos acidentes e o comprometimento do ar que respiramos.

Na atualidade, esse modelo corrocêntrico faliu. A política contemporânea de mobilidade desencoraja o transporte individual e privilegia o transporte coletivo, o pedestrianismo, o transporte alternativo (bicicleta). Mas, sobretudo, promove a intermodalidade,isto é, a integração dos diferentes modais (ônibus, bicicleta, pedestrianismo e o carro).É essa nova abordagem que inspira, no presente, mudanças profundas que estão produzindo ganhos palpáveis em qualidade de vida para as populações das cidades no mundo e em nosso país.

Lamentavelmente a gestão da mobilidade em nossa cidade continua presa a uma visão passadista, encontra-se enredada em concepções do século passado, insiste em continuar priorizando o transporte individual. A absoluta maioria dos investimentos e das intervenções que são realizadas atualmente em Dourados objetiva favorecer a circulação do modal baseado no carro. Nesses últimos anos não foi possível identificar qualquer avanço concreto que tenha aprimorado ou expandido os espaços dos demais modais de transporte. Nenhuma melhoria na qualidade da frota, no conforto e eficiência dos ônibus circulares ou na implantação de alguma malha cicloviária, nem mesmo um programa para melhorar as condições precárias das calçadas da cidade.

Ao contrário, o que a comunidade testemunhou nos últimos tempos foi a eliminação de ciclofaixas para proporcionar mais espaço para a circulação dos carros, generosa ampliação da rede de semáforos, mas apenas os que servem aos automóveis, já os pouquíssimos específicos para pedestres estão em sua maioria danificados e abandonados. Até mesmo a história materializada em monumentos diversos em homenagem aos pioneiros da cidade teve que ser deslocada das ruas a fim de ceder passagem para uma frota de automóveis cujo apetite por novos nacos da cidade aparentemente é impossível saciar.

Essa postura do planejamento urbano municipal não passa despercebida aos douradenses. Na verdade, ela funciona como uma indutora que estimula os cidadãos a optarem pelo transporte individual. Os mais abastados adquirem um, dois, por vezes três automóveis, aqueles com menos dotes financeiros optam por motocicletas. Resultado: as vias da cidade estão sendo saturadas com uma frota crescente de carros e motos que estabeleceram um convívio inamistoso e trágico que se expressa cotidianamente em um ciclo aparentemente sem fim de novos acidentes, mortes e mutilações.

Quando nos deparamos com uma insanidade como essa e um poder público que não está sintonizado com as mudanças recomendadas pelos novos tempos, serão os setores esclarecidos e organizados da comunidade (associações patronais, universidades, ongs, coletivos de ciclistas, estudantes, cidadãos proativos etc.) que deverão induzir o poder público reticente à transformação necessária.

Veja também

- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade -
- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade-
Verified by MonsterInsights