Isaac D. de Barros Junior *Quando o bar Pingüim, hoje ainda em atividade e o desativado bar Luchesi, disputavam...
Isaac D. de Barros Junior *Quando o bar Pingüim, hoje ainda em atividade e o desativado bar Luchesi, disputavam comercialmente ao escurecer a preferência de uma seleta freguesia de moços boêmios que cultuavam os prazeres da vida noturna douradense, certamente as lembranças daqueles que viveram essas noites, recordar-se-ão sem fazer muito esforço, da estereotipada folclórica figura obesa do jovem José Milan. Ele não tinha nenhuma ocupação conhecida, não foi "seresteiro", mas era uma espécie de talismã dos vários grupos musicais da época que freqüentavam esses dois bares tradicionais, pois o Zé gordo aplaudia os músicos presentes e com alguns grupos até cantarolava sucessos conhecidos. Porém, na hora do seu ajantarado, nada o impedia ou conseguia atrapalhar a sua costumeira "boquinha" noturna, principalmente quando ele comia avidamente dois pães inteiros recheados de salame e outras vezes, mais dois carregados de presunto com queijo.
Esse rapaz solteirão era filho do comerciante pioneiro, de nacionalidade libanesa, o Elias Milan. Este era um velho árabe simpático, que locava aquele prédio e outros existentes na Avenida Marcelino Pires. O José Milan foi um douradense pacato, mas se ficava nervoso ninguém ousava encrencar com ele, senão se arriscava a tornar-se desafeto da senhora Geni Milan, esposa do político Milton Milan, qual seja, a sua conhecida e temida cunhada na época. Um dia o Zé gordo, esse era o seu apelido, desapareceu repentinamente de circulação em Dourados, resolvendo ir morar na capital. Lá, Zé Milan escolheu para viver a velhice, um bairro simples de Campo Grande.
Outro marcante personagem da noite douradense de outros tempos foi o jovem falante e encrenqueiro Almir Galvão. Ele era um rapaz razoavelmente educado, mas tinha o desastroso vício da embriaguez e quando bebia ficava metido à valente. Todavia, o "grilo" gostava de filosofar nos balcões dos poucos botequins existentes do centro da cidade, fazendo questão de dizer a frase: "é melhor tomar cachaça, do que soltar fumaça", pois odiava drogas. Tudo o que ele me revelou da sua reservada intimidade numa dessas noites, foi o fato de somente se embriagar repetidamente, pois queria esquecer-se de um grande amor perdido.
Porém, aquele boêmio fugaz douradense, por mais que eu insistisse ou forçasse a amizade, nunca revelou o nome da mulher amada. Em nosso último encontro numa madrugada qualquer, ele parecia estar muito feliz, porque que em breve segundo ele, finalmente iria se encantar dormindo para sempre. Nessa fase da minha vida, eu era um xarope adolescente e estava pesquisando tipos humanos que apelidei de loucos mansos. Às vezes, quando me lembro daquele rapaz nos meus devaneios, acho que realmente o Almir Galvão se encantou.
Raphael Bianchi era outro paradigma ingênuo marcante da noite local, isto quase no final do século passado. Foi uma pessoa em vida, cheia de contradições. O emotivo "faé", chorava com facilidade e gostava de praticar o bom futebol, tanto gostava que fundou o clube Ubiratan. Entretanto, morreu de cirrose crônica. Adotava no seu cotidiano, tudo aquilo que um desportista deve evitar. Mas, estando sóbrio, era um cavalheiro culto e educado. Chegou em Dourados nos anos quarenta, para trabalhar nos escritórios da CAND (Colônia Nacional Agrícola de Dourados), como um alto funcionário do governo federal. Raphael Bianchi era admirado na competência pela chefa do escritório da colônia federal, a saudosa Risoleta Lúcia Leal Pereira, mulher muito considerada e respeitada pelos primeiros desbravadores. Ela não poupava elogios às virtudes do colega, mineiro de nascimento, que adotou por ser desportista, embriagar-se e morrer douradense.
Já na Praça Antonio João, onde funcionava um transformador central de energia elétrica da cidade, havia muitas árvores e uma fonte luminosa com diversos bancos de concreto patrocinados por casas do comércio local em volta. Ali vivia ao relento, descabelada, embriagada e sem tomar um higiênico banho diário, a marcante Maria Fortunato, ou simplesmente a "Maria Louca". Um dia, certo sacerdote franciscano da igreja católica, incomodado com a situação da mulher ensandecida, o tal de frei João Damasceno, que se rotulava pedreiro e gostava de bebericar uma "branquinha", gosto pela cachaça que todos os paroquianos católicos sabiam, resolveu interferir. Esse clérigo chamou à doida na sua casa e disse que ele nunca mais beberia nenhum gole de pinga, se ela também parasse definitivamente de beber. A louca aceitou a proposta do padre e o mundo se livrou de dois alcoólatras. Se houve algum "milagre" nesse acontecimento eu não sei, se este deveria ser creditado para Maria ou para frei João.
Nostálgico, lembro-me ás vezes desses tipos marcantes e os selecionei neste comentário, por haverem sido personagens fagueiras da minha juventude, dentre as muitas interessantes que conheci na pequena Dourados de outrora. Todos eles foram moradores plácidos da cidade, apenas possuíam um comportamento diferenciado, com relação aos demais habitantes do povoado. Porém, foram díspares e muitos deles deram a nossa comunidade pequena, sua contribuição particular de trabalho. Em homenagem a eles, fiz esta articulação, justamente para matar as saudades desses douradenses dos velhos tempos...*advogado criminalista, jornalista. e-mail: [email protected]