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Um caminho para o Brasil recuperar o jovem infrator

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28/08/2015 09h27

Com a polêmica sobre a redução da maioridade penal e a recente aprovação pelos deputados federais de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre o tema, surge como alternativa a aplicação de uma punição mais rígida para os adolescentes que cometerem crimes violentos.

Nesse sentido, projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP) para aumentar a internação juvenil nesses casos foi aprovado pelo Senado e enviado à Câmara.

Mas a responsabilização do jovem infrator por meio da aplicação de medidas socioeducativas, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/1990), espera um olhar mais aprofundado da sociedade.

De advertência a internação, os menores de 18 anos — e até os que alcançam os 21 anos — estão sujeitos a sofrer as consequências de atos delituosos numa fase da vida em que os hábitos ainda não estão arraigados e, por isso, podem ser transformados com educação e inclusão social.

A defensora pública do estado de São Paulo Fabiana Botelho Zapata acredita que a responsabilização é pedagógica.

Ela avalia que, quando um adolescente responde pela prática de um ato infracional, tal resposta lhe causa impacto pedagógico-social e ele enfrenta duas ordens de exigência: uma reação punitiva da sociedade e um sistema pensado para trazer-lhe benefícios enquanto pessoa em condição peculiar de desenvolvimento.

Ao contrário do que muitos pensam, não é um sistema de benesses ao adolescente, mas o ideal de oferecer uma pedagogia voltada à formação da pessoa e do cidadão e colocá-lo não em contato com o seu passado, mas com o seu presente e futuro — defende.

Fabiana afirma que é necessário possibilitar o trabalho pedagógico da medida socioeducativa antes de qualquer debate sobre alteração legislativa acerca do tempo de privação de liberdade ou mesmo sobre a redução da maioridade penal.

Membro do Comitê Municipal para Elaboração do Plano Decenal Socioeducativo para a cidade de São Paulo — previsto na Lei 12.594/2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) —, ela cobra a efetivação do ECA por meio do acompanhamento contínuo do sistema socioeducativo pelos órgãos fiscalizadores da Justiça.

Contamos agora com importantes instrumentos trazidos pela Lei 12.594, especialmente a elaboração obrigatória dos planos decenais do sistema socioeducativo nas esferas federal, estadual e municipal.

Com participação social e daqueles para quem é dirigido, serão documentos para exigir uma política séria, de atendimento qualificado — ressalta.

Vínculo familiar

O vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Conanda), Carlos Nicodemos, chama a atenção para a excepcionalidade da medida de internação e o esforço a ser feito para que as outras cinco medidas previstas no ECA sejam aplicadas para aumentar o vínculo familiar e comunitário do adolescente infrator e garantir a recuperação.

Ao lembrar os 25 anos do estatuto comemorados em 2015 e a Resolução 119/2006 do Conanda, que fundamentou o Sinase, ele ressaltou a importância dos conselhos de direito e os elementos trazidos pela Lei 12.594.

O Conanda avalia os avanços alcançados após três anos dessa lei que trouxe indicativos importantes, como a inserção dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas no programa de ensino técnico [Pronatec] e a necessidade de atendimento individualizado ao adolescente e seu núcleo familiar — observa.

O especialista aponta que há um descompasso entre a lei e a realidade, apesar do avanço normativo, e a política não se efetiva nos municípios. Para Nicodemos, é preciso rever a centralidade da política no âmbito federal, inverter a lógica da internação, privilegiando o meio aberto como de maior eficácia para recuperação, e garantir o atendimento individualizado para ressocializar o adolescente.

Hoje a SDH [Secretaria de Direitos Humanos] se responsabiliza pelas medidas de internação e o Ministério do Desenvolvimento Social coordena as medidas de meio aberto. É preciso centralizar — defendeu.

O promotor de execução de medidas socioeducativas Renato Varalda considera que, após 25 anos de existência, o ECA precisa de algumas alterações para se adequar à realidade.

Ainda que a lei do Sinase tenha dado as diretrizes para as medidas socioeducativas, ele avalia que a legislação não foi totalmente implementada e que as medidas são aplicadas de modo ineficiente.

Varalda aponta, por exemplo, a necessidade de a lei prever mais exigências para o menor de idade, além do estudo obrigatório e matrícula em curso profissionalizante para cumprir a medida de liberdade assistida.

