19/08/2015 15h27
Especialista do Instituto Igarapé avalia que aprovação da PEC 171 trará "impacto duplamente desastroso" para o País.
Às vésperas de a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de número 171 (que trata da redução da maioridade penal) ser submetida a um segundo turno de votações na Câmara Federal, Michele dos Ramos, pesquisadora associada do Instituto Igarapé, concedeu entrevista exclusiva ao Portal Brasil. Na avaliação dela, a aprovação da medida traria "impacto duplamente desastroso" para o País.
"Para mim, é inadmissível que mais jovens na cadeia seja um indicador do sucesso de uma sociedade na busca por mais segurança", lamentou. "Não se pode ignorar a trajetória de vitimização deles e focar apenas na parte criminal", acrescentou.
A especialista vê a diminuição da maioridade penal como "um retrocesso sob dois ângulos". "Ela têm um impacto duplamente desastroso", critica.
"Primeiro, há uma inversão na pauta: ao invés de proteger os jovens, eles viraram bode expiatório; em segundo lugar, impede avanços para reduzir, de fato, a violência".
Em conversa por telefone, Michele afirmou que se sabe muito pouco sobre os homicídios que ocorrem no Brasil.
"Há uma desinformação e é por meio dela que as decisões são tomadas", explicou. "A primeira coisa (para reverter o quadro de violência) é melhorar a investigação, para impedir que os homicídios ocorram", completou.
A pesquisadora do Instituto Igarapé fez menção a diversas estatísticas recentes que revelam não apenas uma redução dos atos infracionais graves, mas igualmente um aumento de adolescentes em regime socioeducativo.
"Dados pouco explorados extraídos do Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo (2002-2011) revelam queda na taxa de homicídios (de 14,9% para 8,4%), de latrocínios (de 5,5% para 1,9%) e de estupros (de 3,3% para 1%)", elencou.
"De 2002 a 2013, o número de jovens em regime socioeducativo foi de 9,5 mil para 23,1 mil: números que destoam da percepção da sociedade de que eles não são punidos", concluiu.
De acordo com Michele, o caso dos Estados Unidos é "bastante emblemático". O País tem a maior população carcerária do mundo, mas o presidente, Barack Obama, tem defendido punições mais justas e a ampliação da ressocialização de ex-detentos.
A pesquisadora salientou a importância de haver, no Brasil, um debate acerca do impacto social do encarceramento.
"No final de seu mandato, Obama tem tentado inverter essa lógica", observou. "A gente está indo na contramão, cada vez mais, de um debate sobre o impacto social do encarceramento."
Alessandra Lunas, secretária de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), compreende que o Brasil detém uma dívida para com a sua juventude.
"Nós somos veementemente contra esse projeto", defendeu. "Não é colocando os nossos jovens na prisão que vamos resolver.
Nós temos outros problemas na sociedade (...), que podem, nesse processo da redução da maioridade, impactar na vida também das mulheres (...), que veem seus filhos, muitas vezes, sem oportunidade".
Durante o evento de abertura da Marcha das Margaridas, a reportagem do Portal Brasil conversou com Maria das Neves, coordenadora da Juventude da União Brasileira de Mulheres (UBM). Em depoimento exclusivo, ela defendeu os 18 anos como o marco etário penal a ser mantido no País.
"Nós afirmamos 'não, não à redução'. Redução não é a solução", disse. "Nós queremos mais escolas, mais oportunidades para a nossa juventude. Nós queremos mais creches, mais educação".(Portal Brasil)