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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Dourados tem potencial para eliminar heranças negativas

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“Dourados tem um imenso potencial para continuar crescendo e, ao mesmo tempo, eliminar as heranças negativas”

“Para isso, devemos valorizar o conhecimento, a ciência, as modernas tecnologias. Temos todas as condições para investirmos na economia limpa, na inclusão social, no transporte urbano inteligente”, diz o professor doutor Paulo Cimó

20/12/2018 07h59 – Por: Maria Lucia Tolouei

Dourados resultou de um processo histórico conhecido como frente de expansão. A Marcha para Oeste, lançada por Getúlio Vargas na virada de 1937 para 1938, foi uma iniciativa essencialmente política, explica o professor universitário (UFGD), doutor em história econômica, Paulo Roberto Cimó Queiroz.

Segundo ele, os migrantes vinham principalmente de Minas Gerais, São Paulo, da região de Cuiabá e Poconé, e mais tarde do Sul do Brasil, em busca de terras para a agricultura, campos para a pecuária, ervais nativos, ou seja, condições para uma nova vida.

À medida que foram chegando mais e mais migrantes, começou a surgir espontaneamente um povoado nos primeiros anos do século XX. “Para chegarmos até aqui, nós criamos muitas coisas boas mas criamos também muitos problemas. Nós vimos derrubando nossas matas e poluindo nossos rios desde os anos 1940, vimos confinando nossos indígenas desde 1900 e pouco… Nós vimos expandindo nosso perímetro urbano de forma desmesurada, sobrecarregando desnecessariamente os serviços públicos e criando uma periferia cheia de carências… Mas a boa notícia é que nós temos um imenso potencial para continuarmos crescendo, economicamente, e ao mesmo tempo irmos eliminando nossas heranças negativas.

Para isso, acho que devemos valorizar o conhecimento, a ciência, as modernas tecnologias (e nesse campo, aliás, temos as vantagens que nos são conferidas pela nossa condição de cidade universitária). Temos todas as condições para investirmos na economia limpa, na inclusão social, no transporte urbano inteligente. Então, sendo-me permitido sonhar, eu sonho com um futuro em que seremos uma cidade, seja média ou grande, mas que seja amigável com seus cidadãos, que lhes permita desfrutar da cidade independentemente do grupo social ou da etnia a que pertençam”.

Paulo Roberto Cimó Queiroz, doutor em história econômica (USP) é pesquisador senior da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). É autor das obras “As curvas do trem e os meandros do poder” (Editora UFMS, 1997) e “Uma ferrovia entre dois mundos” (Edusc, 2004). Foi coordenador do CDR – Centro de Documentação Regional da UFGD, que digitalizou O PROGRESSO, desde as primeiras edições ainda da década de 20 (Ponta Porã) até os dias de hoje, e agora finaliza a edição do material. Hoje, Cimó, já aposentado, atua como colaborador do CDR.

Confira a entrevista:

Quais aspectos concorreram para a povoação de Dourados?

A formação do povoado que se transformaria, mais tarde, na cidade de Dourados, resultou de um processo histórico conhecido como frente de expansão, um conceito que designa um movimento pelo qual as pessoas saem de uma região de povoamento mais antigo e se dirigem para uma região ainda desabitada ou habitada apenas por povos indígenas. As frentes de expansão começaram a aparecer no território do antigo Sul de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul, por volta de 1830. Naquela época, os migrantes vinham principalmente de Minas Gerais, de São Paulo e da parte central da própria província de Mato Grosso (região de Cuiabá e Poconé). Esse movimento sofreu uma interrupção durante a Guerra com o Paraguai (1864-1870) mas logo recomeçou. Nessa nossa região, mais ao sul, as frentes de expansão começam a aparecer já na década de 1880. Continuam a vir os mineiros, os paulistas, às vezes os goianos, e agora também os paraguaios e mais tarde o pessoal do Sul do Brasil. Esse pessoal migrava pelos mais variados motivos: econômicos, políticos, brigas familiares etc. Falando especificamente do caso de Dourados, à medida que foram chegando mais e mais migrantes, começou a surgir espontaneamente um povoado, isso já nos primeiros anos do século XX. É importante lembrar que as frentes de expansão repetem, ou dão continuidade ao processo iniciado lá com a Conquista europeia, na época da chegada dos europeus ao Brasil: os novos povoadores vão se apropriando das terras onde antes se encontravam os indígenas, enquanto estes vão sendo eliminados, vão se refugiando em locais menos acessíveis ou vão sendo confinados em reservas.