O estatuto é da época em que se falava de cola de sapateiro. Hoje, a nossa realidade é a do crack. Nas audiências as mães lamentam que os filhos não sejam obrigados por lei a ter um horário para chegar em casa quando cumprem a liberdade assistida, ficando, assim, expostos ao consumo de drogas em festas — relata.

Varalda diz que não há cursos profissionalizantes para todos os jovens que cumprem esse tipo de medida e muitas vezes eles não têm a escolaridade exigida para ingressar, por exemplo, em cursos do Sistema S.

Outro problema é o baixo número de servidores disponíveis para supervisionar os menores que cumprem a liberdade assistida, geralmente aplicada em casos de pequenos furtos.

Segundo o promotor, o DF tem 3 mil jovens encaminhados para cumprir a medida e a meta de 20 adolescentes para cada servidor não é cumprida.

O promotor também vê problemas na forma como a medida de semiliberdade é aplicada. Ele explica que são casas alugadas onde o adolescente dorme de segunda a sexta-feira — voltando para a residência da família nos fins de semana —, mas sem a distância necessária de regiões de tráfico de drogas nem estrutura para entretenimento de qualidade. Ressalvando que a realidade narrada é a das grandes capitais, Varalda conta que o limite de 20 jovens por casa dificilmente é respeitado.

Acompanhamento

Nas unidades de internação, Varalda também elenca pontos negativos, como sistema de ensino fraco, problemas para reunir alunos de diferentes escolaridades, unidades lotadas e a dificuldade para separar jovens envolvidos em brigas de gangues e crimes de estupro, além de garantir a integridade de acordo com a constituição física de cada um.

São três a cinco menores por alojamento, mas a vigilância precisa ser constante para evitar desentendimentos que podem gerar até mortes, explica o promotor, ao dizer que a determinação de 90 internados nem sempre é cumprida.

Outra cobrança dele é quanto ao acompanhamento do menor que saiu do sistema socioeducativo para que se integre novamente à sociedade, uma medida prevista no ECA, mas ainda não executada.

O que o estatuto não traz é o prazo determinado de internação para cada infração e isso tem um aspecto positivo e outro negativo, na avaliação de Varalda.

Ao mesmo tempo em que o adolescente é avaliado a cada seis meses por uma equipe especializada, com assistente social, psicólogo e pedagogo, e tem a possibilidade de mostrar melhora, há um contraste no cumprimento da medida conforme a gravidade da infração.

O jovem que comete homicídio geralmente não apresenta agressividade quando internado e tem avaliações positivas, conseguindo ficar pouco tempo na unidade.

Enquanto isso, aquele outro que praticou roubo ou crime de tráfico de drogas não consegue aceitar que passará mais tempo internado por um crime menos grave — diz.

Integrante do Fórum Nacional de Membros do Ministério Público da Infância e Adolescência (Proinfância), Renato Varalda entregou em 11 de agosto aos senadores Antonio Anastasia (PSDB-MG) e Hélio José (PSD-DF) um anteprojeto de lei elaborado por ele e outros seis promotores de diferentes estados para determinar que a internação em caso de crime grave seja de um ano e meio a oito anos.

Numa progressão que depende da idade do adolescente, a proposta prevê escalonamento dos 12 aos 17 anos. A entidade considera um retrocesso a tentativa de redução da maioridade penal.

Projeto aprovado cria regime especial para coibir crimes violentos

Projeto de lei apresentado em junho e aprovado em julho no Senado cria um regime especial de atendimento socioeducativo dentro do ECA, a ser aplicado a menores que praticarem, mediante violência ou grave ameaça, conduta prevista na Lei de Crimes Hediondos.

O PLS 333/2015, já enviado à Câmara dos Deputados, aumenta de três para dez anos o tempo máximo de internação.

Para o autor, senador José Serra, a proposta é um caminho opcional à redução da maioridade penal. O projeto determina que a internação será cumprida em estabelecimento específico ou em ala especial, assegurada a separação dos demais internos.

Também serão separados os jovens que completarem 18 anos cumprindo esse regime. Serra quer garantir que os adolescentes internados tenham acesso ao trabalho, além de receber escolarização e profissionalização, já previstas no ECA.

Pelo texto, a reavaliação periódica para manutenção da internação ganha critérios, como a participação do adolescente em atividades educacionais, pedagógicas ou, se possível, técnico-profissionalizantes.

