Entrevista com Adilvo Mazzini
Cesar Cordeiro
O regente Adilvo Mazzini do Coral Guaraoby antigo Coral Santa Cecília é o entrevistado desta segunda-feira de O PROGRESSO. O Coral está completando 30 anos de fundação e surgiu quando Adilvo se mudou para Dourados, vindo de Rio Brilhante no início da década de 70. Adilvo homenageou O PROGRESSO compondo um hino em comemoração ao ingresso do jornal no ano 60 durante solenidade que aconteceu em abril na Câmara Municipal de Dourados.
O PROGRESSO - Como surgiu o Coral Santa Cecília, hoje Guaraoby?
Adilvo: A nossa história reporta lá dos anos 70, quando vindo de Rio Brilhante comecei a participar de uma pequena equipe de liturgia que já existia na Catedral. Quatro pessoas comandavam a equipe litúrgica, como a irmã que estava à frente daquela equipe e soube que eu também trabalhava que eu também regia e era desta área. Então ela me colocou a frente do grupo e no mesmo ano nós já mantínhamos uma porção de músicas em estilo polifônico e com o tempo o grupo se tornou um grupo grande, um coral realmente. Em 1.976 quando a coordenadora Elza do Projeto Villa Lobos da Funarte nos reuniu em Campo Grande para o lançamento do Projeto Vila Lobos. Ela insistiu muito para que nós nos organizássemos de maneira associativa para que tivéssemos mais força e assim foi feito e daquela data até 1979 mais ou menos estudamos estatutos e vimos às possibilidades de criar em 2 de setembro de 1.979 o então Coral Santa Cecília hoje Coral do Centro Cultural Guaraoby.
Diante das dificuldades que o Coral passou como ele conseguiu sobreviver durante estes 30 anos?
R: Como se usa falar, a cada dia tem que se matar um leão. Nós tivemos momentos bonitos com certeza. Tivemos conquistas, apoio também com certeza, mas tivemos também muitas dificuldades, às vezes muito próximos ao fechamento das atividades. Isso não seria bom, uma vez que dentro de nossa história temos um lastro de ações e atividades culturais bastante significativas. O Coral enquanto instituição constituída foi o grande vinculador de toda a ação Funarte a partir exatamente daquela reunião de 1976 e nós tivemos o privilégio enquanto douradense de ter sido a primeira cidade interiorana a ter a ação Funarte começando pelo projeto Vila Lobos. Depois veio o projeto rede nacional da música que era voltado a música erudita, oportunidade que Dourados teve de teve o privilégio de ter aqui artistas renomados internacionalmente inclusive e foram momentos fantásticos. Mais para frente um pouco, por terem sido passadas as ações para a Fundação de Cultura. Até por sempre acharmos que por ser fundação teria bem mais possibilidade de veiculação do que nós, enquanto entidade foi levado a efeito, ao palco, o Projeto Pixinguinha que foi paralelo à rede nacional da música. Foi o lado popular da música e tivemos aqui nomes fantásticos, como Inezita Barroso, Zizi Possi, Jorge Aragão, Jane Duboc, duas ou três dezenas de grandes nomes perfeitamente consagrados não só nacional como internacionalmente. Claro, sempre tendo dificuldades, mas elas existem até hoje, pois não é fácil manter entidade volta a cultura. A gente espera mesmo assim continuar caminhando para que nós tenhamos mais eventos, ações a serem feitas pela frente.
Qual a participação do poder público na manutenção do Coral Guaraoby?
