21.8 C
Dourados
sexta-feira, 19 de abril de 2024

É perfeitamente possível medir o amor, diz Cassepp-Borges

- Publicidade -

Cassepp-Borges: “É perfeitamente possível medir o amor e os estilos de amar”

Maria Lucia Tolouei

O pensamento e o comportamento deixam de ser um fenômeno individual para ceder espaço à interatividade que as pessoas têm com as outras.

Por isto, o amor não deve ser compreendido com foco no sujeito que ama, “mas na interação entre amante e pessoa amada”, diz Vicente Cassepp-Borges, doutor em Psicologia Social, do trabalho e das Organizações; professor adjunto da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

Para o professor-doutor o amor é importante para manter o relacionamento, mas não é o único fator. Vicente Cassepp-Borges fala em mensurar o ‘sentimento’ e explica como isto é possível.

Confira a entrevista concedida ao site Douradosagora.

Quais as interfaces do ‘amor’ na Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações?

A Psicologia Social é talvez uma das áreas mais estudadas dentro da Psicologia, que vem merecendo cada vez mais atenção e espaço dentro dos cursos de Psicologia. O pensamento e o comportamento das pessoas deixaram de ser um fenômeno entendido apenas a nível individual, mas relacionado à interação que as pessoas têm umas com as outras. Nesse sentido, o amor não deve ser compreendido apenas analisando-se o sujeito que ama, mas na interação entre amante e pessoa amada.

O senhor afirma que é possível mensurar o amor e os estilos de amar? Como?

Sim, é perfeitamente possível medir o amor e os estilos de amar. A Psicometria é uma ciência que possui uma tradição de mais de um século na medida de fenômenos psíquicos, como a inteligência ou a depressão. A medida do amor é mais recente, surgiu na década de 1970, nos Estados Unidos.

Mesmo que tenhamos o amor como um sentimento mais nobre que os outros, as dificuldades para medirmos estilos de amar são basicamente as mesmas que as que encontramos para medir outros aspectos da personalidade, por exemplo. É evidente que estamos falando apenas em medir, não em medir sem erros. Até por que mesmo em medidas como distância, peso, temperatura também existe o erro de medida. Mas, as análises estatísticas que eu fiz com dados de mais de 1500 pessoas de 13 estados do Brasil mostraram que o amor pode ser medido com uma precisão muito boa.

Quais os indicadores da satisfação com o relacionamento?

O principal indicador de satisfação no relacionamento é o amor. As pessoas que se amam tendem a estar satisfeitas com o seu relacionamento. E, satisfação com o relacionamento é um dos principais indicadores de bem estar, ou seja, o amor é um caminho para a felicidade.

Mas, dentro do que se considera amor, a intimidade é o fator mais vinculado com a satisfação com o relacionamento. Conversar com o(a) parceiro(a), sentir-se cúmplice, amigo(a), etc. são sentimentos importantes para elevar os níveis de satisfação com o relacionamento. A expressão da sexualidade também é importante, mas em menor nível que o diálogo.

Com relação ao amor, o que pode ser pior numa relação. Quais os fatores determinantes ao sucesso ou fracasso?

Evidentemente que o amor é algo importante para manter o relacionamento, mas não é o único fator. A compatibilidade entre membros de um mesmo casal tem se mostrado uma variável importante para determinar o término ou a continuidade da relação. Tem um estudo feito na Índia que eu gosto muito. Eles compararão os níveis de amor de casais com casamentos arranjados com casais que se casaram por amor.

O resultado foi que nos primeiros 5 anos, os casais que se casaram por amor se amavam mais. Contudo, após 20 anos, os níveis de amor nos casamentos arranjados eram maiores. Isso provavelmente ocorre por que quando um casamento é arranjado tudo é feito de uma maneira racional, buscando a compatibilidade dos cônjuges. Mesmo na nossa cultura ocidental, casais formados em agências de relacionamento têm menores índices de divórcio que os demais casais.

A agência de relacionamento nada mais é do que uma maneira de “arranjar” o casamento por compatibilidade. Nos meus estudos, trabalhei com a variável religião, e verifiquei os níveis de amor são maiores em casais nos quais ambos parceiros(as) possuem a mesma religião, ainda que ambos sejam ateus ou não possuam religião. Não existe crença mais ou menos propensa ao amor, o importante é o casal ter uma visão parecida sobre o mundo.

