A discussão da legitima defesa pode acabar legitimando muitas mortes e trará novamente a cultura da defesa da honra
01/03/2019 16h03 - Por Agência Senado
A coordenadora nacional do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, Soraia Mendes, afirmou na quarta-feira (27) que os direitos das mulheres estão sob ameaça de retrocesso devido ao avanço do conservadorismo.
Soraia foi uma das convidadas para a audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) sobre combate à violência contra a mulher.
De acordo com ela, o decreto de Bolsonaro que facilitou o porte de armas vai aumentar os casos de violência doméstica e mortes de mulheres no país.
Nós já tínhamos mulheres morrendo dentro dos lares. A autorização para o porte de armas é uma licença para matar — disse.
Soraia destacou ainda que propostas em análise na Câmara dos Deputados que afrouxam as penas para legítima defesa em crimes de "violenta emoção" podem dar impunidade a feminicidas.
A discussão da legitima defesa pode acabar legitimando muitas mortes e trará novamente a cultura da defesa da honra.
É um risco termos armas nas mãos daqueles que são os agressores e armas jurídicas nas mãos daqueles que farão suas defesas — advertiu.
A coordenadora do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher também classificou como ataques aos direitos das mulheres propostas que criminalizam todos os tipos de aborto, mesmo em caso de estupro ou risco para a gestante.
De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2018, foram registrados 221.238 casos de lesões corporais qualificadas como violência doméstica em 2017, enquadrados na Lei Maria da Penha. O Atlas da Violência de 2018, por sua vez, aponta 4.645 assassinatos de mulheres em 2016.
Mas o problema da violência contra as mulheres é mundial, conforme reforçou a embaixadora da Áustria no Brasil, Irene Giner-Reichl.
Segundo dados apresentados por ela, 35% das mulheres sofreram violência física ou sexual em suas vidas.
Uma em cada dez meninas foi forçada a ter relações sexuais e pelo menos 20 milhões de mulheres em 30 países tiveram seus órgãos sexuais mutilados. Ela destacou que em muitos casos de violência o agressor é o companheiro da vítima.
São cifras inaceitáveis — lamentou.
A austríaca Kerstin Schinnerl, que atua em centros especializados em violência contra a mulher em seu país, reforçou a importância do atendimento às vítimas e de leis que garantam medidas protetivas para ajudar a encerrar o ciclo de violência.
A independência financeira é um dos caminhos para encerrar esse ciclo, conforme ressaltou a diretora-geral do Senado, Ilana Trombka.
Ela explicou que, como forma de incluir mulheres vítimas de violência no mercado, o Senado criou um programa de assistência que determina que 2% das vagas nos contratos de prestação de serviços firmados com empresas terceirizadas com mais de 50 trabalhadores sejam destinadas a vítimas de violência doméstica em situação de vulnerabilidade.
Ao todo, são 60 vagas disponíveis. A diretora-geral do Senado observou que a iniciativa contribuiu para o Senado reforçar também internamente o combate a qualquer tipo de assédio e violência.
Não basta trazer essas mulheres para dentro do Senado e dar a elas a independência financeira. O Senado tem que ser uma organização capaz de acolher essas mulheres e de respeitar essas mulheres com um passado, com um background marcado pela violência — afirmou.