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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Dr. Nelson Araújo, não apenas uma rua da cidade

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Dr. Nelson Araújo, não apenas uma rua da cidade.

“Para azar de Dourados, Nelson de Araújo faleceu 11 anos após ter sido prefeito. Ele se foi em junho de 1966, um mês antes de completar 61 anos. Muito cedo perante a longevidade de tantos corruptos de ontem e de hoje.”

20/12/2018 08h28 – Por: Maria Eugênia Carvalho Amaral*

Décadas antes de virar nome de rua e de escola, eu o conhecia como “Vovô Nelson”. Não era nem sequer meu parente. Mas, como ele mesmo dizia, quando eu cheguei ao mundo a primeira pessoa que me olhou, tocou e sorriu foi ele, ao fazer o parto de minha mãe. E isso bastava. Ele exigia que eu o chamasse de vovô. Entrou para minha família, e em minha vida, e nunca mais saiu.

Mineiro de Juiz de Fora, foi criado no Rio, onde se formou em medicina aos 22 anos. Veio para Dourados em 1929 para trabalhar como missionário e médico na Missão Evangélica Caiuá. Residiu na chácara da missão por anos, em uma casa de madeira em frente a um imenso gramado, bem próximo à área em que hoje se localiza a Reserva Indígena de Dourados.

Elegante, alto, solteirão convicto, dono de um vozeirão e uma gargalhada deliciosa, o Vovô Nelson frequentava minha casa todo santo dia depois que mudou da Missão Caiuá para a cidade. Chegava bem cedo e tomava café com meus pais. Ele foi um grande amigo de minha família e meu. Apesar da grande diferença de idade, conversávamos muito, como de igual para igual. Um homem sábio que sabia escutar e falar no mesmo nível do interlocutor. E dele, todas as manhãs, desde menininha, eu ganhava beijos de bom dia!

Uma de suas façanhas ocorreu quando o elegeram prefeito de Dourados em 1950, para o período de 1951 a 1955, com exatamente 43 votos à frente de seu único adversário, Armando Campos Belo. Não confiando no resultado da eleição, o perdedor teria solicitado recontagem de votos. E aí começou uma longa história que durou quase cinco anos…

Antes de contá-la, uma breve explicação sobre como funcionava o ato de votar: as urnas da época eram umas sacolas de lona espessa que tinham, em um dos lados, um reforço de couro com fivelas que fechavam e abriam uma fenda por onde o voto era depositado. O curioso é que o eleitor levava consigo a cédula pronta, com o nome de seu candidato impresso. Antes de ser depositada na urna, a cédula era colocada em um envelope fornecido pelo mesário. O escritor João Augusto Capilé Jr., o “Sinjão”, mostrou-me uma publicação que detalha a história dessa eleição:

Sobre esse pleito, é digno de registrar-se a seguinte passagem: no dia da eleição faltaram envelopes para a colocação das cédulas. O Juiz Eleitoral, que era o Dr. Humberto Neves, sem recursos para a aquisição daquele material, apelou para os candidatos majoritários. Prontificaram-se os correligionários do Dr. Nelson e, não se sabe se por malícia ou não, entregaram ao Meritíssimo algumas caixas de envelopes de pior qualidade, incapazes de guardar o sigilo do voto, pela sua transparência.

Na apuração, noventa e poucos votos foram impugnados pelos fiscais do partido do Dr. Nelson, a UDN, com a alegação da quebra do sigilo. Encerrada a contagem, saiu o Dr. Nelson Araújo vitorioso, com uma margem de 43 votos.

Campos Belo, sabendo que os noventa e tantos votos impugnados eram quase todos seus e que, somados a seu favor, dar-lhe-iam tranqüila vitória sobre o seu adversário, recorreu ao Tribunal Regional Eleitoral. Enquanto isso, o Dr. Nelson assumia a prefeitura, dando início à sua administração. Passados os tempos, o TRE negou o pedido do PTB, partido de Armando Campos Belo.

Apelando para o Supremo Tribunal, os meses e os anos foram passando até que, um dia, faltando apenas uns seis meses para o término do mandato de Nelson Araújo, o PTB douradense recebeu uma mensagem telegráfica do STE, dando ganho de causa a Armando Campos Belo. Foi quando este e seus correligionários, em reunião para decidirem sobre o assunto, optaram, depois de longo estudo, por queimar o documento recebido e mandar o Supremo Tribunal Eleitoral às favas (João Augusto Capilé Jr., Julio Capilé e Maria de Lourdes da Cruz e Souza, “História, fatos e coisas douradenses”, 1995, páginas 327 e 328).

Quando fiquei sabendo desse “causo”, muito antes de sua publicação, eu já era uma adolescente. Com a intimidade que a convivência diária permitia, e sem papas na língua, alfinetei o Vovô Nelson sobre o assunto. Ele sorriu, constrangido, e comentou que tinha a consciência tranquila, porque não havia pactuado e tampouco solicitado a ninguém que burlasse o resultado com subterfúgios para validar ou anular votos. Mas deixou claro que os correligionários ficaram exaltados, tal qual uma horda de bárbaros, e não admitiam derrota, contra a qual estavam dispostos até as últimas consequências. “Peguei nojo de política”, ele por fim me confessou. De fato, nunca mais foi candidato a nenhum cargo eletivo.

Muitos anos depois, já após a morte de Vovô Nelson, fiquei sabendo que ele fizera uma dívida enorme, em nome da prefeitura, para reparos na usina geradora de eletricidade. A dívida, autorizada pelo governa Fernando Correa da Costa, que a ressarciria, foi protelada ano após ano e acabou sendo paga pelo próprio Nelson Araújo, que vendeu uma chácara para fazê-lo. O mais interessante é que ele nunca fez alarde sobre o fato. A história só veio à tona contada pelos antigos credores, que enalteciam, com justiça, a honestidade e a discrição de Nelson Araújo. E a conta foi paga quando ele nem era mais prefeito. Em seu rigor ético, ele dera seu nome como garantia. Isso sim era honrar uma dívida!

Para azar de Dourados, Nelson de Araújo faleceu 11 anos após ter sido prefeito. Ele se foi em junho de 1966, um mês antes de completar 61 anos. Muito cedo perante a longevidade de tantos corruptos de ontem e de hoje.

Doutor Nelson de Araújo, Maria Eugênia Amaral e o avô Vlademiro Muller do Amaral

Professora doutora Maria Eugênio Carvalho Amaral

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