O senador propõe ainda incluir nova circunstância agravante no Código Penal para punir com maior rigor o adulto que utiliza adolescentes para a prática de crime e dobrar a pena para quem envolver criança ou adolescente em associação criminosa.

Em debate ocorrido em junho na CPI do Assassinato de Jovens, a presidente do colegiado, senadora Lídice da Mata (PSB-BA), questionou o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz sobre os impactos do encarceramento de menores de 18 anos sobre os índices de criminalidade.

Autor do estudo Mapa da Violência 2015 — adolescentes de 16 e 17 anos do Brasil, Jacobo avaliou que a redução da maioridade penal deve provocar aumento na incidência de crimes. Ele avalia que influirá na questão o diferencial de reincidência que existe entre os dois sistemas corretivos.

O encarceramento não é solução de coisa alguma, e sim um problema que temos que enfrentar para solucionar alguns outros problemas.

Enquanto o sistema juvenil tem reincidência de 30%, o adulto apresenta cerca de 70% de reincidentes no crime. Esses 40% [de diferença entre um sistema e outro] vão resultar em que, no retorno à sociedade, a criminalidade e a violência aumentem — argumentou.

O estudioso destacou ainda que, de acordo com o Mapa da Violência, o homicídio foi a causa da morte de 46% dos jovens de 16 e 17 anos em 2013.

Em contrapartida, dados de 2014 da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) indicam que jovens entre 16 e 18 anos são responsáveis por 0,9% dos crimes no país. E quando se trata de homicídios e tentativas de homicídio, o percentual fica em 0,5%.

Também contrário à redução da maioridade penal, o presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia, André Augusto Bezerra, faz restrições inclusive ao PLS 333. Ele critica, por exemplo, a internação por um período de até dez anos.

Ignora-se o princípio da brevidade e da finalidade educativa que o ECA impõe à internação — diz.

Para diretor de unidade no DF, novo modelo trouxe avanços

No Distrito Federal, o sistema socioeducativo funciona de forma descentralizada em sete unidades de internação, sendo uma de atendimento inicial, onde o jovem fica por no máximo 24 horas, e uma de internação provisória, com permanência máxima de 45 dias.

Uma outra unidade deve ser inaugurada no fim deste ano. A grande vantagem do novo modelo, que substituiu o antigo Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) e obedece à regulamentação feita pela lei 12.594/2012, é a separação dos adolescentes internados por faixa etária, sexo e tipo de infração.

Diretor da maior unidade, a do Recanto das Emas, Maurício Leitão conta que cumprem medida socioeducativa no local 219 jovens acima de 18 anos.

Ele avalia a lei que instituiu o Sinase como um marco para o setor, que carecia de uma legislação para regulamentar e inovar o ECA. Ainda que algumas ações já fossem realidade na prática, o diretor afirma que ocorreu uma ampla discussão entre os atores do sistema.

Foi uma evolução. Hoje estamos finalizando a elaboração do plano decenal para apresentá-lo já no próximo mês. Isso é importante para uma maior divulgação junto à população, que não conhece as medidas socioeducativas, e para trazer a comunidade para dentro do sistema — ressalta.

Leitão relata que a unidade de internação conta com 38 professores que se dividem em oito salas de no máximo 15 alunos para séries do ensino fundamental e médio, além de uma turma de alfabetização.

Na quarta-feira da semana passada, a unidade foi a quinta a receber um espaço de leitura com 2,5 mil livros dos 17 mil arrecadados por uma campanha feita pela Secretaria da Criança do Distrito Federal, Rede Cascol de Combustíveis e Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça.

No turno em que não estão estudando, os jovens têm à disposição oficinas ocupacionais de serigrafia, mecânica, marcenaria e estofamento, sendo esta última aberta a receber materiais da comunidade para que o trabalho seja executado pelos internos.

Hoje 70 jovens estão matriculados nas oficinas e há a oportunidade de ingresso em cursos do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).

O diretor também chama a atenção para o trabalho que é feito com a família dos adolescentes, fator importante para a ressocialização.

Leitão diz que a família acompanha o jovem e faz o pedido de benefícios para saída especial em datas comemorativas e progressão na unidade de internação de saída sistemática — a primeira do país —, onde há o encaminhamento para estágio e emprego.(Agência Senado)

Antigo centro de atendimento do DF , desativado em 2014: para especialistas, recuperação dos jovens deve buscar o reforço do vínculo com a família e a comunidade Luiz Silveira/Agência CNJ

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