Documento inclui método para calcular taxas ou tarifas
29/07/2021 16h01 - Por Agência Brasil
Aprovado no ano passado, o novo Marco Legal do Saneamento instituiu um dispositivo para pressionar os municípios a cobrarem uma tarifa ou taxa voltada para o custeio da gestão dos resíduos sólidos.
Além disso criou uma nova possibilidade para a prestação desses serviços: a concessão regionalizada.
Com intuito de instruir as prefeituras sobre como lidar com a legislação, a Associação Brasileira de Empresas de Tratamentos de Resíduos e Efluentes (Abetre) preparou um guia.
Ele traz orientações para organizar um modelo economicamente sustentável de gestão de resíduos sólidos e defende a cobrança de taxas ou tarifas.
O Guia da Concessão, como foi nomeado, foi elaborado no âmbito de um acordo de cooperação técnica firmado entre a Abetre e o Ministério do Meio Ambiente e está disponível gratuitamente pela internet.
Ele inclui um método de cálculo para as taxas e tarifas de forma a garantir que as contas fechem, isto é, que seja arrecadado mais do que se gasta com o serviço. Também traz um passo a passo para a implementação de uma concessão.
A gestão de resíduos designa um conjunto de ações voltadas para a redução, reutilização e reciclagem de materiais.
No Brasil, envolve uma cadeia que conta com a participação do poder público, do setor privado e das associações e cooperativas de catadores.
Trata-se de um segmento econômico capaz de desenvolver tecnologias e gerar emprego e renda. No entanto, precisa de estímulo para atingir seu potencial.
Segundo a edição de 2020 do Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (ISLU), elaborado pela consultoria PwC Brasil e pelo Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb), quase metade dos municípios brasileiros (49,9%) ainda faz uso lixões. Mesmo onde há aterro sanitário, a destinação nem sempre é adequada.
"É preciso tratar os resíduos, em vez de simplesmente enviá-los passivamente ao aterro sanitário", alerta o guia a Abetre.
Para custear o serviço, muitas cidades já cobram taxas ou tarifas há alguns anos. Em alguns casos, elas são incorporadas ao boleto do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), como é o caso do Rio de Janeiro.
Segundo o ISLU, 41,5% das prefeituras adotam a cobrança de taxas ou tarifas. Mas nem sempre os valores arrecadados têm sido suficientes para cobrir todas as despesas do serviço.
A possibilidade de instituir estas taxas ou tarifas já havia sido prevista na Lei Federal 11.445/2007, que ficou conhecida como Lei do Saneamento.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, que designa a Lei Federal 12.305/2010, estabeleceu que a forma de cobrança dos serviços deveria ser incluída no plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos.
O guia da Abetre sugere que a tarifa leve em conta a frequência de coleta, as categorias de usuários conforme o volume produzido, o custo da manutenção do serviço e a capacidade de pagamento dos moradores.
Também apoia que a cobrança seja feita por habitante ou por domicílio mediante autodeclaração.
A proposta é que uma norma municipal estabeleça as faixas de volume de resíduos sólidos. Caberia aos moradores informar em qual delas está incluído.
"A cobrança por autodeclaração é cidadã, pois o contribuinte escolhe uma das faixas de produção média previstas por lei específica", diz o guia lembrando que outros tributos, como o Imposto de Renda, também são aferidos por autodeclaração.
A experiência de Joinville (SC) é apresentada como exemplo. Desde 2002, o serviço é explorado na cidade pela empresa Ambiental Limpeza Urbana e Saneamento. De acordo com o guia da Abetre, a opção do município permitiu aumentar em 176% o volume de resíduos recicláveis coletados, estender em 19 anos a vida útil do aterro sanitário, criar oito galpões de triagem usados por cooperativas e investir em ações de educação ambiental nas escolas.
Cobrar pela gestão de resíduos sólidos de forma similar ao que ocorre com outros serviços como fornecimento de água e energia elétrica é algo comum também em outros países.
Muitas vezes, a medida conta com apoio de grupos ambientalistas que veem nelas um duplo benefício: garantir o tratamento adequado do lixo e incentivar a população a produzir menos resíduos.
Entidades do setor empresarial alegam que a instituição de taxa ou tarifa contribui para dar segurança jurídica nos processos de concessão, o que estimularia a concorrência na licitação.