A Marcha para Oeste teria motivações políticas ou a preocupação era apenas segurança na fronteira?

A Marcha para Oeste, lançada por Getúlio Vargas na virada de 1937 para 1938, foi uma iniciativa essencialmente política. A preocupação com a segurança da fronteira era uma preocupação política. Na interpretação da época, era como se esta nossa região de fronteira com o Paraguai estivesse praticamente fora do Brasil, devido às características do nosso mundo ervateiro. “Isso aqui só é Brasil no mapa”, eles diziam, porque havia um grande número de trabalhadores paraguaios; diziam que a fronteira precisava ser nacionalizada, porque as línguas mais faladas eram o Guarani e o Castelhano, as crianças não aprendiam a história do Brasil etc. E muita gente no governo Vargas também não aceitava a Companhia Mate Laranjeira, que tinha uma presença muito forte nessa região e contribuía para a perpetuação daquelas características consideradas negativas. Por isso é que, entre outras iniciativas, Vargas lançou a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND). O objetivo era garantir o povoamento da região por brasileiros natos, como eram os nordestinos, que formaram a maioria dos colonos que vieram para a CAND.

Pioneiros que deixaram regiões prósperas, como o Sul do país por exemplo, o que buscavam em Dourados?

Os objetivos apresentam variações, dependendo da época que nós analisamos. Se formos pegar lá o final do século XIX e começo do século XX, quando surgiu o povoado, o objetivo era encontrar terras boas para a agricultura, campos para a pecuária, ervais nativos, em resumo, condições para iniciar uma nova vida em uma nova região. Depois, a terra boa continua sendo sempre um atrativo, com mais uma ou outra circunstância adicional. Os migrantes nordestinos, por exemplo, que vieram para a CAND nos anos 1940 e 1950, foram atraídos também pelo fato de que os lotes eram gratuitos. A partir de fins da década de 1960 começam a chegar muitos migrantes vindos do Sul do Brasil, e nessa época o principal atrativo era o diferencial nos preços das terras, ou seja, a pessoa vendia uma pequena gleba no Sul e, com o mesmo dinheiro, comprava aqui uma gleba muito maior.

Dourados seguiu sua vocação socioeconômica ou desvirtuou?

Acho complicado falar em “vocação socioeconômica”. Entendo que, em cada região, sempre há diferentes potenciais, e, em cada momento, dependendo das circunstâncias, pode ocorrer um desenvolvimento maior em uma ou outra direção. Então, não haveria uma “vocação” dada de antemão e para todo o sempre… No caso de Dourados, como já comentei, é evidente que a qualidade da terra foi, desde o final do século XIX, um diferencial importante, em termos das possibilidades de desenvolvimento econômico. Então, se nós quisermos considerar a agricultura como uma espécie de “vocação”, acho que Dourados não se “desvirtuou”, de modo algum. Mas, com o tempo, novas “vocações” vão aparecendo. Acho que a transformação de Dourados em um polo universitário é um exemplo de uma dessas novas “vocações”.

O que explica o constante movimento de imigração e emigração do município?

Será que existiu mesmo esse movimento de emigração, com “e”? Eu não vejo esse “constante movimento de emigração”. Nos anos 1970 e 1980, de fato, muitas pessoas saíram da zona rural, especialmente da região da CAND. Mas uma boa parte se dirigiu para as zonas urbanas, isto é, as cidades da própria região, aí incluída Dourados, além de Campo Grande (que atraiu muitas pessoas quando se tornou a capital, após a criação de MS, em 1977). Outros se dirigiram para novas regiões de desenvolvimento agrícola, nos estados de Mato Grosso ou Rondônia. No entanto, ao mesmo tempo, novos migrantes continuaram chegando (mineiros, paulistas, sulistas). Então, no caso de Dourados, pelo que mostram os números, o “saldo” é positivo, tanto que a população do município e da cidade cresce continuamente há várias décadas.

