Esse desafio de senadores e deputados em busca de um sistema previdenciário sustentável é tema de uma série de reportagens que Agência Senado inicia agora
06/05/2019 07h06 - Por Agência Senado
Pela terceira década consecutiva, o Congresso Nacional é chamado a discutir uma ampla reforma na Previdência Social dos brasileiros.
O principal motivo que orienta a nova proposta é o mesmo de antes — garantir a sustentabilidade do sistema —, mas especialistas apontam que a necessidade no momento é mais urgente do que nas ocasiões anteriores.
Esse desafio de senadores e deputados em busca de um sistema previdenciário sustentável é tema de uma série de reportagens que Agência Senado inicia agora.
Os desembolsos do país com a Previdência já equivalem a 60% do Orçamento, e esse percentual deve se avolumar nos próximos anos, como consequência de uma marcha estatística natural: a expectativa de vida da população tem aumentado, enquanto a taxa de natalidade cai.
É o que explica Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI):
O país está envelhecendo e as pessoas estão vivendo mais. Isso é algo positivo, mas tem consequências fiscais, porque a população idosa depende do Estado. Como os brasileiros estão tendo cada vez menos filhos, serão menos pessoas contribuindo.
Segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o contingente de idosos do país deve triplicar dentro dos próximos 40 anos, enquanto a proporção de trabalhadores para cada aposentado deve cair pela metade.
Devido a essa inversão demográfica já em curso, a arrecadação de contribuições previdenciárias tem consistentemente ficado abaixo do valor dos benefícios concedidos.
Tanto o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que cobre os trabalhadores da iniciativa privada, quanto o Regime Próprio (RPPS), que cobre os servidores públicos, vêm apresentando deficits nos últimos anos.
As contas negativas da Previdência impactam a dívida pública do país como um todo, que vem se aproximando de 80% do PIB.
O consultor legislativo Pedro Fernando Nery explica que o aumento do deficit previdenciário agrava esse quadro porque as aposentadorias são gastos obrigatórios, que o Estado não pode deixar de financiar.
A despesa tem que ser paga de alguma forma, seja com contribuições previdenciárias, seja com contribuições sociais ou impostos. Ao crescer, ela comprime políticas públicas já subfinanciadas, como o saneamento, a educação, a infraestrutura.
O deficit é uma medida desse desequilíbrio: a quantidade de recursos de outras áreas, ou de impostos, que será drenada para pagar benefícios — explicou.
Além da compressão orçamentária, a incerteza quanto à possibilidade de manter o endividamento sob controle encarece a própria administração da dívida, que o Estado faz através da emissão de títulos públicos.
Quanto pior a situação fiscal, maior é a taxa de juros que o mercado exige. Mais juros agravam a dívida, e forma-se um círculo vicioso.
Vários estados já quebraram. A União tem mais ferramentas para não quebrar tão cedo, mas isso implica instabilidade macroeconômica. A desconfiança quanto à solvência do Estado vai continuar inibindo o investimento e o crescimento.
O desemprego vai continuar sem cair satisfatoriamente e isso vai se somar ao caos na prestação de serviços públicos — alerta Nery.
Felipe Salto destaca que a reforma da Previdência é uma condição necessária para romper essa tendência, mas não suficiente. Ela dará um impulso inicial, mas precisa ser complementada no futuro com outras medidas.
Os investidores externos e domésticos estão à espera do milagre da Previdência. Se a gente desata esse nó, o dinheiro vai começar a circular, a economia vai começar a girar de novo. Precisamos passar esse obstáculo, mas a Previdência, sozinha, não resolve o problema — enfatizou.
Essa análise do deficit e da necessidade da reforma, porém, tem críticos. A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) sustenta que o deficit é resultado de um cálculo das contas da Previdência que interpreta equivocadamente as regras do sistema.
Segundo Floriano Martins Neto, presidente da entidade, o deficit só é verificado quando se analisam unicamente as contribuições e as despesas previdenciárias.
No entanto, a Previdência integra o orçamento da Seguridade Social, que também inclui a assistência social a as ações de saúde.
A seguridade social, conforme definida na Constituição, é financiada por outras fontes, incluindo tributos sem destinação específica e dotações da União.
O que importa, explica Martins, não é o cálculo da Previdência ser positivo ou negativo, mas sim o cálculo da seguridade como um todo.