No entanto, o impacto negativo que a criação de novas cobranças causa junto ao eleitorado gera receio entre os prefeitos.
Em São Paulo, por exemplo, uma tarifa foi cobrada entre 2001 e 2005 durante a administração de Marta Suplicy. A medida, que levou à popularização do apelido de "Martaxa", foi revogada pelo prefeito sucessor, José Serra.
O novo Marco Legal do Saneamento é designado pela Lei Federal 14.026/2020. Ele buscou alterar a regulação dos serviços de saneamento, abrangendo também a gestão do lixo urbano e dos resíduos sólidos.
Entre as novas regras, foram incluídas medidas para estimular o avanço nas relações público-privadas.
A possibilidade da concessão regionalizada, como foi instituída, permite que diversos municípios se reúnam em um consórcio e façam licitação para contratar conjuntamente uma única empresa prestadora de serviço.
Seria uma forma de diluir os custos entre as prefeituras contratantes e garantir viabilidade técnica para a prestação de serviços em cidades menores.
Em seu artigo 35º, o Marco Legal do Saneamento também aumentou a pressão para que as prefeituras instituam as tarifas.
Ele estabeleceu que, caso o município não elabore um proposta de cobrança em 12 meses, ficaria configurada renúncia fiscal.
Conforme a legislação brasileira, há apenas duas condições em que as renúncias fiscais não são passíveis de penalidade.
Uma delas é quando são consideradas na estimativa de receita orçamentária e fica demonstrado que elas não afetam as metas fiscais previstas. Outra possibilidade é elas estarem acompanhadas de medidas de compensação, isto é, a criação de alternativas de arrecadação.
O prazo de 12 meses estourou no último dia 15 de julho. Diante da pressão legal, alguns municípios têm anunciado alguns passos para avançar na discussão.
A prefeitura de Vitória da Conquista (BA), por exemplo, encaminhou à câmara municipal um projeto de lei que prevê uma taxa anual variando entre R$130 e R$234 para residências.
Os valores crescem para estabelecimentos comerciais e indústrias. Na semana passada, os vereadores de Guararema (SP) aprovaram uma tarifa que deve levar em conta a área construída do imóvel. Projeto similar também já tramita em Dourados (MT).
A Agência Nacional de Águas (ANA) divulgou há alguns meses uma versão preliminar de uma Norma de Referência, segundo a qual o órgão deverá, após 31 de dezembro de 2021, oficiar os municípios que não tenham instituído a cobrança.
Eles seriam convocados para comprovar em 60 dias que a omissão não configura renúncia de receita.
Diante dessa informação e preocupada com as prefeituras que ainda não formularam uma proposta, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) emitiu em abril uma nota técnica com orientações.
"Após diálogo com a ANA, a CNM recebeu a orientação de que a data-limite de 15 de julho de 2021 é para a proposição de instrumento.
Sendo assim, o gestor municipal não precisa ainda ter a lei já em vigor nem a efetiva cobrança nesta data.
Por outro lado, é necessário propor o instrumento de cobrança, o que significa, por exemplo, no caso de taxa, enviar projeto de lei sobre a cobrança para a Câmara de Vereadores", diz o documento.
O novo Marco Legal do Saneamento Básico foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) com vetos a dispositivos de 11 artigos.
Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, a lei prevê a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033 e viabiliza a injeção de mais investimentos privados nos serviços de saneamento.
As razões dos vetos também foram publicadas na edição desta quinta-feira do DOU. Os vetos ainda serão analisados pelo Congresso Nacional, que poderá mantê-los ou derrubá-los.
Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, de criação da Agência Nacional de Águas (ANA)
A autarquia, responsável pela implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, passa agora a se chamar Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), com competência para editar normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico.
Essas normas serão instituídas de forma progressiva e deverão promover a prestação adequada dos serviços, com atendimento pleno aos usuários, e assegurar a prestação concomitante dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.
Serão estabelecidos parâmetros para fiscalização do cumprimento das metas de cobertura e dos indicadores de qualidade e aos padrões de potabilidade da água, além de critérios limitadores de custos a serem pagos pelo usuário final.
De acordo com a lei, as regras deverão também estimular a cooperação entre os entes federativos, possibilitar a adoção de processos adequados às peculiaridades locais e regionais e incentivar a regionalização da prestação dos serviços, para contribuir para a viabilidade técnica e econômico-financeira, a criação de ganhos de escala e de eficiência e a universalização dos serviços.
