03/12/2014 07h28 - Atualizado em 03/12/2014 07h28
Moisés da Silva/ Juiz Federal
Estamos num momento de revisão de conceitos. Legalidade, democracia, e principalmente responsabilidade são postos à prova.
O plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e a Lei orçamentária fazem parte do arcabouço legislativo que instituem a programação das despesas e receitas que o gestor precisa executar, e principalmente administrar. Este precisa prever com parcimônia as receitas e encarar com seriedade as despesas, senão pode conduzir as finanças públicas ao descalabro financeiro.
O descumprimento, em tese, sujeita o governante aos rigores da Lei de Responsabilidade Fiscal. De estatura de Lei Complementar, o regramento completa quatorze anos, e se espelha na Lei de Responsabilidade Fiscal Mexicana. A história nos revela que o aludido diploma veio como imposição do presidente do FMI, Michel Camdessus, quando os títulos brasileiros não apresentaram a liquidez necessária para que fossem negociados e a dívida pública pudesse ser adiada. Para que não declarássemos uma moratória, o aludido fundo condicionou a obtenção do empréstimo à implantação da lei mexicana.
Enquanto os mexicanos, recentemente, alteraram sua lei de responsabilidade fiscal, aperfeiçoando-a, no escopo de fortalecer as finanças públicas, vivemos um momento totalmente oposto. Recentemente, revelou-se que dezesseis unidades federativas não cumpriram metas fiscais fixadas em lei, mais precisamente Lei de Diretrizes Orçamentárias. Somente Bahia, Pará, Maranhão, Tocantins, Goiás, Mato Grosso, Ceará, Rio Grande do Norte, São Paulo e Paraná se ativeram à obrigação de não gastarem mais do que arrecadam, cumprindo as metas estipuladas.
Toda pessoa física, natural e jurídica se submete à rígida obediência de não despender mais recursos do que aufere. É comum membros familiares discutirem o que fazer com os salários de seus integrantes, como pagar a conta de luz, água, supermercado, financiamento, discutindo o orçamento familiar, enfim, viver com o que ganham. A consequência primordial desse descumprimento se resume a uma palavra, dívida, e com ela não haverá acesso ao crédito, a renda encolherá, diminuindo a geração de riqueza, e o usufruto de bens será posto em cheque.
Isso ocorre com os cidadãos e empresas normais, mas não com os governos que contam com a boa vontade dos agentes do mercado que lhe emprestam dinheiro, mas exigem-lhe juros maiores. Com isso, o tamanho da dívida só aumenta deixando uma herança negativa para os próximos governos, encarregando os futuros gestores de descascar o abacaxi. O governante que atenta contra a higidez fiscal literalmente avança sobre o mandato do futuro gestor, ganhando mais do que quatro anos de governo, usurpando a soberania popular que lhe outorgou somente um período de governo.
No estudo evolutivo dos direitos humanos, testemunhamos a criação de direitos fundamentais individuais, sociais e transgeracionais, estes encontram no meio ambiente e consumidor seus exemplos mais contundentes porque seus titulares não se resumem à atual, mas também às futuras gerações. Assim, enxergamos na responsabilidade fiscal mais um caso de direto que ultrapassava uma geração porque a dívida criada numa geração será administrada por outra.
Ainda que não esteja elencado expressamente como direito fundamental no rol do artigo 5º.Em nossa Constituição Cidadã, é previsto implicitamente nos princípios por ela adotados. A constituição expressamente prevê como crime de responsabilidade, atos do presidente da república que atente contra a lei orçamentária (artigo 85, VI). Ainda, não se tolera, art. 167:o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual, a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais, a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes, a concessão ou utilização de créditos ilimitado. Ademais, a defesa ao patrimônio público materializa-se por meio da ação popular e ação civil pública reforçando a necessidade de preservação do direito à responsabilidade fiscal dos governantes.
Como consectário desse entendimento, não poderá uma lei nova que revogue a lei de responsabilidade fiscal, ou que autorize o governante a gastar além de seu orçamento. É direito público subjetivo ao desenvolvimento econômico sustentável, aquele não predatório, pois é nosso dever, garantir deixar para os nossos filhos uma situação melhor do que a encontramos.