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quinta-feira, 25 de abril de 2024

“Maioria das vítimas retira queixa”, diz delegada Francielle Candotti

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“Maioria das vítimas retira queixa”, diz delegada Francielle Candott

Cesar Cordeiro

A delegada titular da Delegacia de Atendimento a Mulher (DAM), Francielle Candotti Santana avalia como positiva os cinco anos da Lei Maria da Penha completados neste ano. Sobre a realidade de Dourados, pelo menos com base nos Boletins de Ocorrência os números mostram um constante crescimento. Só para se ter uma ideia, somente de 1º de janeiro até o dia 8 de agosto, foram registrados 1.030 ocorrências.

A média se mantém alta com aproximadamente 128 ocorrências por mês. Em quase 80% dos casos, as vítimas se arrependem e posteriormente manifestam o desejo de desfazer o registro do Boletim de Ocorrência.

Os Boletins são registrados principalmente as segundas-feiras o que demonstra o resquício do final de semana conturbado das famílias. “A violência dentro de casa sempre existiu, mas como a mídia divulga amplamente a Lei Maria da Penha, hoje as mulheres estão bem informadas sobre seus direitos”, disse a jovem delegada.

A senhora acredita que realmente a Lei Maria da Penha trouxe mais proteção para a população feminina?

Francielle Candotti Santana: Eu acredito que a população feminina está protegida porque a lei trouxe inovações que antes da lei não garantiam tanta proteção assim a mulher. Os crimes de menor potencial ofensivo, aqueles com pena máxima de um ano ou seis meses, não era cabível a decretação de prisão preventiva pelo juiz e hoje é possível que nestes crimes com penas mais brandas, haja a decretação de prisão preventiva ou temporária. A Lei Maria da Penha também trouxe as medidas de proteção de urgência que é o afastamento do agressor do lar, da ofendida, dos familiares, entre outros avanços.

Porque mesmo com estes avanços os casos continuam crescendo?

Acontecem muito, porque hoje, as mulheres têm mais informação. Com a edição da Lei Maria da Penha, a mídia divulgou com maior amplitude o direito das mulheres, então como conseqüência elas passaram a buscar mais as delegacias para registrar os Boletins de Ocorrência. A violência dentro de casa sempre aconteceu, sempre existiu. Só que com a Lei Maria da Penha, a divulgação e o incentivo a mulher para buscar os seus direitos esse número de Boletim de Ocorrência aumentou consideravelmente.

Os principais fatores antes estavam ligados somente ao consumo de bebida alcoólica e hoje com a disseminação da drogas, qual a realidade?

Eu acredito que um dos fatores que desencadeia a violência dentro ou fora da casa, mas envolvendo mulheres é o uso, o abuso de drogas e bebidas alcoólicas. Os agressores têm usado mais. Pelo menos de um ano pra cá, observo que o consumo de drogas aumentou consideravelmente e esta é a maior queixa e o relato que ouço das mulheres na Delegacia. Inclusive, as vítimas não são somente as esposas, as companheiras, as namoradas, as amantes, são também as mães que geralmente são vítimas dos próprios filhos dentro de casa, principalmente em razão do uso de drogas.

A que classe social pertence a maioria das mulheres que sofre agressão?

A classe social que tem menos instrução, menos estudo, a classe considerada “C” que infelizmente representa o número maior. Talvez esta violência aconteça também em grande escala na classe A, só que estas mulheres procuram menos a Delegacia. As que procuram têm vergonha, pede para não divulgar, mas os casos, digamos, domésticos são sigilosos. Nenhum caso é divulgado, nome de vítima, nada.

Mesmo sabendo que os casos são sigilosos, a senhora acredita que a mídia ainda influencie na intimidação das vítimas em procurar a Delegacia?

Eu acredito que não. Mesmo porque não há repercussão na mídia no sentido de divulgar nomes, o fato também não, aos Boletins de Ocorrência a imprensa não tem acesso. Eu não divulgo, não posso divulgar a lei não permite. O inquérito policial é sigiloso, a família também tem que ser protegida. A Constituição diz assim e a autoridade policial tem que zelar por isso.

Porque das vitimas que procuram a Delegacia posteriormente acabam voltando atrás e optando em desistir da ocorrência?