As normas a serem editadas deverão ainda estimular a livre concorrência, a competitividade, a eficiência e a sustentabilidade econômica das empresas prestadoras dos serviços de saneamento.
E deverão tratar, entre outros assuntos, sobre padrões de qualidade e eficiência, regulação tarifária, redução progressiva e controle da perda de água e reúso dos efluentes sanitários tratados, em conformidade com as normas ambientais e de saúde pública.
No âmbito de regulação tarifária, serão estabelecidos mecanismos de subsídios para as populações de baixa renda, para possibilitar a universalização dos serviços, e, quando couber, o compartilhamento dos ganhos de produtividade das empresas com os usuários.
Para a elaboração das normas, a ANA deverá avaliar as melhores práticas regulatórias do setor, realizar consultas e audiências públicas e constituir grupos de trabalho com a participação das entidades reguladoras e fiscalizadoras e das entidades representativas municipais.
Caberá à ANA, ainda, declarar a situação crítica de escassez quantitativa ou qualitativa de recursos hídricos em rios de domínio da União. Ela também deverá estabelecer e fiscalizar o cumprimento de regras de uso da água, a fim de assegurar os usos múltiplos durante a vigência da situação crítica de escassez.
O Ministério da Economia poderá destacar servidores de órgãos e de entidades da administração pública federal para a ANA.
Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, que dispõe sobre o quadro de pessoal da ANA.
A nova lei altera o nome e as atribuições do cargo de especialista em recursos hídricos e saneamento básico da ANA.
Entre as atividades exercidas por quem ocupa o cargo estão a elaboração das normas de referência, regulação, outorga, inspeção, fiscalização e controle do uso de recursos hídricos e da prestação de serviços públicos na área de saneamento básico; implementação e avaliação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos; desenvolvimento de projetos sobre despoluição de bacias hidrográficas, eventos críticos em recursos hídricos e promoção do uso integrado de solo e água; e promoção de ações educacionais e de pesquisas científicas e tecnológicas.
Os ocupantes do cargo têm poder de polícia, no exercício das fiscalizações, para interditar estabelecimentos, instalações ou equipamentos, bem como apreender bens ou produtos, e para requisitar o auxílio de força policial, quando necessário.
Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, que trata sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos.
De acordo com a nova lei, essas normas também poderão ser aplicadas aos convênios de cooperação, que poderão ser firmados por blocos de municípios para a contratação dos serviços de saneamento de forma coletiva.
A nova lei proíbe os chamados contrato de programa para prestação dos serviços públicos, como de água e esgoto. Nesse modelo, até então em vigor, prefeitos e governadores poderiam firmar termos de parceria diretamente com as empresas estatais, sem licitação. A partir de agora, será obrigatória a abertura de licitação, na qual poderão concorrer prestadores de serviço públicos ou privados.
Foi o dispositivo com mais alterações a partir desse novo marco e trata diretamente sobre as condições estruturais do saneamento básico, como a universalização e a prestação dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos.
As diretrizes previstas nessa lei servirão de referência para a ANA na elaboração das normas de regulação dos serviços públicos de saneamento básico.
As mudanças preveem também, entre outros, a articulação com as políticas públicas, como de desenvolvimento urbano e regional, combate à pobreza, proteção ambiental e promoção da saúde; o estímulo à pesquisa, ao desenvolvimento e à utilização de tecnologias apropriadas; e a seleção competitiva do prestador dos serviços.
Esse dispositivo também prevê o sistema de saneamento com prestação de serviço regionalizada, para abranger mais de um município.
Esse serviço pode ser estruturado por regiões metropolitanas, por unidades regionais, instituídas pelos estados e constituídas por municípios não necessariamente limítrofes, e por blocos de referência criados pelos municípios de forma voluntária para gestão associada dos serviços.
Com essas mudanças, as empresas não poderão fornecer serviço apenas para os municípios de interesse delas, que gerem lucro, e vai permitir que os municípios que têm menos capacidade técnica e financeira sejam atendidos.
O presidente Bolsonaro vetou o dispositivo que dava poder aos municípios para participar ou não das prestações regionalizadas.
De acordo com a Presidência, o dispositivo viola a Constituição, que determina a participação obrigatória de municípios em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas.
