Dr. Jorge Luiz Baldasso*A reunião no comitê de campanha foi interrompida com a chegada do "homem da mala". A então...
Dr. Jorge Luiz Baldasso*A reunião no comitê de campanha foi interrompida com a chegada do "homem da mala". A então candidata a senadora por um conhecido partido de esquerda (aquele que é dono da ética) levantou-se de sua poltrona e dirigiu-se à sala ao lado, onde esperou até que os acertos fossem concluídos e o visitante ilustre fosse embora. Em seguida, sem perguntar nada, deu seqüência à reunião, na qual se definiriam os próximos passos de sua campanha, agora com os cofres bem abastecidos. Mais tarde, já eleita, ao ser indagada sobre a relação entre doações para sua campanha e uma empresa beneficiada com contratos públicos, respondeu - acertadamente - que "não sabia de nada!"
O episódio foi noticiado há alguns anos, sem grande repercussão, por um periódico de grande circulação nacional e é só um exemplo magnífico dos malabarismos que certos personagens públicos fazem para "não saber de nada". Mais que isso, ele escancara a ética de botequim que se espalhou pelo país e vem solapando os pilares da democracia representativa. Aquele bordão "eu não sabia de nada" é hoje repetido à exaustão por outras conhecidíssimas personagens da República, inclusive um supremo mandatário (não vou dizer qual), dois presidentes do senado federal (idem), e ainda uns tantos outros nomes, famosos por sua verborragia, sobre os quais prefiro não entrar em detalhes.
O simples fato de não saber o que seus subordinados andam fazendo seria por si só devastador para a reputação de qualquer homem público. Não no Brasil! Pois aqui, quando se noticia um escândalo de repercussão nacional (ou mesmo local, como andou acontecendo recentemente) há sempre muita gente envolvida. Se não diretamente em algum crime contra o erário público, ao menos como coadjuvantes, mendigando favores, a anulação de uma multa, um botijão de gás, um milheiro de tijolos, um emprego (de preferência para um cargo de confiança, onde o salário é melhor e não precisa ter qualificação); tem uns caras-de-pau que pedem até casa, benefício que normalmente se obtém através de uma coisa chamada "trabalho" (palavra desconhecida em alguns agrupamentos).
Se são tão poucos os homens honrados entre nossos administradores públicos, é por que nós, como sociedade, perdemos a noção de valores. Falamos muito em direitos e omitimos os deveres. Não ensinamos a nossos filhos o respeito aos mestres, a observância à lei e a necessidade de servirmos ao nosso país antes de pensamos em nós mesmos. Nos esquecemos da ética, tão essencial em qualquer sociedade civilizada. Negligenciamos o amor ao próximo, sem o qual nos tornamos bárbaros e decadentes. Nos acomodamos na mediocridade, no remanso, no "deixar como está prá ver como fica". O esforço, o preparo, o mérito são desprezados em favor do puxa-saquismo, do "levar vantagem", da submissão irrestrita e amoral (fruto de nossa consciência adormecida) a quem quer que nos conceda um cargo importante ou nos faça um "favorzinho" (geralmente ilegal). Como esperar que haja governos decentes e homens públicos honrados, se nem mais nos lembramos o que significa decência e honra?
E depois nos espantamos com a falta de civilidade, os serviços públicos que não funcionam, a justiça que olha e não vê, a violência, a pedofilia, a corrupção generalizada...
Se aceitamos goela abaixo tudo o que nossos governantes fazem é porque não temos condições morais para exigir que sejam diferentes. Isso só ocorre com aqueles que são lenientes com a ética, que se descuidaram de seus valores, que agem como cidadãos de segunda classe que se vendem por qualquer coisa. Somos culpados na medida em que negligenciamos nossa responsabilidade para com a democracia.
Há, entretanto, tempo para mudar, para reverter nosso fracasso como nação. Para isso é preciso reacender em nós o conceito de valores, fazer renascer a ética e a cidadania... pensar mais no próximo e menos em nós mesmos (comecemos nos comprometendo a não pedir mais "favores"). Para tanto, é preciso espantar a preguiça e o comodismo, que nos impedem de agir. É preciso trabalhar duro, sem querer levar vantagens sobre os outros. Mas é preciso, sobretudo, ter muita coragem, porque há sempre aqueles que tem seus interesses contrariados e querem nos intimidar. Reforço isso: é preciso coragem, senhores, "este atributo que representa o triunfo sobre o medo e a covardia" (Aristóteles).
Este é um momento de virada de nossa História; não o desperdicemos. Se quisermos, de fato, viver num país melhor e deixá-lo como herança a nossos filhos, devemos fazer por merecer.
PS: Em algumas semanas encerrar-se-á meu mandato como Presidente da Associação Médica da Grande Dourados. Durante minha gestão nos manifestamos inúmeras vezes em defesa da saúde pública, denunciamos irregularidades, promovemos debates políticos e mais de meia centena de eventos científicos, sociais e desportivos. Não ocorreram escândalos de qualquer natureza nem qualquer tipo de contestação a meu trabalho nas esferas da AMGD. Entrego a meu sucessor uma sede totalmente reformada, com inúmeras benfeitorias construídas e as contas em ordem.
Mais do que um bom representante da classe, espero ter sido um bom exemplo.*Presidente da Associação Médica da Grande Dourados.