R: Nem sempre nós tivemos apoio do poder público. Mas a gente não pode também deixar de reconhecer que tivemos. Um apoio significativo foi na época do saudoso prefeito Luiz Antônio. O professor Luiz Antônio enxergava este aspecto de uma maneira bastante abrangente e foi a única época que enquanto funcionário municipal estive a disposição do Coral. Uma época muito interessante onde nós conseguimos caminhar bastante neste sentido porque havia esta disponibilidade. Mas nós tivemos posteriormente em outras administrações outros convênios, não tão grandes, mas significativos para que nós pudéssemos continuar caminhando. Sem dúvida alguma nós temos que ressaltar isso porque na verdade os convênios feitos com a Fundação de Cultura nunca foram paternalistas. Simplesmente toma o dinheiro que nós fazemos, existia partida e contrapartida. Como nós dispomos de espaço, ele sempre está à disposição, isso faz parte do convênio. O espaço serve para reuniões, para Congressos, para uma série de atividades e paralelamente a isso o Coral também sempre está a disposição. No caso de uma solicitação da Fundação Cultural e de Esportes de Dourados (Funced), temos que fazer todo o possível para atender. Nós não trabalhamos com pessoas que são profissionais de canto, são profissionais de diferentes empresas e nem sempre é tão simples assim a gente reunir estas pessoas para estas atividades. A gente tem que ressaltar que estes apoios embora não muito grande foram suficientemente importantes para que nós não paralisássemos as atividades. Por várias vezes ocorreu esta preocupação de paralisação, isso houve sim é um fato, mas graças a Deus estamos ainda estamos caminhando.
Dá para se ter uma ideia de quantas pessoas passaram pelo Coral durante estes 30 anos?
R: Com certeza algumas centenas, de imediato não saberia o número, mas se nós fossemos fazer um levantamento nos arquivos do Coral a gente teria condições até de dar o número exato, mas com toda certeza várias centenas. Para se ter uma ideia só os cursos do projeto Vila Lobos não tiveram menos uns 150 participantes, só neste montante de pessoas que estiveram ligadas a nós já dá um número significativo. Nós temos o cadastro destas pessoas e ficamos muito satisfeitos por tantas pessoas terem passado por nós e até sendo profissionais fora de Dourados e com isso levando o nosso nome, do Coral e da cidade como um todo.
Como a população de Dourados tem reagido às apresentações do Coral?
R: Não sei se nós somos privilegiados ou não, mas nós sempre fomos bem recebidos em todos os concertos que nós temos feito. Para se ter uma idéia em um dia que nós fizemos um concerto na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), na cidade havia eventos de grande porte e o espaço estava literalmente tomado. Isto revela que o trabalho que nós desenvolvemos é bem aceito. Faz parte até da cultura do povo porque nós temos a preocupação de também nisso formar público, clientela, uma vez que nós não temos uma tradição tão acentuada, diferentemente de Campo Grande que tem um trabalho mais profundo onde existe uma centena de corais em atividade. Nós em Dourados temos relativamente pouco e de qualquer maneira é um trabalho que nós vamos continuar fazendo para que esse lado também possa ser visto como interessante e culturalmente até com baixo custo porque a atividade de coral é uma das atividades mais baratas, culturalmente falando. O povo é muito receptivo e talvez houvesse necessidade que fossem dadas mais oportunidades, que o povo tivesse mais oportunidade, porque a gente enquanto Associação pudesse estar mais vezes de encontro com a população. Nós temos um repertório muito diversificado até o regional que é nosso forte e até música sertaneja. Um repertório eclético, aberto e que tem mostrado as pessoas que fazer coral, erroneamente do que se pensa não é só coral ele pode ser um elemento muito importante da atividade cultural em diversos aspectos, abrangendo um mundo bastante significativo.
