A falta de pessoal foi a principal dificuldade apontada pelas pessoas entrevistadas, percepção que se acentua entre delegados e delegadas
Agência Senado - 28/12/2016 14h03
O Instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV) e o Alô Senado, realizou pesquisa inédita em Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) de todo o Brasil.
A falta de pessoal foi a principal dificuldade apontada pelas pessoas entrevistadas, percepção que se acentua entre delegados e delegadas.
Foram entrevistados 625 profissionais de 357 DEAMs, resultando em um panorama sobre as equipes, o treinamento e as dificuldades no trabalho. Os dados foram coletados de 24 de outubro a 7 de novembro.
Na Região Norte, a falta de equipamentos para o trabalho foi citada por mais de um quarto dos policiais entrevistados.
Da amostra consultada, mais da metade afirmou que o número de delegacias é insuficiente para atender a demanda da população local. Esse número chega a 86% na Região Norte e a 63% na Região Sul.
Os policiais que trabalham no atendimento à mulher têm alta escolarização e renda média superior a cinco salários mínimos. 72% são mulheres, 70% têm de 30 a 49 anos e 83%, ensino superior completo.
A maioria (58%) atua no atendimento às mulheres há cinco anos ou menos. Quase um quarto das pessoas entrevistadas possui remuneração maior que 10 salários mínimos.
Além disso, metade dos entrevistados (53%) relatou ter recebido treinamento específico para atender mulheres vítimas de violência. Aproximadamente 40% dos policiais receberam treinamento há até dois anos.
Policiais da Região Norte foram os que mais declararam ter recebido treinamento (62%) e os do Centro-Oeste, os que menos afirmaram ter recebido treinamento (46%).
Uma das principais portas de socorro às mulheres em situação de violência, quase metade das delegacias pesquisadas (48%) atende exclusivamente mulheres, enquanto 42% dividem atendimento com outros grupos, como crianças, adolescentes e pessoas idosas.
Dessas delegacias, 48% têm mais de 10 anos de funcionamento e 79% contam com uma delegada ou um delegado exclusivo.
O levantamento revelou que a integração com o restante da rede ainda é frágil. Em 66% das 357 delegacias pesquisadas, não há serviço de apoio psicológico para as mulheres em situação de violência e 69% afirmam haver sala reservada que garanta a privacidade das mulheres para o registro do boletim.
Quase a metade (45%) ainda não dispõe de salas de espera separadas para agressores e vítimas, embora essa seja uma sugestão da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.
Em 38% das DEAMs, o encaminhamento das vítimas é feito diretamente para o Serviço de Abrigamento Especializado (Casa-Abrigo) e, em 24%, para o Centro Especializado de Atendimento a Mulheres (CEAM).
Embora previstas na Política Nacional, essas instâncias não estão totalmente implantadas: em quase um quarto das delegacias, foi relatado que não existe Casa-Abrigo na localidade e um sexto relatou a inexistência de CEAMs.
A pesquisa revelou ainda que algumas mulheres chegam a desistir de registrar a ocorrência mesmo na delegacia. Isso acontece às vezes ou raramente, segundo as respostas.
Entre as causas que levam à desistência da denúncia, a dependência financeira e o medo do agressor alcançaram os percentuais mais expressivos, ficando em 37% e 24%, respectivamente.
Mais de um quarto dos entrevistados diz que o comportamento da mulher contribui para justificar a violência, embora 57% tenham declarado que a violência contra as mulheres "não pode ser justificada".
A opção que culpabiliza parcialmente as mulheres foi escolhida por 39% dos policiais com mais de 20 anos de experiência no atendimento às mulheres em situação de violência.
Outro trabalho desenvolvido foi o Panorama da Violência contra a Mulher no Brasil, com indicadores nacionais e estaduais.
A partir da análise das diferentes taxas de homicídios de mulheres registradas em cada estado, no ano de 2014, verifica-se que a intensidade da violência letal contra mulheres depende da raça.
