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No Dia da Visibilidade Trans, estudante da UFGD recebe prêmio ‘Direitos Humanos’

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No Dia da Visibilidade Trans, estudante da UFGD recebe o prêmio ‘Direitos Humanos e Cidadania’

01/02/2018 17h36 – Por: Da redação

A estudante de Pedagogia da UFGD, Nosli Mel de Jesus Bento recebeu o prêmio ‘Direitos Humanos e Cidadania pela Luta por visibilidade das pessoas TRANS’ entregue na última terça-feira (29), pelo Governo do Estado, para homenagear 25 pessoas travestis e transexuais que se destacaram pela militância na causa LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) em Mato Grosso do Sul. O prêmio foi entregue no Dia da Visibilidade Trans, data criada em 2004 para valorizar a luta de pessoas travestis e transexuais pelo respeito à identidade gênero, e direitos básicos que ainda precisam ser conquistados.

Nesta entrevista, concedida à Assessoria de Comunicação da UFGD, Nosly Mel, que também é Servidora Estadual e representantes dos acadêmicos no NEDGS (Núcleo de Estudos de Diversidade de Gênero e Sexual) da UFGD, fala sobre o prêmio recebido, sobre o preconceito que os LGBT e especialmente as travestis e transexuais enfrentam na escola, na universidade e na família, e sobre a urgência de avanços nas políticas públicas, entre elas a aprovação do Projeto de Lei João Nery, de identidade de gênero.

Primeiramente parabéns pela conquista do prêmio! Sabemos que quem luta pelas minorias enfrenta diariamente situações de intolerância. Você acha que esse prêmio colabora, de alguma forma, para te dar mais força? Qual a importância de iniciativas assim?

Eu recebi esse prêmio com muita euforia. Porque pessoas trans se encontram totalmente fora da cidadania dentro do País. Não temos direito ao nome, a esvaziar nossos intestinos e bexigas em paz, enfim não temos o direito de existir enquanto pessoas trans. Então quando surge uma oportunidade de visibilidade como essa, é preciso comemorar. Precisamos de visibilidade, de representatividade. A menina trans que mora na periferia e sofre com a transfobia, ela precisa saber que uma de nós superou a barreira do preconceito e conseguiu chegar e se eu consegui, ela também pode, então representatividade é importante. Se não temos visibilidade positiva e representatividade, nós vamos ouvir falar dessa população através da mídia e ela vai nos lembrar para nos discriminar. Vamos ser lembradas de forma exotificada: como a mulher que “virou” homem ou o homem que virou “mulher” como se fôssemos pokemons. De forma patologizada: como pessoa disfórica, doente mental. De forma desumanizada: como aquela que não tem identidade de gente e sim de bicho. De forma ridicularizada: porque todo mundo adora rir e fazer piadinhas com pessoas trans. Vamos dar muitas risadas! Eu mesmo me questiono, porque a sociedade não ri da cara dos assassinos de travestis e transexuais? Eu moro num país que mais mata pessoas trans no mundo com requintes de crueldade e curiosamente a sociedade vai lembrar dessa população pra rir. Eu fico abismada com essa falta de empatia. Por isso, é preciso que pessoas trans fale, apareça e ocupe os espaços sociais. A transfobia acaba com o conhecimento.

Ano passado você ministrou uma palestra que questionava “Por que os LGBTs são os mais odiados dentre todas as minorias?”. Qual resposta você pode apontar?

Procurei mostrar na minha fala que grupos de fundamentalistas religiosos e setores fascistas da sociedade buscam o tempo todo enquadrar mentes e corpos em suas normas como se fôssemos robôs produzidos em série em fábricas. Eles afirmam que o ódio é inerente, natural e isso não é verdade. Não é natural. Esse ódio e preconceito contra os LGBTs foi aprendido e construído.

Mostram que começou como pecado abominável no Antigo Testamento. O deus judaico-cristão foi o primeiro a condenar a pedradas o homem que se deitasse com outro homem como se fosse mulher. Esse versículo é recitado até hoje por parte de fundamentalistas religiosos para nos agredir. No Novo Testamento, coube ao Apóstolo Paulo a argumentação teológica de excluir os LGBTs do Reino dos Céus no livro de Romanos. Na minha palestra eu ressalto que outros pecados também foram considerados abomináveis como o adultério e o sexo antes do casamento e disso a população hetero cisgênera, por conveniência, não fala.

Então durante séculos, pessoas LGBTs foram condenadas a pedradas pelos antigos judeus, decapitados pelos primeiros imperadores cristãos, queimados pela fogueira da Inquisição, condenados a trabalhos forçados na Alemanha nazista e na Inglaterra. Os séculos passaram e, ainda hoje, os LGBTs continuam sendo tratados como delinquentes e bandidos nas batidas policiais, nos interiores das delegacias…até em situações em que nós somos vítimas, somos tratados como criminosos.