É a grande maioria. A grande maioria registra o Boletim de Ocorrência, volta a Delegacia após um tempo, diz que quer retirar a queixa. O termo usado por elas é esse, ou elas vão ao Judiciário, mas a grande maioria nesta hora procura a Delegacia, volta, diz que não quer mais, que perdoou, ou separou do marido, no caso das mães, muitas não querem ver os filhos presos. Elas querem que a gente dê um jeito, uma lição no filho, mas não quer ver ele preso, elas falam assim, quer que a gente dê um susto. Os outros casos são em razão de dependência econômica, emocional, são vários fatores que levam a mulher a desistir.

Ocorreram casos em nível nacional onde as vítimas registraram vários Boletins de Ocorrência e não foram protegidas e por isso acabaram sendo assassinadas ou sofreram tentativa de homicídio. Em Dourados, a senhora se lembra de algum caso semelhante?

São pouquíssimos casos assim. Teve caso de tentativa de homicídio, só que a mulher nunca tinha registrado um Boletim de Ocorrência contra o marido anteriormente. Nem esperava que o cara fosse capaz. Muitas vezes esses homens que ameaçam constantemente não atentam contra a vida da vítima. Os que agem assim nunca é esperada esta reação dele. Eu tive um caso recente na minha Delegacia que aconteceu mais ou menos neste sentido. A mulher estava em fase de separação do marido e o cara atentou contra a vida dela, mas nunca ele ameaçou, nunca agrediu, nem fisicamente, nem verbalmente. Ela não esperava aquela reação. Foi uma reação assim inesperada, em que ele agiu no calor da emoção e tentou matá-la, mas não conseguiu.

Não é o papel da Polícia, tentar identificar o perfil do agressor, mas pelo que se lida diariamente com eles dá para pelo menos superficialmente fazer esta identificação?

Identificar o perfil do agressor é complicado porque se a gente observar a Lei Maria da Penha, ela protege a mulher. Não existe que eu conheça nenhuma legislação, que visa ressocializar o agressor. Não existe nenhuma previsão de tratamento para o agressor.

Às vezes quem precisa de tratamento não é a mulher e sim, o agressor. Ás vezes o agressor é dependente de álcool, de drogas, ou tem algum distúrbio mental, que a gente desconhece e eu não posso avaliar e esta pessoa não tem tratamento nenhum. As mães que procuram a Delegacia para registrar BO contra os filhos, o que elas querem na realidade? Querem tratamento. De todas, escuto a mesma coisa. Eu quero que meu filho deixe de usar drogas, queria que a senhora chamasse ele aqui para dar um susto e aí eu digo não vai adiantar porque não é eu chamando aqui para dar um susto que ele vai deixar de usar drogas por causa disso.

Trata-se de uma dependência, o corpo precisa da droga, e ele vai continuar agressivo com a mãe, a mãe vai continuar vindo na Delegacia e a mãe não quer que o filho vá preso. As vezes a gente fala em pedir a prisão preventiva dele e ela reage que não quer que o filho seja preso. Isso escuto direto na Delegacia. Tem mães aqui que eu já sei o nome, sobrenome, sempre a mesma coisa. Infelizmente a Polícia não tem atribuição para tanto, para encaminhar a um tratamento. Não é a minha atribuição. E aí digo para as mães que infelizmente a gente não tem muito o que fazer.

A faixa etária dos envolvidos tem condições de levantar com este contato na Delegacia?

A faixa etária dos agressores varia dos 18, 19 anos, até uns 35 anos mais ou menos. Mas a maior parte pertence à juventude. Alguns são relacionamentos antigos, outros são relacionamentos mais recentes, varia muito. Muitas mulheres que estão vivendo com o agressor recentemente, também, um mês, seis meses. Tem muitos relacionamentos recentes que acontecem isso, com as mulheres mais jovens. As mulheres mais velhas são de relacionamentos mais antigos, casamento mesmo.

O que a senhora diria para as mães, que já sofreram agressão ou nunca passaram por isso, mas estão sujeitas a passar a qualquer momento?
R: Quero agradecer a oportunidade e dizer que a Delegacia da Mulher está de portas abertas para receber estas pessoas. Para ouvir, encaminhar para os programas assistenciais da prefeitura, que estão disponíveis, para a Defensoria Pública, nós contamos com o apoio do Centro de Atendimento a Mulher, com a Defensoria Pública que atende a mulher, Ministério Público. E estas mulheres podem procurar a Delegacia que vão ser tomadas as providências cabíveis, orientação, pois muitas vem a Polícia só para obter informação, orientação, e na medida do possível faz o que pode para ajudar e encaminhar esta mulher para ser atendida, para ser bem orientada, e conseguir efetivar o seu direito.

Delegada Francielle Candotti diz que Lei Maria da Penha trouxe inovações. Foto: Cesar Cordeiro

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