À exceção do Paraná, os demais estados registraram uma maior taxa de violência letal contra mulheres pretas e pardas do que contra brancas.
O serviço "Ligue 180" da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) é uma das fontes de dados analisada pelo Observatório da Mulher contra a Violência.
Entre as mulheres que entraram em contato, no ano de 2014, o Balanço do Ligue 180 informa que 52% relataram ter sofrido violência física e que 43% declararam sofrer violência todos os dias.
Os maiores índices do crime de estupro foram registrados nas Regiões Norte e Sul do país. Em uma análise por estado, destacam-se Mato Grosso do Sul, Roraima e Acre, cujas taxas de registro de ocorrências de estupro por 100 mil mulheres são superiores ao dobro da taxa média das outras unidades da Federação.
Uma guerra que deixa marcas indeléveis, como em todas as guerras – observou a senadora Simone Tebet (PMDB-MS).
Para compor o panorama do enfrentamento à violência contra as mulheres, também foi realizado levantamento do número de Unidades Especializadas de Atendimento (UEA) em funcionamento e do montante de recursos repassados por meio de convênios assinados com a SPM, vigentes a partir de 2006.
O Distrito Federal, o Amapá, o Acre e o Tocantins, apresentam mais de três UEAs em funcionamento para cada grupo de 100 mil mulheres, mais do que o triplo da taxa média nacional. Outros estados apresentam um número relativamente reduzido de UEAs em funcionamento, como é o caso do Paraná, Ceará, Bahia e Alagoas.
O panorama apontou o valor, por mulher, transferido pela União, em todo o período de análise (janeiro de 2006 a novembro de 2016), por meio de convênios assinados com a Secretaria de Políticas para as Mulheres para a execução de ações de enfrentamento à violência.
Mesmo em relação ao estado que recebeu mais recursos em termos relativos (o Acre) verifica-se que em todo o período analisado foi destinado o montante de R$ 30,21 por mulher, ou seja, inferior a R$ 3 por mulher ao ano.
Presidido pela senadora Simone Tebet, o Observatório foi criado em março deste ano, como uma plataforma nacional e internacional para reunir dados e elaborar projetos de pesquisa sobre políticas de prevenção e combate à violência contra a mulher.
As estatísticas da violência contra a mulher são subestimadas, e não refletem a dolorosa realidade, mas têm demonstrado a necrose de uma sociedade que banaliza a barbárie.
O Observatório da Mulher contra a Violência torna o Senado Federal uma referência no combate à violência contra a mulher no Brasil e no mundo – afirma a senadora.
Ligado ao Instituto de Pesquisa DataSenado, da Secretaria de Transparência do Senado, o Observatório trabalha em parceria com a Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher do Congresso Nacional, também presidida por Simone Tebet, e a Procuradoria Especial da Mulher do Senado Federal, que tem à frente a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).
A servidora do Senado e coordenadora do Observatório da Mulher contra a Violência, Roberta Viegas, explica que a criação do órgão atende a previsões legais presentes na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) e a conclusões da comissão parlamentar mista criada para investigar a violência contra a mulher, em 2013, entre outras recomendações produzidas nessa direção.
Roberta Viegas destacou o "olhar federativo na avaliação de políticas", que faz o órgão ficar atento para diferenças entre os estados evidenciadas nas ausências, lacunas ou na constância na produção de dados.
Para a eficaz avaliação de uma política pública, com vistas ao seu aperfeiçoamento, é necessária a boa qualidade dos registros administrativos, gerando dados confiáveis, produzidos sistematicamente; e pesquisas periódicas baseadas nesses dados ou que gerem seus próprios dados, esclarece a coordenadora.
O Brasil atualmente não investe nem em um, nem no outro. A avaliação da política é sempre feita a posteriori, ou muitas vezes nem é feita – observa.