02/04/2015 08h29
Com uma produção ainda marginal, resultado do início da operação de algumas usinas no Brasil, Estados Unidos e Itália, o etanol celulósico vive um momento delicado.
Nota-se, claramente, um ajuste de expectativas sobre os prazos de desenvolvimento do combustível pelo mundo e desânimo em relação às perspectivas de curto e médio prazo.
Na semana passada, em evento que reuniu executivos do setor sucroenergético em São Paulo, o tom de incerteza quanto à nova tecnologia ficou ainda mais evidente, com a confirmação, por parte de empresas como GranBio, DuPont e Raízen, de que a aposta, longe de estar completamente madura, encontra-se numa fase de ajustes e aprendizado.
A euforia protagonizada pelos principais players do mercado, até pouco tempo com ambiciosos planos de expansão, parece der dado lugar ao tamanho do desafio que a nova indústria vive.
Enquanto antes os ambiciosos planos de expansão ganhavam destaque, agora os executivos sequer mencionaram a construção de novas unidades.
Diante de uma plateia ambientada, a fala de executivos como o vice-presidente da GranBio, Alan Hiltner, e Pedro Mizutani, vice-presidente da Raízen, evidenciaram o novo tom adotado pelos líderes do etanol de segunda geração no Brasil.
“Temos várias plantas que começaram a operar no mundo e todas tiveram problemas”, disse Mizutani.
A afirmação do executivo da Raízen é apenas uma das várias que apontam para as dificuldades das primeiras usinas, que enfrentaram desafios no comissionamento, problemas com a importação de equipamentos e gastos que não estavam no orçamento.
Questionado sobre a construção de novas usinas, o vice-presidente da Raízen foi enfático ao dizer que os planos “ainda são incertos”.
Indagado pelo portal novaCana a respeito do que dependia o sucesso do etanol celulósico, Mituzani condicionou a redução de custo de produção do E2G.
"À medida em que o custo de produção e a tecnologia se tornam economicamente viáveis, você pode pensar em fazer expansões para outras usinas”, afirmou.
Já a GranBio, que recorre ao mercado para captar 280 milhões, disse que mantém seu plano de construir dez fábricas no próximos dez anos e está com o projeto e parcerias da segunda unidade já em desenvolvimento. A empresa só voltará a falar sobre expansão quando a operação da primeira unidade estiver perfeitamente azeitada.
O aprendizado e o ajuste de expectativas pelos quais a nova indústria passa ganhou a atenção do Banco Nacional de Desenvolvimento e Econômico e Social (BNDES), o principal incentivador do E2G no país.
Em linha com a previsão recente da Novozymes, que espera o amadurecimento do que chama de “primeira onda” de desenvolvimento da indústria, o banco de fomento brasileiro projeta que o custo de produção do biocombustível ficará abaixo do de primeira geração “até 2020”.
Em estudo conjunto com o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) divulgado na semana passada, o banco afirmou que, hoje, o custo de produção do litro de etanol 1G está na faixa de R$ 1,10, enquanto o de 2G, em R$ 1,50.
A expectativa, no entanto, é que esses valores fiquem entre R$ 0,90 e R$ 0,70 e entre R$ 0,70 e R$ 0,50, respectivamente, por volta de 2020.
Refletindo este novo ajuste de expectativas, a Novozymes, uma das principais fabricantes de enzimas do mundo, já havia sinalizado ao mercado, no início deste ano, de que espera um amadurecimento da indústria um pouco mais tardio do que projetado anteriormente.
Em relatório financeiro publicado no dia 20 de janeiro, a dinamarquesa revelou que sua expectativa de fornecimento de enzimas foi adiada em três anos.
A meta era fornecer a sua tecnologia para pelo menos 15 usinas até 2017, agora, o prazo foi estendido para 2020.
Não obstante os indicativos que sinalizam para um amadurecimento mais tardio da tecnologia, os números evidenciam um ponto frágil da nova indústria: a viabilidade do processo em larga escala não foi alcançada.
Levantamento elaborado pelo portal novaCana com base em dados disponibilizados pelas próprias usinas, a EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) e consultorias especializadas, revela que, dos 27 projetos que visam a produção do renovável, apenas oito – o equivalente a 29,6% das plantas anunciadas – foram inaugurados.
A produção destas usinas — que atingem uma produção combinada de 435,7 milhões de litros — ainda é marginal e está longe de ocupar a capacidade prevista.
A constatação reafirma a projeção de que a produção do renovável em escala comercial precisará de um processo de maturação mais intenso.
Processo este que será crucial para a validação da tecnologia em escala global, provando a viabilidade econômica do E2G e destravando os projetos em planejamento.
Com uma produção total estimada em 1,4 bilhão de litros até 2017, a maioria dos 27 projetos anunciados encontra-se em fase de planejamento.
A lista inclui projetos bilionários, como a usina da Brooke Renewables, em Sarawak, na Malásia, que receberá U$ 1 bilhão (R$ 3,2 bilhões) dos acionistas Hock Lee Group, Brooke Asia e Biochemtex Agro, do grupo Mossi Ghisolfi, para a construção de uma planta que processará resíduos agrícolas.
Outra aposta de peso é a construção, na China, da maior usina de etanol celulósico do mundo, com capacidade para produzir 235 milhões de litros de etanol a partir de resíduos agrícolas.
Segundo anunciado, a unidade estava prevista para entrar em operação em 2016 e receberia U$ 325 milhões da Anhui M&G Guozhen Green Refinery, joint venture entre a chinesa Anhui e a italiana M&G Chemicals, da família Ghisolfi.
Considerando apenas as usinas não inauguradas que informaram o início previsto de suas operações – dez de um total de 19 – apenas duas deverão começar a operar este ano: DuPont e Fiberight.
Conforme apurado pelo novaCana, a Petrobras, que faria parte desta lista, não cumprirá o seu cronograma e, portanto, não integra esta relação de usinas que irão operar a partir de 2015. O futuro do projeto 2G da companhia ainda é incerto.
Apesar dos atrasos a perspectiva ainda é otimista. O head de desenvolvimento de negócios da Roundtable on Sustainable Biomaterials (RSB), Matthew Rudolf projetou recentemente que “2015 será o primeiro ano de produção comercial plena [de algumas destas unidades].
Acredito que dentro de três anos teremos uma indústria completa, com muitas empresas jovens e uma série de usinas.”
“Exatamente quantas usinas serão construídas nesta primeira onda do mercado permanece incerto, mas nós esperamos oferecer tecnologia para cerca de 15 usinas operando a plena capacidade até o final da década”, apostou a Novozymes.
Uma versão inicial deste texto informou incorretamente o número de usinas planejadas pela GranBio. O correto são dez unidades e não oito. (novaCana.com)