Calculamos dentro da seguridade porque lá temos todas as fontes de financiamento. Fazemos a contabilidade no geral porque a Constituição não mandou segregar. O "deficit" significa que a União aportou a parte dela, que veio do orçamento fiscal.
O consultor Pedro Fernando Nery discorda desse ponto de vista. Para ele, examinar a Previdência à parte das demais áreas da seguridade é necessário para que se perceba que ela está inviabilizando-as.
Falar que não tem deficit na Previdência porque sempre se pode pegar recursos da seguridade significa exatamente tirar da saúde e da assistência aos miseráveis.
Outro questionamento levantado por Floriano Martins Neto diz respeito às dívidas da Previdência. Para ele, o problema mais urgente para conter o desequilíbrio fiscal da área é melhorar os mecanismos de combate à sonegação e deixar de conceder renúncias fiscais.
Segundo números da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a dívida ativa previdenciária chega a R$ 510,3 bilhões.
Martins relata que o índice de recuperação desse valor devido é menor do que 1%, ao mesmo tempo que o governo federal abre mão, via renúncias, de 20% da receita anual via impostos e contribuições socais.
No entanto, a própria PGFN reconhece que a maior parte da dívida previdenciária está fora de alcance. Segundo o órgão, 62% do estoque da dívida tem baixa perspectiva de recuperação, por ser referente a empresas que já faliram ou que não têm patrimônio, por exemplo.
Além disso, Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente, observa que, mesmo que fosse possível coletar toda a dívida, o problema não estaria resolvido. Como o deficit é um fenômeno que se repete anualmente, o influxo financeiro seria consumido em alguns anos.
Para Martins, a questão fundamental vai além da dívida atual. Trata-se de aprimorar o dia a dia para que o estoque não continue crescendo com débitos inalcançáveis, e para que o caixa da Previdência não continue sendo recorrentemente desfalcado.
O estoque, por si só, é uma vergonha, mas não estamos dizendo que precisamos arrecadar tudo. Ele tem que ter um tratamento eficaz.
A Receita precisa estar melhor aparelhada para chegar antes da constituição da dívida, identificar antes que a empresa [devedora] feche, por exemplo. O combate tem fins pedagógicos.
O presidente da Anfip cobra do governo e dos parlamentares uma proposta de reforma que pese mais para o lado da receita, atacando a sonegação e também fortalecendo as fontes de financiamento.
O Ministério da Economia espera que a reforma permita um fôlego de R$ 1,2 trilhão nos dez primeiros anos após a sua aprovação. As mudanças sobre o RGPS representariam cerca de 65% desse freio.
Segundo a IFI, a aprovação da proposta permitirá a estabilização do gasto previdenciário como fatia do PIB dentro desse período, impedindo que ele cresça ano após ano.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), se mostra otimista com o rumo da proposta.
Ele admite que o texto será modificado, mas acredita que há um consenso entre os parlamentares e as bancadas de que, sem aprovar alguma versão de reforma neste momento, "o Brasil quebra".
Creio que teremos um texto com uma boa reforma do ponto de vista social, regras de transição para ter atenção com os direitos de todos e uma sinalização clara de que as contas públicas vão entrar em equilíbrio.
Já o líder da oposição, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), avalia que existe um problema fiscal a ser abordado, mas aponta para diversos tópicos da reforma proposta pelo governo que são, para ele, proibitivos.
Não somos contra qualquer tipo de reforma. Compreendemos que há um deficit. Só que a conta desse deficit não pode ser paga pelos mais pobres.
Somos contra uma reforma que acaba com o BPC, que restringe a aposentadoria rural, que institui a capitalização. Com esse modelo nós não concordamos.
Segundo Randolfe, seria necessário pensar menos no endurecimento de benefícios e mais na expansão das receitas, principalmente a partir de mudanças no sistema tributário.
Ao longo do mês de maio, a série de reportagens da Agência Senado abordará os impactos da proposta de reforma da Previdência (PEC 6/2019) sob diversos aspectos.
Nesta segunda-feira (6), serão analisados os pontos gerais, como idade mínima, tempo de contribuição e alíquotas progressivas.
Nos dias seguintes, as matérias tratarão das mudanças previstas nas aposentadorias de funcionários públicos e trabalhadores rurais, no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e nas aposentadorias especiais.
As pensões por morte, as aposentadorias por invalidez e o regime de capitalização serão outros temas abordados.