Como distinguir amor e apego. Quais os prós e contras?

Uma das maiores dificuldades do estudo da área do amor está na terminologia. Cada pessoa entende a palavra amor de uma maneira. Aliás, um pesquisador espanhol disse que “existem tantas teorias sobre o amor quanto pessoas na face da terra”. Cada pessoa vê de um jeito, mas na ciência é importante que todos estejam falando da mesma coisa. Aliás, embora as pessoas tratem a paixão como algo diferente do amor, os estudiosos da área entendem a paixão como um dos componentes do amor.

Da maneira como eu compreendo essas palavras e baseado no trabalho de dois pesquisadores norte-americanos, o estilo de apego que a criança desenvolve pelos seus cuidadores (geralmente os pais) tende a influenciar o estilo de apego adulto, ou na forma como a pessoa vai desenvolver suas relações amorosas. A maioria das pessoas consegue viver suas relações de maneira segura.

Mas existem pessoas com um apego evitativo, que não conseguem estabelecer vínculos duradouros. Outras pessoas sentem muita ansiedade em relações de intimidade. Mesmo nessas pessoas, os níveis de amor podem ser elevados. Por mais que a pessoa tenha comportamentos não muito sadios nas relações amorosas, devido ao estilo de apego desenvolvido, vejo que o desejo amoroso está em todas as pessoas.

De qualquer forma, existem relações nas quais existe apenas a amizade entre os parceiros. A amizade é algo muito importante, essencial para que o relacionamento funcione. Mas a amizade não é tudo. Para que exista o amor, deve haver o desejo sexual e o compromisso de levar a relação adiante. Pode-se considerar que existe amor na presença exclusiva dessa amizade, mas um amor sólido é feito de mais elementos.

Diz-se que ‘o amor é cego’. Como vencer isto, a fim de minimizar equívocos na educação e na condução do dia a dia?

Paradoxalmente, o amor “cego” é aquele que ocorre “à primeira vista”. É quando a amor é forte demais para fazer com que a gente perceba os defeitos da outra pessoa. Embora exista uma preocupação de que podemos ser enganados por esse sentimento, não podemos nos esquecer que é maravilhoso sentir isso, buscamos esse sentimento.

Mas o amor é cego até certo ponto, não diria que o amor seja eternamente cego. As diferenças tendem a aparecer mais cedo ou mais tarde. É importante saber conviver e compreender que existem diferenças. O amor se constrói focando nas qualidades e não nos defeitos.

“Pessoas que amam demais”. Como o senhor definiria isto e o que fazer para regular este comportamento?

Existe um estilo de amar denominado Mania. Essa palavra grega significa “a loucura dos deuses”. Trata-se de um estilo de amor em que existe um forte ciúme, uma perda do controle, uma facilidade para desenvolver paixões fortes, rápidas e por pessoas inapropriadas.

Dar mais importância ao outro do que a si mesmo é um primeiro passo para desenvolver um estilo Mania. Esquecer alguém que se ama é difícil, uma vez que o amor age no sistema de recompensa, que é a mesma área vinculada ao abuso de substâncias químicas. Assim como as drogas, o amor nos traz euforia, tristeza profunda e vício.

E o tratamento para o amor patológico é semelhante. É importante que a pessoa busque outras atividades prazerosas que não aquela pessoa por quem se possui obsessão. Qualquer movimento para conquistar uma pessoa que temos convicção que não quer o relacionamento equivale ao primeiro copo para uma pessoa em abstinência de álcool.

Existe uma discussão na psiquiatria, no sentido de passar a considerar o amor patológico como uma nova doença psiquiátrica. Eu particularmente creio que sim, o amor pode chegar ao ponto de ser uma doença.

Considerações finais

Foi um prazer participar dessa entrevista. Agradeço bastante pela oportunidade dada pelo site Dourados Agora e pelo jornal O Progresso de divulgar o conhecimento científico produzido na universidade para a sociedade. Estou sempre à disposição.

Vicente Cassepp-Borges, doutor em Psicologia Social, do trabalho e das Organizações; professor adjunto da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)

Veja também

- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade -
- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade-
Verified by MonsterInsights