27/07/2014 10h26
A cada dois meses surge uma doença de origem animal. A média anual é de cinco novas enfermidades desse tipo, de acordo com estudo retrospectivo de 335 episódios infecciosos emergentes em um período de 64 anos, de 1940 a 2004.
Esse quadro é um das principais preocupações para a produção de alimentos para os próximos 40 anos, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Atualmente os agentes das doenças animais são os que mais ameaçam a estabilidade dos sistemas produtivos.
Dados publicados no relatório da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), sobre Ameaças de Epidemias Emergentes, mostraram que mais de 60% dos patógenos humanos ocorridos no último século são de origem animal ou zoonoses - doenças transmitidas de homens para animais e de animais para humanos.
E o Brasil tem uma razão em particular para se preocupar: o relatório apontou a região Amazônica como um dos locais em que novas doenças vieram à tona no passado.
A pesquisadora Janice Zanella, da Embrapa Suínos e Aves e presidente do portfólio Sanidade Animal da Embrapa, lista alguns motivos para essa incidência: "As cidades estão crescendo, invadindo novos hábitats, as pessoas estão morando mais próximas de regiões antes não habitadas e os cursos dos rios estão mudando. Isso faz com que vírus e bactérias antes restritos a determinadas regiões se desloquem", explica.
A mudança do clima também tem sido apontada como motivo para a evolução de patógenos. Isso porque o aquecimento global e as alterações ecológicas facilitadas pelo uso da terra têm modificado os chamados hot spots, locais com maior propensão para que doenças emergentes e com maior probabilidade de infecção se apresentem.
Além de afetar diretamente a segurança alimentar e a saúde humana, prejuízos na economia também preocupam. A proteína de origem animal lidera hoje a exportação do agronegócio brasileiro.
Dados da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) revelam que, caso a produção seja interrompida, as consequências vão desde o desequilíbrio no suprimento de carne para a população humana ao aumento da pobreza no campo em todo o mundo. Sem contar as perdas comerciais que vários países teriam por causa do status sanitário.
Daí a importância estratégica de se investir em pesquisas na área de saúde animal. De acordo com Janice Zanella, é preciso estar atento ao problema. "Existem formas de prevenção do surgimento de epidemias e pandemias.
É necessária uma excelente vigilância sanitária que acompanhe os rebanhos e áreas de risco e que sejam feitos estudos de epidemiologia molecular.
Levantar se determinados vírus em dadas populações estão evoluindo, e mudando, se as vacinas estão ou não funcionando ou, ainda, se é o caso de uma amostra nova que está circulando naquela região", afirma.
Para a pesquisadora, que coordena o portfólio de sanidade animal da Embrapa, a pesquisa, capaz de gerar conhecimento e ferramentas, aliada a parcerias, é a solução de problemas sanitários para as cadeias de produção animal do Brasil. "Nós temos as ferramentas, o conhecimento e parceiros.
Que essas forças se unam para poder estudar uma estratégia e evitar que o Brasil seja berço de uma doença emergente, o que pode prejudicar nossa economia e saúde", diz.
A estratégia já está sendo traçada para que o País se defenda de possíveis barreiras não tarifárias no comércio internacional ou de fatores que possam afetar a produção animal.
O importante, segundo a pesquisadora, "é produzir com baixo custo, poupando trabalho do produtor e com menos impacto ao meio ambiente e, principalmente, prevenir as doenças para reduzir o impacto econômico dentro e fora da porteira e nas importações e garantir um produto seguro para o consumo".
A prevenção e o controle de agentes de doenças são prioridades da pesquisa em sanidade animal. Na Embrapa, as ações estão dividas em três vertentes: segurança alimentar, apoio à defesa sanitária (doenças emergentes, exóticas ou aquelas que já ocorrem no País e são riscos para a exportação) e doenças de produção, com as quais os rebanhos convivem, mas que causam prejuízos econômicos.
A ideia é proteger a produção e a competitividade das cadeias produtivas de carne bovina, suína, de frango, caprina, ovina, equina, bubalina, além daquela derivada das atividades aquícolas (peixes, crustáceos e moluscos).
E também das cadeias de outros derivados, como a de ovos e a de leite. "Os resultados que queremos obter devem proteger e assegurar a segurança da pecuária nacional por meio da detecção, prevenção, controle e tratamento dos agentes das enfermidades animais", afirma Janice.
Segundo a OIE, 75% das doenças de origem animal existentes provêm dos animais silvestres. O desequilíbrio entre animais selvagens e animais domésticos é uma das razões do aumento das transmissões de agentes patogênicos.
A pesquisadora da Embrapa Pantanal Aiesca Pelegrin concorda com Janice sobre o fato de a expansão das populações ter aumentado o contato com esses animais.
"A ocupação humana de alguma forma interferiu nos hábitos das espécies silvestres e essa aproximação facilitou a transmissão de microrganismos que estavam equilibrados na natureza", explica.
A abordagem da pesquisa com animais silvestres prioriza estudar a relação entre essas espécies e as domésticas que utilizam o mesmo ambiente, como ocorre no Pantanal.
"O foco é a transmissão de agentes, a distribuição e a identificação das espécies, biotipos ou sorotipos relacionados aos impactos desses agentes nos animais de produção e nas próprias populações silvestres, de forma a amparar e aumentar a efetividade dos programas sanitários", afirma Aiesca.
Segundo a pesquisadora, um bom instrumento para identificar doenças nos animais são os testes diagnósticos, que devem ser validados para as espécies nas quais serão empregados, sejam essas espécies de produção ou silvestres.
"Vale lembrar que testes diagnósticos utilizados para uma determinada espécie podem não funcionar em outras, ou seja, o que utilizamos com os bovinos pode não detectar a doença em outras populações."
É consenso entre especialistas de todo o mundo que há dificuldades em se traçar uma estratégia de controle de doenças em animais selvagens.
É necessária uma melhor gestão dos programas sanitários que envolvam espécies silvestres, o que somente é viável por meio de uma investigação epidemiológica cuidadosa e avaliação de impacto ambiental. Segundo Aiesca, isso significa que é necessário dispor de informações sobre como o agente circula.
"Precisamos saber quais espécies são afetadas, quais as áreas onde ocorrem e como são as relações de contato e uso de espaço comum que elas mantêm.
Como em qualquer doença de humanos, para podermos prevenir, temos que saber como a doença se comporta na população e assim podermos traçar estratégias de prevenção e controle"
Para facilitar a atuação nessa área, os cientistas vão poder contar também com o novo Centro de Informações em Saúde Silvestre, lançado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
No espaço, que é virtual, estará reunido todo o conhecimento sobre o tema, que ainda hoje é disperso. Segundo a coordenadora do projeto, Márcia Chame, da Fiocruz, as informações vão "auxiliar na correlação entre saúde silvestre e a humana, e consequentemente na prevenção de doenças".
Dentre os objetivos do Centro, o principal está em oferecer uma nova ferramenta tecnológica. De acordo com a pesquisadora, a coleta de dados coletiva será capaz de "gerar informações que contribuam para a meta brasileira de garantir a sustentabilidade e a conservação dos ecossistemas e da biodiversidade até 2020".
Ela destaca ainda a oportunidade de poder se antecipar à emergência ou à ocorrência de doenças silvestres que possam afetar a saúde humana. (Com informações da Agência Fiocruz de Notícias / (Embrapa Suínos e Aves)