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sexta-feira, 29 de março de 2024

Contaminação por remédios ameaça córregos de Dourados

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Por Rozemberg Marques/O Progresso

Os professor Dr. Yzel Rondon Súarez é  biólogo, Doutor em Zoologia pela UNESP/Rio Claro e professor da UEMS desde 1998. Trabalha principalmente com ecologia/biologia de peixes, bem como com as respostas dos peixes à perda de integridade ambiental em ambientes aquáticos. Seu colega Prof. Dr. Alessandro Minillo é oceanógrafo, Doutor em Engenharia Ambiental pela USP-São Carlos e bolsista de Pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais da UEMS. Trabalha principalmente com ecotoxicologia ambiental voltada à qualidade da água. Nesta entrevista os dois professores detalham o estudo, suas consequências e alternativas para evitar um aumento do problema.

O que os estudos realizados  nas águas dos rios e córregos de Dourados  detectaram? Quais os fármacos encontrados?

Nossos estudos, realizados em três microbacias da cidade de Dourados (Engano, Água Boa e Curral de Arame) detectaram que todos eles possuem resíduos de fármacos/medicamentos no ambiente aquático, incluindo analgésicos (Diclofenaco, Naproxeno e Ibuprofeno) e hormônios femininos, oriundos do uso de anticoncepcionais. Também detectamos contaminação por cafeína que está presente em um número grande de remédios.Uma constatação importante é que mesmo riachos que considerávamos que seriam menos afetados (como o Curral de Arame) já possuem resíduos destes fármacos.

Como esses remédios ou seus compostos chegam ao leito ou às margens do córregos?

Em linhas gerais existem várias possibilidades de entrada no ambiente aquático, como fábricas de produtos farmacêuticos que descartam os resíduos inadequadamente, mas especificamente na área que estudamos a contaminação pode ser proveniente do uso pelas pessoas e posteriormente pela excreção (fezes e urina) que acaba levando estes fármacos para o lençol freático e consequentemente aos riachos. Também tem o uso dos remédios pelo gado, além de criações de suínos, aves e peixes, que será eliminado nas fezes e urina e, assim como das pessoas, acaba chegando nos rios. O descarte inadequado de remédios vencidos ou que sobraram diretamente no lixo leva estes contaminantes aos rios e mesmo em áreas que possuem esgoto tratado ocorre esta contaminação, uma vez que o sistema tradicional de tratamento de esgoto não é planejado/construído para esta finalidade específica, tornando é insuficiente para remover estes remédios que acabam chegando aos rios, riachos e lagos também.

O que esses “resíduos” de remédios causam nos peixes? quando ingeridos pelo seres humanos, os peixes contaminados podem causar  a transmissão/contagio de alguma doença?

Cada fármaco pode ter um efeito diferente, os hormônios provenientes dos anticoncepcionais podem causar feminilização em peixes e anfíbios, ou seja, fazem com que indivíduos que deveriam se desenvolver como machos acabem se tornando fêmeas. Estudos mostram que Estes hormônios também podem causar aumento de casos de câncer de mama e de próstata em seres humanos.

Analgésicos como o diclofenaco e ibuprofeno causam danos genotóxicos e neurotóxicos em várias espécies. Antibióticos alteram a composição das bactérias que naturalmente ocorrem no ambiente, mas também podem bioacumular em peixes e, quando usados em nossa alimentação podem causar sintomas alérgicos e mesmo gerar bactérias mais resistentes a estes remédios.

Do ponto de vista de conservação da biodiversidade aquática, estes fármacos alteram de várias formas o desenvolvimento dos animais, causando deformações, afetando a fisiologia e, portanto, alterando suas abundâncias na natureza, o que interagindo com outras fontes de impacto (desmatamento, queimadas, etc…) gera uma ameaça ainda maior à conservação da biodiversidade e aos serviços ecossistêmicos que estes organismos nos prestam.

Cada remédio tem efeitos distintos/diferentes em diferentes grupos animais e de plantas, então citamos aqui alguns exemplos que ocorrem em peixes, anfíbios, mas que também afetam os seres humanos. Cabe destacar que alguns fármacos que detectamos estavam em quantidades muito baixas e com grande variabilidade ao longo das áreas amostradas e ao longo do ano, portanto não foram foco do nosso trabalho.

Quais os níveis de contaminação encontrados em cada córrego estudado e quais os córregos onde essa presença foi mais notada? o que fazer para que esses resíduos não cheguem aos córregos?

Dentre os fármacos encontrados nos riachos em nosso estudo, os fármacos com maior concentração foram cafeína, naproxeno, diclofenaco, estriol e outros hormônios femininos no córrego Água Boa. No córrego Engano também encontramos os mesmos fármacos, mas em concentrações menores e no Curral de Arame encontramos número menor de fármacos e também menores concentrações (cafeína, naproxeno e diclofenaco).Compostos hormonais não foram encontrados neste córrego durante nosso estudo.

 Como nós comparamos três microbacias, constatamos, como era de se esperar que a microbacia do córrego Água Boa é a que possui o maior número de fármacos detectados e também a maior concentração, quando comparado ao córrego Engano e ao Curral de Arame.

A microbacia do córrego Água Boa possui três estações de tratamento de esgoto em sua área, o que significa que praticamente todo o esgoto produzido na região central de Dourados é direcionada para este córrego e, como já comentamos, o tratamento convencional não remove estes fármacos do esgoto.

Qual é o meio de descarte correto de remédios que sobram de tratamentios ou tem prazo de validade vencido?

Assim, o mais adequado é o descarte correto de remédios que “sobraram” em casa em locais previstos com esta finalidade, como estações coletoras em farmácias e supermercados cadastrados no programa descarte consciente – https://www.descarteconsciente.com.br/. Medidas simples como estas podem para evitar que estes contaminantes, jogados no lixo, contaminem o lençol freático e consequentemente os rios. Além disso, a mudança na forma de tratamento do esgoto é uma alternativa, mas implica em gasto maior neste processo, o que acaba chegando à população e, portanto, não é muito bem aceito pela população.

Ações conjuntas com a participação da sociedade civil, poder público/governo e iniciativa privada devem ser trabalhadas em campanhas de esclarecimento para o enfrentamento do problema.

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