Também foi vetado o dispositivo que destinava recursos federais e assistência técnica para a organização e a formação dos blocos de prestação regionalizada, sob o argumento de que a proposta não apresentava a estimativa de impacto orçamentário, violando regras legais.
A União poderá, entretanto, criar cursos de capacitação técnica dos gestores públicos municipais, em consórcio ou não com os estados, para a elaboração e implementação dos planos de saneamento básico.
A nova lei diz ainda que os contratos relativos à prestação dos serviços públicos de saneamento básico deverão conter, entre outros, as metas de expansão e de qualidade na prestação dos serviços, as possíveis fontes de receitas alternativas e a repartição de riscos entre as partes, prestadores e municípios.
Os contratos em vigor poderão ser mantidos até o seu prazo final, desde que as empresas comprovem a capacidade econômico-financeira e se adequem às metas e aos objetivos de universalização do marco. A metodologia para essa comprovação será publicada em até 90 dias, e as empresas terão até 30 de março de 2022 para consolidar os contratos em vigor.
As empresas devem ampliar o fornecimento de água para 99% da população e da coleta e tratamento de esgoto para 90% da população, até o final de 2033. Mas há a possibilidade de extensão desse prazo até 2040, caso se comprove a inviabilidade técnica ou financeira.
A nova lei também criou o Comitê Interministerial de Saneamento Básico, que será presidido pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, para assegurar a implementação da política. A pasta também deverá elaborar o novo Plano Nacional de Saneamento Básico, com as ações necessárias para atingir os objetivos e as metas do novo marco.
Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
A nova lei determina que os plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos deverão ser revisados, no máximo, a cada dez anos.
A lei também estabelece um prazo para o fim dos lixões no país. Para municípios que não elaboraram planos de resíduos sólidos, esse prazo é 31 de dezembro deste ano. Para os municípios com planos elaborados, o prazo é 2 de agosto de 2021 para capitais e regiões metropolitanas; 2 de agosto de 2022, para cidades com mais de 100 mil habitantes. Já em cidades entre 50 e 100 mil habitantes, os lixões devem ser eliminados até 2 de agosto 2023; e em cidades com menos de 50 mil habitantes, o prazo é 2 de agosto de 2024.
Nos casos em que a disposição de rejeitos em aterros sanitários for economicamente inviável, poderão ser adotadas outras soluções, observadas normas técnicas e operacionais para evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e minimizar os impactos ambientais.
Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015, que institui o Estatuto da Metrópole.
A nova lei estende as regras do estatuto às unidades regionais de saneamento básico.
Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, que trata da participação da União em fundos de projetos de concessões e parcerias público-privadas.
Com a nova lei a União poderá participar e destinar recursos para fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados, como é o caso do saneamento básico. As mudanças também tratam do patrimônio e do estatuto do fundo.
O presidente Jair Bolsonaro vetou a possibilidade de renovação, por mais 30 anos, dos atuais contratos de programa pois "prolonga de forma demasiada a situação atual, de forma a postergar soluções para os impactos ambientais e de saúde pública decorrentes da falta de saneamento básico e da gestão inadequada da limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos."
"Ademais, a proposta, além de limitar a livre iniciativa e a livre concorrência, está em descompasso com os objetivos do novo marco legal do saneamento básico que orienta a celebração de contratos de concessão, mediante prévia licitação, estimulando a competitividade da prestação desses serviços com eficiência e eficácia, o que por sua vez contribui para melhores resultados", diz a mensagem encaminhada ao Congresso Nacional.
Também foi vetada a possibilidade de os contratos para serviços de distribuição de água serem vinculados a determinados fornecedores e critérios. A proposta serviria para solucionar eventuais questões de atendimento inadequado. Mas, de acordo com a Presidência, a medida é anticonstitucional por violar o princípio da competitividade e impessoalidade.
Outro dispositivo vetado excluía o setor de tratamento de resíduos sólidos de condições estabelecidas no novo marco legal, e determinava a aplicação apenas ao esgotamento sanitário e o acesso à água potável.
Para o governo, isso quebraria "a isonomia entre as atividades de saneamento básico, de forma a impactar negativamente na competição saudável entre os interessados na prestação desses serviços, além de tornar menos atraente os investimentos, em descompasso com a almejada universalização dos serviços.