Denuncio também a opressão familiar. Enquanto em outras minorias a família se constitui no grupo mais importante para enfrentamento da violência, como no caso da família negra, indígena, e de outros grupos minoritários, a família dos LGBTs não prepara você para o enfrentamento. Os LGBTs e, especialmente, as travestis vêm sendo expulsas de casa muito cedo. Algumas coisas avançaram para os homossexuais, mas a violência dentro da família contra a criança trans é muito grande. A família alegando “amor e proteção” usa da violência para “consertar” os corpos que escapam das normas binárias de gênero. Falei na palestra da importância das igrejas parar de diabolizar nossas existência e começar a fazer pastorais para acolher essa população. Como assim? Cristo não manda discriminar LGBTs, não existe na bíblia passagens dele falando sobre esse segmento As igrejas estão com pastorais para os portadores de HIV, prostitutas, indígenas e etc – o que eu acho justíssimo – mas porque nós continuamos fora desse espaço religioso? Falo também da importância dos movimentos sociais na luta contra a lgbtfobia, do Governo Federal e o poder legislativo ter de criar leis de inclusão e proteção, investir em campanhas na mídia e em outros espaços para conscientizar a família sobre a importância da aceitação da pessoa LGBTs.

Além disso, falei da internalização da homo-lesbo-transfobia. Você ouve a vida toda que você é um pecador, uma aberração da natureza, e compra como se fosse verdade. Isso faz com que a pessoa seja incapaz de realizar medidas afirmativas em favor de sua própria sexualidade e identidade de gênero. Ela não tem forças. Esse discurso precisa parar, ser superado! Pra ontem!

Sobre essa situação das famílias expulsarem de casa, como que a pessoa vai chegar até a Universidade assim? E as escolas estão preparadas?

Se para pessoas não marginalizadas, hoje em dia, já está difícil estudar e trabalhar, imagina pra quem carrega o estigma do preconceito, do ódio, do nojo. Quando tem um espaço que abre as portas, o LGBT fica. Ninguém sai de um espaço onde é querido, é bem aceito. Mas a escola, infelizmente, é um espaço hostil aos LGBTs. Pessoas travestis e transexuais não podem sequer usar o banheiro em paz que sofrem discriminação. Como ficar cinco horas dentro de uma instituição se você não pode nem usar o banheiro de acordo com a sua identidade de gênero? Isso pode acarretar “n” problemas de saúde como incontinência urinária, constipação, até depressão e você acaba abandonando a escola. Se você vai reclamar para os agentes escolares, que deveriam proteger as pessoas vulneráveis, dizem que a culpa é sua porque está “vestida assim”. É mais fácil culpabilizar a vítima do que encarar o problema. A escola não pode estar alheia à essa problemática. A escola é plural, heterogênea e é dever dela incluir as pessoas diferentes que ali chegam. Se não corrigirmos e combatermos a LGBTfobia dentro da escola, os alunos vão continuar sendo expulsos dela, sobre o manto invisibilizante da “evasão escolar”.

Aqui no estado nós temos um decreto que inclui o LGBT nas pautas. Se o homossexual ou travesti for discriminados, podem recorrer na direção da escola porque são amparados por lei. Com a medida, muitas trans voltaram para as escolas. Porém o decreto vale apenas para o Estado. O município não é obrigado a respeitar. Também não vale para as escolas particulares. Ainda assim, com adoção de medidas por parte do Estado (ainda que insuficiente), elas são fundamentais. Conheço oito ou dez meninas trans que estão terminando o Ensino Médio e provavelmente vão estar na UFGD e em outras academias.

A UFGD já adotou o nome social (Resolução nº 243) para as pessoas travestis e transexuais, elas vão se sentir mais acolhidas com essa medida, mas não é suficiente. A Universidade tem que promover seminários, debates, capacitação que pegue desde o senhorzinho que está na limpeza, o pessoal terceirizado, o corpo administrativo, a reitoria, até os professores universitários. Capacitar pessoas sobre como lidar com as pessoas trans. Não basta ter norma ou decreto. Se não capacitar, essas pessoas serão discriminadas. Eu espero que a Universidade seja um espaço realmente de acolhimento para LGbts e principalmente para pessoas trans que são as mais vulneráveis. Quando a escola ou a universidade abre as portas, o LGBT fica.

Ainda sobre o nome social, no que mais se pode avançar?

Temos tão pouca cidadania que qualquer medida é necessária e importante. Mas precisaríamos mesmo efetivar o projeto de lei de Identidade de Gênero – João Nery, que está no Congresso há anos e não há expectativas de ser aprovado ou colocado em votação. O nome social, apesar de ser importante, protege as travestis e transexuais apenas dentro das instituições públicas, não significa que fora dali elas serão respeitadas. Na UFGD, elas vão ter o nome social respeitado, mas dentro da Unigran e da Anhanguera, por exemplo, não temos garantia, porque essas instituições não são obrigadas.

