21/08/2015 07h00
A cada dez minutos um brasileiro tomba por conta de homicídio doloso. As vítimas são, em sua maioria, jovens de 15 a 29 anos, negros e pobres – moradores de favelas. Trata-se da perpetuação de uma lógica racista e herdeira do período escravagista.
Além disso, uma pesquisa de 2013 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que, pelo menos, cinco pessoas morrem por dia em confrontos com a polícia.
Instituição essa que é vista com desconfiança por 70% dos brasileiros, enquanto que na Inglaterra 82% da população confiam na polícia, segundo a mesma pesquisa.
Os dados - e as opiniões - foram apresentados pelo promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Thiago Pierobom e pelo coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Ibis Silva Pereira, durante depoimento à CPI do Assassinato de Jovens, na segunda-feira (17).
A situação é prova, de acordo com eles, da necessidade de o país rediscutir a política de segurança pública, bem como o papel do Ministério Público e o do Poder Judiciário.
O coronel Ibis Silva Pereira questionou o papel da polícia em um Estado democrático que deve ser o Brasil. Lembrou que a própria Constituição atribui ao policial a atribuição de preservar a ordem pública, mas ele mesmo questiona o que significa isso.
O que é isso? Que tipo de ordem? Que tipo de atividade? Nós precisamos conceituar melhor as atribuições dos policiais e o próprio sentido de polícia.
O que é polícia em um Estado que se diz democrático de direito. O que é o Judiciário em um país que quer construir uma sociedade livre, justa e solidária, perguntou o policial militar.
O coronel Ibis Silva Pereira admitiu não ter todas as respostas, mas fez algumas propostas. Para ele, é um erro restringir a segurança pública à atuação da polícia.
Defendeu mudanças nesta fórmula inclusive para evitar que o Brasil continue a multiplicar o número de presos. Disse que do final dos anos 1990 para cá a população carcerária foi multiplicada por sete. Eram 110 mil presos e hoje são cerca de 800 mil.
É assim que vamos construir uma sociedade livre? É encarcerando? A principal função do Judiciário em um Estado democrático de direito é impedir e frear o poder punitivo.
Eu penso que essa calamidade e esse morticídio são a maior prova do quanto temos que caminhar para sermos um Estado democrático de direito, analisa Ibis Silva Pereira.
Enquanto isso, o promotor Thiago Pierobom admitiu a timidez do Ministério Público na fiscalização das políticas de segurança pública e no controle externo da atividade policial. Segundo ele, essa última ação existe apenas onde há estruturas especializadas para a função, como o Distrito Federal.
É fato público e notório que houve uma resistência gigante por parte das organizações policiais ao exercício do controle externo. É óbvio que nenhuma instituição gosta de ser controlada, mas aqui no Distrito Federal tivemos importantes avanços com esse trabalho, disse Thiago Pierobom, lamentando, porém que a maioria dos estados ainda não tenha criado essas unidades especializadas do Ministério Público.
A presidente da CPI do Assassinato de Jovens, senadora Lídice da Mata (PSB-BA) quis saber se há saídas em curto prazo para uma situação que considera calamitosa.
Nós que vivemos nas grandes cidades experimentamos a dualidade entre uma população que deseja a ação da polícia para coibir a bandidagem, mas teme a polícia, especialmente nas áreas de periferia, afirmou a senadora.
O promotor Thiago Pierobom respondeu não haver uma receita pronta, mas sugeriu protocolos e rotinas que garantam uma investigação isenta e imparcial nos crimes cometidos por policiais, uma vez que há uma tendência de o sistema penal proteger o réu, “mas esse não deve ser nosso único foco”, alertou.
Há uma necessidade enorme de reformular a política de segurança pública. Temos uma política marcada pela ideia securitária de guerra ao crime, e a guerra produz as suas vítimas. Produz as suas vítimas na população e nos próprios policiais - lamentou o promotor.
O senador Telmário Mota (PDT-RR) levou ao debate contribuições recebidas pelo Alô Senado. Segundo o parlamentar, um telespectador do Distrito Federal – Kleber Roberto Martins – queria saber o que os dois especialistas em segurança pública acham da redução da maioridade penal. Além disso, Telmário disse haver dúvidas, inclusive dele mesmo, sobre a política de combate às drogas.
Na minha visão, a redução da maioridade penal é um paliativo, pois não ataca a raiz do problema. Se o problema da nossa segurança pública fosse mais encarceramento das pessoas nós já teríamos resolvido todos eles, porque somos quase campeões internacionais de número de presos - respondeu Thiago Pierobom.
Já sobre a política de repressão à drogas e sobre a atuação dos policiais, o coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Ibis Silva Pereira, revelou que os agentes militares de segurança vivem com medo, pois, como disse o promotor, eles estão em guerra.
Submeter seres humanos a viver com medo tem um preço. A guerra faz nossos policiais viverem com medo. No Rio de Janeiro morreram 14 esse ano em áreas pacificadas. O resultado disso é ódio, chacina, justiçamento. No Brasil 5% dos inquéritos policiais chegam a algum lugar.
A pessoa acaba fazendo justiça com as próprias mãos, quer seja um policial ou um morador de classe média - alertou o coronel.(Agência Senado)