Nunca se pensou em ampliar o projeto Guaraoby para que ele fosse levado de encontro às camadas mais populares? R: Há algum tempo atrás nós já fizemos até um projeto com respeito a isso, claro que pra se por em prática um projeto neste sentido mais órgãos deveriam entrar somando. São muitas as despesas, dentre elas de deslocamento e existem outras dificuldades neste sentido, mesmo porque nós não podemos chegar em uma escola ou um lugar qualquer sem ter o apoio de quem está gerindo aquele espaço. Temos tido diversas oportunidades de cantar em algumas escolas e creio que seria muito interessante ser a gente pudesse fazer isso. Muitas vezes somos solicitados para nos apresentarmos em quadra de esportes. A quadra de esportes, via de regra não serve para este tipo de atividade. Normalmente a acústica não é boa. Deve-se ter uma aparelhagem boa, no caso. Outro detalhe a quadra foi feita para a prática do esporte, para jogar, torcer, enfim estar envolvido com o esporte. E este conceito permanece mesmo quando existe uma atividade permanente. Normalmente se tem conseguido uma atenção, ainda que relativa que esteja desenvolvendo uma atividade cultural seja ouvido, visto, o que a gente não pode é estar em eventos onde você está fazendo alguma coisa e as pessoas não estão nem aí. Isso é ruim para quem está fazendo e educadamente, culturalmente não resulta praticamente em nada. Eu acho que nós estamos muito atrasados em vermos as nossas escolas com atividades diferenciadas. Foi aprovado recentemente a obrigatoriedade da volta da música nas escolas, mas o problema está em quem vai fazer, onde está o elemento humano que vai trabalhar isso. Porque lamentavelmente nós não temos material humano. Pode ser que futuramente isso mude porque nós temos uma faculdade de música do Estado. Mas que fiquem bem claro que é uma profissão como qualquer outra e portanto existe a necessidade destes profissionais serem pagos como qualquer outro profissional. Acha-se que regência, estar à frente de um grupo deve ser um trabalho voluntário, porém todo profissional tem que gerir a própria vida e nem sempre é simples assim. Este aspecto é interessante, mas ao mesmo tempo problemático. Esta aprovação da música nas escolas é resultante de um Congresso que nós participamos na década de 80 para que se fosse revista esta questão porque a música foi tirada das escolas em um determinado tempo. Há mais de duas décadas nós não temos mais isso, para retomar o caminho sabemos que as dificuldades existem e começam exatamente pelo material humano. Se não forem colocados profissionais adequados como em qualquer área não haverá bons resultados.
Como foi construído este seu envolvimento com a música? R: Eu tive o privilégio de ter estudado em colégio de padres, onde o crescimento humano sempre foi muito profundo. Neste aspecto a música sempre foi uma das coisas mais importantes e eu fazia parte dos corais e estudei gregoriano, formação básica, digamos, toquei em banda, orquestra, fui um privilegiado mesmo neste aspecto. Quando me mudei para o então Mato Grosso em 1.966 dentro da gente ficou sempre aquela possibilidade de haver envolvimento com a música. Quando saí de Rio Brilhante para Dourados e começando com aquela equipe litúrgica todos aqueles estudos me foram extremamente úteis e passei a trabalhar diretamente o ser humano da área vocal, área coral, porque o instrumento é o próprio ser humano. Não é um instrumento assessório, mas ele é o próprio instrumento, isso é muito bom porque a gente faz do próprio sentido, do próprio agir o seu veículo de transmissão de mensagens. Quanto mais cuidado com respeito às mensagens melhor será a sua ação de encontro com um mundo um pouquinho melhor cada vez. Eu gostaria muito de estar em uma Orquestra como tive a oportunidade, mas eu sou um apaixonado pelo canto coral, uma vez que é um canto apaixonante porque são seres humanos, buscando um objetivo comum, embora com diferenciações muito pessoais.
Qual a diferença entre lidar com o instrumento e o ser humano como instrumento, como é o caso do Coral? R: No caso do instrumento, vamos citar o violão, por exemplo, a partir do momento que a gente domina a técnica do violão a gente passa a dar a ele a nossa alma, transfere para o instrumento aquilo que a gente sente ele tem que saber o que o instrumento pode lhe dar de alternativa. Trabalhar com o ser humano é um pouco, além disso, além do conhecimento, do aproveitamento das próprias potencialidades da voz e do próprio instrumento que ele é enquanto instrumento físico, que vibra e que age sonoramente. Existe o lado da psicologia, que faz qualquer pessoa ser diferente de um instrumento qualquer que é aquela essência do ser humano enquanto ser humano e nisto ocorre algumas dificuldades um pouco maiores. Trabalhar com o ser humano depende de um cuidado um pouco maior porque a gente tem que ter cuidado de ir somente até onde começa o direito do outro. Eu não posso no mundo da outra pessoa por nela o meu mundo, não é por aí. Então a complicação surge neste aspecto porque o instrumento físico ele exige toda uma técnica e o artista passa a transferir para o instrumento a sensibilidade e a sua alma. A partir do momento que o próprio ser humano passa a ser um instrumento de modo geral o resultado é um pouco mais imediato. A alma, a sintonia, o espírito, a sintonia é de cada um. Aflora muito mais facilmente ao mesmo tempo em que é difícil lidar pois instrumento físico é uma coisa e ser humano é outra.