Se aprovada, a lei João Nery seria muito importante porque vale para todo o território nacional e faz com que os transexuais ou travestis vão diretamente ao cartório e façam a mudança dos documentos sem precisar passar pelo crivo do psicanalista, psiquiatra e do endocrinologista e serviço social como é posto hoje. Esse processo dura anos, é violento demais. Imaginem pra quem é hetero, precisar ser “laudado” por pessoas homossexuais que vão determinar que são “héteros de verdade”? faz sentido? Não! Porém é assim que funciona com a gente, infelizmente! São pessoas heterocisgêneras que nada sabem das nossas vivências que vão dizer se você pode ou não mudar seu nome, seu genital. Olha que absurdo!
Juridicamente falando, se um juiz tiver um pensamento progressista, vai entender que está na Constituição, é cláusula pétrea que o ser humano tem direito a ter a sua dignidade preservada. Não tenho minha dignidade preservada se estou sendo chamada por um nome masculino e me apresento com uma pessoa feminina. Isso vai me causar constrangimento, humilhações. Hoje, você tem que provar que é trans “de verdade” para conseguir o nome social. Então o ideal seria que Lei João Nery fosse aprovada, como já acontece na Argentina, na França e outros países onde é bem mais fácil, menos traumatizante e menos doloroso para pessoas transexuais.

Voltando mais uma vez para a Universidade, o que você acha que pode melhorar na relação da Universidade com os LGBTs, no sentido dos LGBTs serem a Universidade e não apenas objeto de estudo dela?

No que diz respeito aos homossexuais, na universidade, eles até que têm uma aceitação boa. Agora, em se tratando de travestis e transexuais, as universidades federais ainda têm certa ressalva. Relutam em adotar o nome social, e quando adotam não respeitam (é comum professores e agentes administrativos desrespeitarem o nome social, usando de artigos e pronomes masculinos em relação as meninas trans) não se posicionam sobre o uso de banheiro para pessoas trans e várias outras atitudes discriminatórias que chamamos de cissexismo ou burocracias cissexistas. A Universidade abriu portas para negros, mulheres, homossexuais, indígenas, mas para pessoas transgêneras, não. Foi preciso um decreto presidencial para que isso acontecesse. A UFGD tem que ir além, criar bolsas para os transgêneros, incluí-los na moradia estudantil (pessoas trans em sua maioria são expulsos de casa) só direito ao uso do nome social não é suficiente.

Nós, mulheres transgêneras, sempre fomos aceitas dentro da academia como objeto de pesquisa somente e somos sempre lidas nelas como “homossexual de saia” e não como uma mulher de fato. Pessoas trans são produtoras e reprodutoras de conhecimento, a universidade precisa olhar para esse segmento além do objeto de pesquisa. Nós queremos nos tornar também referências bibliográficas. Queremos que a universidade trabalhe junto conosco, ao nosso lado, nos dando voz, lugar de fala, aceitando nossas epistemologias e nossos trabalhos e criando espaço para que produzirmos cada vez mais. Eu comecei como objeto de pesquisa e agora sou pesquisadora de gênero e vou publicar dois artigos sobre crianças transgêneras pela UFGD. A Universidade me abriu as portas.

Sobre as atividades do NEDGS (Núcleo de Estudos de Diversidade de Gênero e Sexual) da UFGD, como você acredita que pode colaborar com a sociedade?

O Núcleo foi fundamental para a construção da Nosli empoderada, cidadã crítica e reflexiva. O NEDGS foi o responsável para que eu conseguisse visibilidade para fora da Academia. Se hoje sou convidada para ministrar palestras em empresas, escolas e outras instituições, eu devo isso ao querido Profº e Drº Miguel, presidente do Núcleo. Sempre tive uma excelente parceria com o núcleo, como por exemplo, o evento do NEDGS e a Polícia Militar para um curso de formação dos novos cabos. Conseguimos passar uma mensagem bonita e nossa fala foi muito bem recebida. Temos que ressaltar que a PM é uma instituição machista, misógina e trans-misógina, então foi uma grande conquista o NEDGS estar lá instruindo sobre como abordar pessoas LGBTs e como tratar mulher vítima de violência. A mulher ainda é considerada culpada pela violência que sofre e os LGBTs, como eu disse, são tratados como delinqüentes dentro da delegacia. Essa parceria foi muito importante para desconstruir pensamentos comuns e preconceitos. O colóquio “Mulheres e Sexualidades” que fizemos juntos também foi um sucesso. Além disso, fizemos vários seminários. Não se falava tanto sobre LGBT, sobre nome social, falava-se pouco sobre violência contra a mulher antes do NEDGS. É importante frisar que o nome social para travestis e transexuais que hoje a UFGD adota foi o NEDGS que pautou e lutou bastante para que a universidade adotasse logo. O NEDGS precisa avançar mais ainda. Nós precisamos avançar. Estamos apenas engatinhando.

Nosli Mel estuda pedagogia

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