29.9 C
Dourados
domingo, 28 de abril de 2024

Bagatela imprópria – José Carlos de Oliveira Robaldo

- Publicidade -

Bagatela imprópria! Que bicho é esse? É coisa da modernidade. Esse tema foi recentemente cobrado no concurso (em andamento) para a Magistratura de Mato Grosso do Sul e derrubou vários candidatos.
Bagatela ou insignificância imprópria, em síntese, é a rotulação (denominação) dada pela doutrina penal moderna a uma situação fática onde a intervenção do direito penal é desnecessária, sobretudo a aplicação da pena ao autor do fato. Na prática já foi aplicado pelo Tribunal de Justiça do nosso Estado (MS), com o voto condutor do des. Romero Osme Dias (Revisão Criminal – N. 2008.002829-1/0000-00). No Brasil, o jurista Luiz Flávio Gomes foi o precursor no trato desse tema, sobretudo com essa denominação.
Bagatela. Segundo o Aurélio, é ninharia, algo insignificante, sem valor. Como há a ninharia imprópria, por certo há também a ninharia própria. A aplicação da bagatela própria, conquanto criticada por alguns, tem sido amplamente utilizada pela justiça brasileira, inclusive pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF). A aplicação da imprópria, ao contrário, é mais restrita.
A lógica para se compreender o tema é o seguinte: para se aplicar o direito penal a alguém, exige-se que a conduta humana seja típica (prevista e enquadrável formal e materialmente nos termos da lei), antijurídica (contrária à ordem jurídica penal), culpável (reprovável/censurável pela sociedade) e, para alguns (Roxin), necessário.
Para os defensores da bagatela própria, não se aplica o direito penal em relação a determinadas condutas pela insignificância da lesão ao bem jurídico. A ninharia é de tal ordem que o bem jurídico tutelado (vida, saúde, patrimônio etc), não obstante o ato praticado pelo autor, não sofreu nenhum dano ou ameaça de lesão. O que significa que a conduta (comportamento ou ato do autor) é atípica, logo, não é criminosa, não se justificando assim a aplicação do direito penal. É o que ocorre, por exemplo, com um pequeno arranhão físico, com o furto de uma cebola, de um real etc. Entende-se que, em tais hipóteses, embora típica formalmente (prevista em lei) não a é materialmente (efetiva ofensa ou ameaça de ofensa ao bem jurídico).
Já na bagatela imprópria, conquanto presentes o desvalor da conduta e do resultado, conduta típica (formal e materialmente), antijurídica e culpável, a aplicação da pena no caso, levando-se em consideração o histórico do autor do fato (ato), torna-se desnecessária. É o que a doutrina denomina de justiça do caso concreto, onde se trabalha com a idéia de que a função da pena/sanção não pode ser meramente retributiva, mas, acima de tudo, preventiva.
Foi exatamente essa a linha do raciocínio jurídico do des. Romero em seu voto acima apontado ao afirmar que “ainda que o crime esteja plenamente configurado, incluindo na força deste advérbio de modo, o reconhecimento de lesão ao bem jurídico, a pena, enquanto resposta jurídico-estatal ao crime, pode não ser aplicada desde que presentes fatores que comprovam a sua inocuidade ou contraproducência”.
A base teórica da idéia da necessidade da pena, embora a conduta seja típica, antijurídica e culpável, vem de Roxin (penalista alemão). A construção filosófica teórico-jurídico é sua.
Roxin, em síntese, parte do pressuposto de que a função do direito penal, e por via de conseqüência da pena, é a proteção subsidiária de bens jurídicos essenciais, daí a razão do caráter preventivo da pena. Ao contrário do seu conterrâneo Jakobs que defende a idéia de que o direito penal e consequentemente a pena objetivam reforçar a autoridade da norma na medida da sua transgressão (quebra de expectativa), por menor que a seja.
Nessa linha, para Roxin nem sempre a aplicação da pena é necessária (o que pode caracterizar a bagatela imprópria); ao passo que para Jakobs na medida em que a conduta for típica, antijurídica e culpável, a aplicação da pena é imperiosa. Logo, não há que se falar em crime bagatelar para este autor, muito menos, o impróprio.

*Procurador de Justiça aposentado. Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual Paulista-UNESP. Professor universitário. Representante do sistema de ensino telepresencial LFG, em Mato Grosso do Sul. Membro da Academia de Letras Jurídicas do Estado de Mato Grosso do Sul. E-mail [email protected]

Veja também

- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade -
- Publicidade -

Últimas Notícias

- Publicidade-
Verified by MonsterInsights