Por: Uol - 25/08/2016 12h27
Há pouco mais de quatro anos, Luiza Pannunzio ficou sabendo --de forma traumática-- que o filho, Bento, nasceria com uma fissura facial grave. Os meses que se seguiram foram permeados por medo, cirurgias, decisões que hoje ela repensaria e muita, muita desinformação, até por parte dos médicos.
Um ano e meio depois, Bento havia se recuperado bem das três cirurgias, e o tratamento trazia os resultados esperados. Com o coração mais tranquilo, essa mãe de 37 anos, que é comerciante, estilista, escritora e desenhista, resolveu transformar o trauma inicial em algo positivo para outras famílias que sofrem com o preconceito e, sobretudo, com a desinformação ao verem os filhos nascerem com fissuras na face.
As fissuras faciais são malformações congênitas que ocorrem quando o embrião está se formando.
Há basicamente dois tipos. A fissura labial (conhecida por lábio leporino) é uma divisão no lábio superior que pode ser pequena, apenas na área entre o nariz e aboca, ou chegar a atingir o nariz, maxilar e dentes. Já a fenda palatina ocorre quando o palato (céu da boca) não se fecha completamente, também com diferentes graus de extensão. Há vários fatores implicados na causa das fissuras, sendo os principais deles ligados à hereditariedade.
À BBC Brasil, Luiza contou sobre o surgimento de "As Fissuradas" --uma rede com 14 mil inscritos que apoia, une e informa famílias cujos filhos têm problemas semelhantes aos de Bento.
Ela também falou de como reage às perguntas constantes sobre o filho, do abandono de famílias que precisam dos serviços públicos para o tratamento das crianças e da importância de se ensinar às crianças a contar suas histórias para combater o preconceito.
Confira os principais trechos de seu depoimento:
"Faltavam 20 dias para ele nascer. Estava animada, mas um pouco encanada. Não sei explicar, encanação de mãe. Fui fazer um ultrassom, e o médico ficou muito tempo (analisando) a cabeça do bebê. Sem nenhum tipo de preparo, ele soltou a informação: 'Ele tem uma fissura'. Comecei a chorar e então ele mandou eu ficar quieta, dizendo: 'Tem bebê que nasce sem cérebro'.
Foi traumático. Perdi o chão. Fiquei dias sem saber para onde ir, fiquei buscando informações na internet. Hoje, posso dizer que esse foi o pior momento. A espera, a incerteza, a angústia. O medo era tanto que por vezes preferi que ele continuasse para sempre na minha barriga.
Porque tudo o que mais queremos é que o bebê venha perfeito e com saúde. Mas com Bento não foi assim. E não sabíamos a extensão do problema. Quando ele nasceu, vimos que a fissura dele era bem assustadora. Tinha fissura facial, palatina, nasceu sem o canal lacrimal direito e com uma pupila deslocada.
Os primeiros meses também foram bem doloridos. Ele recebia leite por uma seringa. Além disso, foram três cirurgias muito seguidas, sendo que a primeira --hoje sei que foi muito precoce-- deu errado, mas, na época, não tinha como saber, porque a gente não tinha informação.
E eu não queria que nenhuma outra mãe passasse pelo que passei. Por isso veio à ideia das 'Fissuradas', que nasceu para que as pessoas tenham acesso à informação.
Digo que é uma rede de amor ao próximo. Damos apoio de várias maneiras. Uma delas é trabalhando a autoestima do paciente e da família. Porque, muitas vezes, o preconceito começa dentro de casa --e esses bebês, essas crianças ficam reclusas. Temos de deixar claro que essas crianças são lindas, mesmo sendo diferentes. As famílias acabam se isolando, eu mesma me senti muito isolada.