13/05/2014 16h47 - Atualizado em 13/05/2014 16h47
Mário Cezar Tompes da Silva*
Já há muitos anos sou cliente dos pães integrais feitos pela dona Cida. Ela é uma senhora que, apesar de já ter ultrapassado os 70 anos, encontra-se em excelente forma física. Provavelmente sua disposição e ótima saúde se devam, em boa parte, ao fato dessa senhora circular a pé, fazendo longas caminhadas pela cidade, a fim de entregar o seu apreciado pão integral nas casas de sua extensa e fiel rede de clientes.
Há algumas semanas estive na casa dela para acertar o pagamento dos meus pães e a encontrei seriamente machucada – o joelho esfolado. Consequência de uma queda provocada por um problema que, de tão banal, já nem desperta mais surpresa ou indignação: o estado deplorável das calçadas douradenses. Dona Cida ficará um bom número de dias sem poder caminhar para distribuir seus pães e garantir seu sustento.
Esse episódio, embora represente um drama particular é muito mais frequente em Dourados do que aparenta. Suspeito que em nossa cidade existem uma legião de donas Cidas vitimadas por calçadas esburacadas, desniveladas, interrompidas por obstáculos ou simplesmente inexistentes. No entanto, diferentemente dos acidentes de trânsito convencionais, isto é aqueles que acontecem na rua, os que tem por palco a calçada não integram as estatísticas do trânsito. Também na maior parte das vezes, as vítimas não fazem registro oficial algum a fim de denunciar a situação de calamidade e perigo de nossos passeios públicos. Assim, embora produzam cotidianamente dramas e transtornos reais para suas vítimas, tais acidentes são invisíveis para o conjunto da sociedade.
Quando uma comunidade despreza suas calçadas – vítimas da ausência de manutenção, da desconsideração do poder público e de sua exclusão das estatísticas – ela está passando uma mensagem muito clara para os seus integrantes: não circulem pela cidade como pedestres! Estes, assim que possível, migrarão da condição de pedestres para a de motoristas. Contribuirão para agravar ainda mais o caos do tráfego com a introdução de novos carros e motocicletas.
O pouco caso com as calçadas é lamentável, pois elas são ingredientes indispensáveis para a produção de boas cidades. Distintamente do que se imagina elas não servem apenas para a circulação das pessoas. E isso por três motivos.
Em primeiro lugar, as boas calçadas são responsáveis por gerar um benefício insuspeito: mais segurança! Isso ocorre porque elas estimulam as pessoas a utilizarem as ruas na condição de pedestres. Passeios públicos movimentados, com muita gente circulando afastam os meliantes e também o medo, sempre presente quando transitamos por ruas desertas.
Jane Jacobs, uma urbanista famosa, nos explica que os pedestres são os “olhos da rua” e como tais são poderosos inibidores do crimes no espaço público. Segundo ela enfatiza, manter a segurança urbana é uma função fundamental das calçadas. Quando as desprezamos estamos contribuindo para promover a insegurança e o medo nas cidades.
Em segundo lugar as boas calçadas geram cidades saudáveis. O estilo de vida contemporâneo nos induz ao sedentarismo resultante de longos períodos de tempo sentados seja no trabalho de escritório ou em nossos momentos de lazer em uma poltrona em frente à televisão ou então quando nos deslocamos no carro. O resultado desse imobilismo é o crescimento dos índices de obesidades e deterioração das condições de saúde. Parte da resposta para esse problema é estimular as pessoas a caminharem. Pesquisas recentes na área de saúde sustentam que necessitamos dar 10.000 passos/dia para termos uma vida saudável.
As boas calçadas oferecem um convite convincente, não apenas para as pessoas caminharem, mas fazerem isso em conecção com suas atividades cotidianas, assim como faz a dona Cida ao entregar seus pães. Mas, para que esse convite seja aceito por um número expressivo de pessoas, as calçadas necessitam receber um tratamento oposto do que recebem atualmente em nossa cidade. Precisam ser padronizadas, mais largas, dotadas de pisos de melhor qualidade, bem niveladas, sem obstáculos que dificultem a circulação, serem dotadas de árvores e marquizes que produzam sombreamento e receberem sinalização para os pedestres. Em terceiro lugar as boas calçadas contribuem para gerar cidades sustentáveis. Passeios públicos de boa qualidade e confortáveis incentivam as pessoas a deixarem o carro na garagem e caminharem, sobretudo se seu destino envolver distâncias mais curtas. Isso reverte em menos consumo de energia (combustível fóssil), menos poluição e menos congestionamento de trânsito.
Em Dourados, como na maior parte das cidades brasileiras, possuímos duas classes de calçadas: As que constam na lei e as que existem na realidade, infelizmente estas últimas são as que a população se defronta no seu dia a dia. As primeiras são quase irretocáveis na perfeição que prometem. Já as segundas são normatizadas pela pelo caos e o descaso. São um pesadelo para as pobres criaturas que são obrigadas a utilizá-las. E o que permite que a calçada ideal da lei se transforme na calçada pesadelo da realidade é essencialmente a omissão do poder público.