São várias as frentes de trabalho em que governo e sociedade reúnem-se para combater essa praga urbana
Blog da Saúde 20/09/2017 14h04
O uso de mosquitos Aedes aegypti infectados com a bactéria é mais uma estratégia que, somada a outras iniciativas, pode reduzir o impacto dessa e de outras doenças no país.
Todo ano é a mesma coisa no Brasil. O verão chega e, com ele, vêm as chuvas. É nesse período que o número de Aedes aegypti volta a crescer rapidamente e as doenças provocadas por esse mosquito (dengue, chikungunya e zika) voltam a transtornar a vida das pessoas.
São várias as frentes de trabalho em que governo e sociedade reúnem-se para combater essa praga urbana.
Uma dessas iniciativas é o projeto "Eliminar a Dengue: Desafio Brasil", promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Pesquisadores descobriram que uma bactéria chamada Wolbachia, muito comum entre outros insetos, quando implantada no Aedes aegypti reduz, e até bloqueia, a transmissão de dengue, chikungunya e zika. Wolbachia
Diante dessa evidência científica, a Fiocruz criou uma "fábrica" que dará mais um passo no combate a essas doenças, com o início da liberação de mosquitos Aedes aegypti com Wolbachia, em larga escala, no município do Rio de Janeiro.
A estrutura da fábrica conta com capacidade de produção semanal de 10 milhões de ovos do mosquito com a bactéria.
Dez bairros da Ilha do Governador serão atendidos com essa produção: Ribeira, Zumbi, Cacuia, Pitangueiras, Praia da Bandeira, Cocotá, Bancários, Freguesia, Tauá e Moneró. Na sequência, toda a Ilha do Governador será coberta.
"Esses mosquitos, ao serem soltos no campo, vão cruzar com os outros. A fêmea passa a bactéria através dos ovos e todos os seus descendentes já nascem com a bactéria Wolbachia.
Seria como fazer a imunização da população de campo do mosquito", explica o pesquisador-líder do projeto, Luciano Moreira.
Após a conclusão do trabalho na região, o projeto se expandirá para outras localidades da cidade do Rio de Janeiro, nas zonas Norte e Sul.
A liberação de mosquitos será encerrada até o final de 2018, quando as áreas beneficiadas pelo projeto reúnam cerca de 2,5 milhões habitantes.
O projeto começou na Austrália e alcançou países que têm a dengue como problema epidêmico, entre eles: Indonésia, Vietnã e Colômbia. Em 2012, os pesquisadores da Fiocruz trouxeram o projeto para o Brasil, importando ovos do mosquito com a Wolbachia diretamente da Austrália.
A importação foi feita com a autorização do Ibama. A partir daí, o trabalho da Fiocruz foi iniciar um processo de cruzamento desses mosquitos com os mosquitos brasileiros. "Temos populações de mosquito do Brasil com a Wolbachia.
A partir disso, fizemos toda a parte de preparação do projeto para chegar a campo com as aprovações regulatórias da Anvisa, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ibama e do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa", relembra Moreira.
Duas áreas pequenas foram utilizadas como piloto do projeto nos municípios de Niterói e do Rio de Janeiro com o objetivo de ver se os mosquitos produzidos em laboratório conseguiriam se estabelecer nas condições climáticas brasileiras. O resultado foi positivo, possibilitando a produção de mosquitos com Wolbachia em larga escala.
"A grande vantagem desse projeto é ele ser autossustentável. Fizemos liberações até janeiro de 2016. Hoje são 18 meses que paramos o processo de liberações e quase 100% da população de mosquitos nessas localidades contém a Wolbachia.
Então mostra que realmente é natural, porque a Wolbachia já está na natureza, é seguro porque ela (a bactéria) vive dentro da célula (do mosquito) e nunca foi encontrada em humanos ou outro animal vertebrado", declara Moreira.
Os mosquitos e a própria bactéria Wolbachia não passaram por qualquer processo de modificação genética. "Então temos todas essas vantagens na tentativa de reduzir a transmissão de doenças como dengue, chikungunya e zika", comemora o pesquisador-líder Luciano Moreira.
Com a expansão do projeto, será feito um estudo epidemiológico para diagnosticar a possível redução do número de casos de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti.
Ao dar início a essa nova fase do projeto Eliminar a Dengue: Desafio Brasil, os pesquisadores da Fiocruz, em parceria com outras instituições, reforçam a ideia que iniciativas inovadoras associadas a busca por diferentes prismas de atuação são fundamentais para enfrentar uma doença que traz problemas ao país.
Por isso, é importante que a população continue fazendo a sua parte, destruindo todos os possíveis criadouros e focos do mosquito Aedes aegypti.
Igualmente, cada cidadão (incluindo as crianças e adolescentes) deve conversar com seus vizinhos e ajuda-los a combater o mosquito.
"O que a gente quer com essa conscientização da população é reduzir o número de mosquitos em uma área, mas que esses mosquitos tenham a Wolbachia.
Com isso, que possamos bloquear a transmissão dos arbovírus (doenças) que eles podem transmitir", conclui Moreira.
"Este projeto é uma clara demonstração de que a inovação tecnológica pode contribuir para a superação de graves problemas de saúde pública, como as doenças que têm o Aedes aegypti como transmissor.
No entanto, não podemos esquecer que a proliferação do mosquito está intimamente associada a questões sociais e ambientais: à forma como lidamos com o ambiente, descartando objetos que podem se transformar em potenciais criadouros do mosquito Aedes aegypti; à deficiência na coleta do lixo urbano, ao abastecimento irregular de água para uso doméstico e à violência urbana que impede a adequada ação dos agentes de endemias", ressalta a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima.
O programa Eliminar a Dengue: Nosso Desafio é uma iniciativa internacional, sem fins lucrativos, com o objetivo de oferecer uma alternativa sustentável e de baixo custo às autoridades de saúde das áreas afetadas pela dengue, Zika e chikungunya, sem qualquer gasto para a população.
A sede do programa mundial Eliminate Dengue: Our Challenge é na Universidade Monash, na Austrália.
Os demais países em que a iniciativa está presente, em diferentes etapas de desenvolvimento, além de Brasil e Austrália, são Colômbia, Índia, Indonésia, Sri Lanka, Vietnã, Fiji, Vanuatu e Kiribati.