Como o senhor, historiador, projeta o futuro de Dourados? Quais as tendências, quanto ao desenvolvimento em geral?

Pergunta difícil… Como diz a sabedoria convencional, o futuro será aquilo que fizermos dele. Essa é uma afirmação meio pueril mas não deixa de ser verdadeira. Quer dizer, se a gente desconsiderar eventos catastróficos, tipo a queda de um meteoro, que são eventos possíveis mas muito improváveis, então o que sobra para o futuro depende realmente em grande parte daquilo que construímos hoje. E o futuro está aberto a muitas possibilidades. O que queremos valorizar? O quantitativo ou o qualitativo? Para chegarmos até aqui, nós criamos muitas coisas boas mas criamos também muitos problemas. Nós vimos derrubando nossas matas e poluindo nossos rios desde os anos 1940, vimos confinando nossos indígenas desde 1900 e pouco… Nós vimos expandindo nosso perímetro urbano de forma desmesurada, sobrecarregando desnecessariamente os serviços públicos e criando uma periferia cheia de carências. Acho que, se continuarmos nessa mesma toada, nosso futuro não será muito agradável. Mas a boa notícia é que nós temos um imenso potencial para continuarmos crescendo, economicamente, e ao mesmo tempo irmos eliminando nossas heranças negativas. Para isso, acho que devemos valorizar o conhecimento, a ciência, as modernas tecnologias (e nesse campo, aliás, temos as vantagens que nos são conferidas pela nossa condição de cidade universitária). Temos todas as condições para investirmos na economia limpa, na inclusão social, no transporte urbano inteligente. Então, sendo-me permitido sonhar, eu sonho com um futuro em que seremos uma cidade, seja média ou grande, mas que seja amigável com seus cidadãos, que lhes permita desfrutar da cidade independentemente do grupo social ou da etnia a que pertençam.

Como o senhor, historiador, projeta o futuro de Dourados? Quais as tendências, quanto ao desenvolvimento em geral?

Pergunta difícil… Como diz a sabedoria convencional, o futuro será aquilo que fizermos dele. Essa é uma afirmação meio pueril mas não deixa de ser verdadeira. Quer dizer, se a gente desconsiderar eventos catastróficos, tipo a queda de um meteoro, que são eventos possíveis mas muito improváveis, então o que sobra para o futuro depende realmente em grande parte daquilo que construímos hoje. E o futuro está aberto a muitas possibilidades. O que queremos valorizar? O quantitativo ou o qualitativo? Para chegarmos até aqui, nós criamos muitas coisas boas mas criamos também muitos problemas. Nós vimos derrubando nossas matas e poluindo nossos rios desde os anos 1940, vimos confinando nossos indígenas desde 1900 e pouco… Nós vimos expandindo nosso perímetro urbano de forma desmesurada, sobrecarregando desnecessariamente os serviços públicos e criando uma periferia cheia de carências. Acho que, se continuarmos nessa mesma toada, nosso futuro não será muito agradável. Mas a boa notícia é que nós temos um imenso potencial para continuarmos crescendo, economicamente, e ao mesmo tempo irmos eliminando nossas heranças negativas. Para isso, acho que devemos valorizar o conhecimento, a ciência, as modernas tecnologias (e nesse campo, aliás, temos as vantagens que nos são conferidas pela nossa condição de cidade universitária). Temos todas as condições para investirmos na economia limpa, na inclusão social, no transporte urbano inteligente. Então, sendo-me permitido sonhar, eu sonho com um futuro em que seremos uma cidade, seja média ou grande, mas que seja amigável com seus cidadãos, que lhes permita desfrutar da cidade independentemente do grupo social ou da etnia a que pertençam.

Professor Doutor Paulo Cimófoto -   Marcos Ribeiro

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