"Tem 10 anos que eu tenho motorista, mas mora longe, demora para chegar e eu vou a pé", declara. Mas o documento de identidade não nega a idade. O baiano completou 100 anos em 14 de julho deste ano. Mais da metade de sua vida, exatamente 65 anos, mora no estado do Mato Grosso do Sul, sendo a cidade de Itaporã sua morada inicial.
Jair Neves de Oliveira viu no estado a oportunidade de uma vida melhor para a família
Por:Vanessa Freixo* - 07/12/2016 07h01
Fotos: Vanessa Freixo
Quem vê Jair Neves de Oliveira andando pelas ruas de Dourados não imagina que o senhor é um pioneiro centenário na região. Isso porque sua saúde e disposição deixam até os mais jovens para trás. Apesar da idade, vai até ao banco sozinho a pé. "Tem 10 anos que eu tenho motorista, mas mora longe, demora para chegar e eu vou a pé", declara. Mas o documento de identidade não nega a idade. O baiano completou 100 anos em 14 de julho deste ano. Mais da metade de sua vida, exatamente 65 anos, mora no estado do Mato Grosso do Sul, sendo a cidade de Itaporã sua morada inicial.
De lá veio para Dourados e há 34 anos se encontra em uma casa na região central de Dourados. Com muita lucidez, Jair relata, logo ao início da entrevista, que a casa que mora foi pensada nos detalhes e mandada fazer por ele. Pai de oito filhos, três já falecidos, tem até bisneta casada.
Viúvo há um ano, ficou casado durante 70 anos e o segredo de todos esses anos: "nós nunca brigamos. Difícil né? Vivemos muito tempo e nunca brigamos. É de admirar. Mas eu fazia os gostos dela", afirma Seo Oliveira, sempre aos risos. Uma recordação que o vem a mente nesse momento é da vez que a esposa reclamou que a tempos não ganhava roupa. Jair foi ao Paraguai e comprou três cortes de tecido de seda. Quando voltou, ela lavou e mandou fazer dois deles. Mas Jair, insatisfeito, lavou o terceiro corte e mandou fazer três vestidos para ela. E a esposa? Claro que ficou feliz.
Em um momento da entrevista, Jair ainda mostrou seu exame cardíaco feito no dia anterior. "Tudo normal, né?", perguntou. Ao que indica o laudo médico, sim, mas na próxima ida ao médico o resultado será confirmado. Com tamanha saúde, impossível não perguntar o segredo para chegar aos 100 anos. "Não tem segredo", disse o centenário, que não sabe dizer como chegou até essa idade, já que sua mãe só viveu até os 26 anos. A alimentação então? Se for isso, então o segredo é uma comida caseira a base de arroz, feijão, carne e ovo. "A melhor comida é arroz e feijão", conta Seo Oliveira.
BAHIA
Nasceu em Abaíra, cidade de aproximadamente 8.300 pessoas, segundo o IBGE, localizada no centro da Chapada Diamantina. Como Jair mesmo lembra, a cidade sobrevive basicamente do plantio de cana de açúcar e fabricação de cachaça. Desde que saiu de lá, já foi visitar a Bahia 10 vezes. Em Salvador, tem duas primas que mantém contato e que sente saudade. Eles só não se veem atualmente devido à idade, pois para viajar é necessário acompanhante e, com os netos casados, já não encontra alguém que tenha disponibilidade para ir junto.
SÃO PAULO
Veio da Bahia para Birigui com 19 anos, fugindo da casa do tio, que não o deixava estudar e o obrigava a trabalhar. O jovem procurou o serviço de imigração, que existia na época, e de lá o encaminharam para o estado de São Paulo, sem custos, para trabalhar na plantação de cana de açúcar. Mas o trabalho era muito pesado e só ficou durante um mês.
"Às vezes me arrependia de ter ido para lá que saia água dos olhos. Tinha um medo de ser enterrado lá em Birigui. Era bobo. Eu queria ser enterrado na minha terra. Mas aí depois eu acostumei", lembra. Quando perguntado sobre sua juventude, ele afirma. "Cheguei em Birigui e fui trabalhar para um japonês na roça de pinhão [depois da cana]. Aí trabalhei uns quatro anos e depois, um dia, eu falei para ele, ‘olha, eu não quero mais trabalhar por dia, quero tocar um pedaço de roça’ e ele falou ‘de que jeito você quer tocar?’", disse. Com isso, Jair ganhou seis alqueires de terra para tocar uma plantação de algodão, além de receber comida, cavalo e arado para isso. "Um japonês muito bom, gostava de mim que só vendo. Eu ia para a Bahia visitar e ele mandava para eu voltar", revela.
Enquanto era responsável pela plantação de algodão, conheceu sua esposa. Viveu assim durante três anos, até vir para o estado do Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul.
MATO GROSSO DO SUL
Veio para o Mato Grosso, na época, em 1951 "tocar lavoura", como diz. Chegou em Dourados de trem com três filhos e a esposa, desembarcando no distrito de Itahum. Passou a noite com a esposa e os três filhos "no chão" e, no dia seguinte, alugou uma jardineira para levar a mudança até Itaporã, onde havia comprado um sítio. "Desembarcamos onde hoje é o Bradesco. Vinha gente de tudo quanto é lugar, do Rio Grande do Sul, do Paraná, do nordeste, tudo aqui", recorda. De lá, Jair arrumou uma carreta de boi para levar os pertences para o sítio.
Trouxe toda a mudança de trem, até um cavalo veio junto. Jair lembra até quanto pagou no sítio que comprou em Itaporã: "eu paguei 18 cruzeiros novos em 20 alqueires de terra. Baratinho!". A terra, segundo ele, era muito barata por aqui na época. E esse foi um dos motivos que o trouxe para cá. O outro é porque a agricultura em Birigui não estava muito rentável.
"Eu gosto daqui, aqui é bom", afirma. Só que o início não foi fácil, Jair conta que a esposa que não queria vir, mas depois que vieram foi ele que se arrependeu. Ela gostou porque era acostumada a morar na roça, mas, para ele, "era tudo sertão, tanto para ir quanto para voltar", dizendo sobre o quanto aqui era vazio e a grande distância entre os locais.
O cultivo no sítio era de milho e café. Jair conta que chegou a ter mil pés de café durante cerca de 10 anos. "Eu vendi muito café aqui por Dourados, mas daí veio a geada e matou todos. Essa região tudo era de café, mas todo mundo largou o café e começou com soja", afirma. Isso nos anos de 1970.
Aposentou como empregador rural e há 34 anos mora em uma casa de esquina próxima ao centro de Dourados. Aproveita os dias como pode, especialmente, com seu hobby preferido no tempo livre: passear. Vai com o motorista Onildo ao mercado, para Itaporã e nas compras no Paraguai. "No Paraguai eu vou direto, gastar dinheiro lá, aproveitar que já estou no fim, né?", ri enquanto conta que suas roupas todas são compradas na fronteira.
*jornalista da Revista Corpo & Mente