19/09/2012 14h35 - Atualizado em 19/09/2012 14h35
Mário Cezar Tompes da Silva*
Já há algum tempo observamos uma sucessão de matérias na imprensa local advertindo sobre a deterioração das condições do trânsito douradense. As preocupações divulgadas na imprensa relacionam-se, por um lado, ao surgimento de congestionamentos, ainda que pontuais. Embora circunscritos a algumas vias centrais e limitados aos horários de pico de movimento, eles configuram uma tendência que tende a evoluir, provavelmente a agravar-se. Por outro lado, aquelas preocupações alertam, para consequências bem mais graves expressas, por exemplo, no crescente número de acidentes, muitos com vítimas fatais.
E essa parece ser uma situação paradoxal, porque quanto mais o poder público desencadeia ações no sentido de disciplinar e dar maior fluidez ao nosso trânsito (subtraindo ciclofaixas, introduzindo faixas adicionais para circulação de veículos, adicionando semáforos etc), mais a situação tende a agravar-se.
Esse agravamento fica patenteado nas estatísticas do Detran local. O número de acidentes no trânsito douradense encontra-se em ascensão. Em 2010, tivemos registro da ocorrência de 2.629 acidentes que produziram mais de 1.754 vítimas não fatais e 40 óbitos. Já em 2011 esse quantitativo saltou para um total de 2.700 acidentes com 1.894 vítimas não fatais e, mais grave, 43 óbitos.
Frente a essa evolução trágica do número de acidentes e à sensação cada dia mais frequente de que as vias, sobretudo do centro, estão se tornando cada vez mais lentas e congestionadas, somos naturalmente levados a nos questionar sobre que fatores são responsáveis por produzir esse resultado? E, principalmente, como enfrentá-lo?
Essa situação deve-se, evidentemente, a um conjunto de motivos, mas gostaríamos de destacar aqui um dos principais responsáveis por esse agravamento do nosso trânsito. Ocorre que a atual política de mobilidade urbana em nosso município, aliás, como ocorre na maior parte dos municípios brasileiros, tem priorizado um único modal de transporte urbano: o automóvel particular. A mobilidade urbana para funcionar a contento necessita focar os diversos modais (carros, ônibus, trens urbanos, ciclovias etc.) e promover uma integração entre eles.
Sejamos francos, a maior parte das soluções aplicadas e, sobretudo, as maiores somas de recursos direcionados à mobilidade em nossa cidade são destinados a criar mais facilidades para o uso dos automóveis (transformação de canteiros centrais em estacionamentos, substituição do calçadão da Nelson de Araujo por pista de rolamento, eliminação de ciclofaixas para ceder mais espaço para os carros, condicionar a aprovação de novas construções à garantia de vagas para estacionamento, emparedamento de córregos para implantação de vias marginais, construção de avenidas, pontes e viadutos para servi-los prioritariamente etc.) a ponto da mobilidade ser reduzida à mobilidade para o carro.
Essa preferência descabida de nossa política local pelo transporte individual e o pouco caso com as demais modalidades de deslocamento na cidade: transporte coletivo (em Dourados apenas o ônibus), ciclovia, pedestrianismo (calçadas e sinalização para pedestres), termina empurrando a todos (pelo menos a todos que possuem condições) a optar pelo carro particular.
O resultado disso é o crescimento desmedido da quantidade de veículos na cidade. Conforme as estatísticas oficiais nos esclarece a frota de veículos do Município que em 2010 somava 93.054, atingiu em 2011 um total de 105.289. São mais 12.235 automóveis novos no prazo de apenas um ano que passaram a compartilhar e entulhar as vias da cidade. Com a continuação da atual política local de prioridade para o carro particular, o pouco caso com os transportes coletivo (ônibus) e alternativo (ciclovias) e o pedestrianismo é de se prever que nosso problema de trânsito não só perdurará, mas certamente tenderá a se agravar nos próximos anos.
Já é tempo de se perceber que a tentativa de equacionar os problemas do trânsito abrindo mais espaços para o automóvel é como enxugar gelo. Quanto mais prioridade dispensa-se ao carro, quanto mais facilidades são oferecidas para ele, mais as pessoas são induzidas a adotá-lo, mais nossas ruas serão estranguladas com congestionamentos, as cidades com poluição e mais vidas continuarão sendo sacrificadas.
*Professor de Planejamento Urbano da UFGD. E-mail: [email protected]